quinta-feira, 14 de maio de 2020
Cangaceiros 37
–– Como assim Capitão?
–– Tira essa barba, deixa só uns fios de bigode, usa um chapéu de palha...
–– Capitão, mas eu gosto do meu chapéu de couro!
–– Faça o que estou dizendo. O cabelo nem precisa cortar. Pode ficar com a cartucheira, o punhal e a espingarda bate bucha.
–– E o que eu faço depois?
–– O que o Gerônimo quer fazer é te infiltrar na fazenda. Assim teremos olhos e ouvidos lá.
–– Hum! E como vou entrar lá sozinho?
–– Tu serás contratado! Vai lá pedir emprego. Se tem uma coisa que esse maldito gosta é de jagunços. Ele deve te testar de alguma forma, faz o que ele manda sem pestanejar. Tu serás quem dará o sinal com o chifre que soa como uma corneta para os índios atacarem. Vou combinar isso com o grande chefe Cinzento quando ele vier amanhã.
–– É certeza que o Coronel antes de contratar faz uma sabatina com cangaceiro e o submete a alguns testes, esteja preparado! – diz o Padre.
–– Não tenho um pingo de medo! Nem dele e nem dos homens dele.
–– Não se trata de ter medo. Quanto menos tu falar, melhor. E preste atenção no que ele diz. Ganhe a confiança dele! – orienta o Padre.
–– E quando devo partir Gerônimo?
–– Primeiro cuida do rosto. Como eu disse, tira a barba e amanhã, quando a gente falar com o Cinzento, quero que ele te veja, ele e os guerreiros, para saberem que tu estás do nosso lado. Depois a gente vê como ficam as coisas.
–– Entendi! Preciso mudar meu nome?
–– Não! Não precisa! Tu tens é que se fazer de coitadinho para o Coronel. Dizer que não tem no cu o que o priquito roa, para ganhar uma vaga de jagunço. Depois mostra coragem, humildade, determinação e força.
Após o almoço, é costume do bando tirar um cochilo. Gerônimo vai com Lúcia para a alcova que tem apenas umas tiras de pano costuradas a mão na porta. O Padre e o vereador já estão com as redes armadas e Cancão se ajeita no canto da parede em cima de uma esteira de palha e como travesseiro usa uma cela de couro. E enquanto eles descansam os outros homens cuidam para terminar o serviço com as cinco cabeças de gado; outros assam carne no espeto, enquanto alguns limpam o fato para assar as tripas e comer com farinha ou como tira-gosto de pinga. O sol é escaldante e o gado vivo procura as sombras que ainda restam debaixo de um grande pé de pequi.
Gerônimo reúne o bando para dar as instruções do dia seguinte.
–– Estamos vivendo dias de batalhas pela vida, pela sobrevivência. Minha cabeça está a prêmio e vale vinte cabeças de gado e uma quantia em dinheiro. Não sei quanto e nem quero descobrir. O Padre, como é sabido por todos, nos dá uma ajuda mensal, e hoje, veio especialmente para batizar meu filho amanhã e trouxe consigo o dinheiro desse mês. Quero dez homens para ir à feira amanhã comprar mantimentos. Comprem cinco cargas de rapadura para comermos, para adoçar café e fazer garapa, e comprem com jumento, cangalha, surrão e tudo, para não deixar pistas. Compre feijão, fubá, milho, café, arroz, sal, banha, querosene, um mói de lamparinas para alumiar os outros barracos que estão no escuro e se sobrar, umas garrafas de vinho e cachaça. E não esqueçam do principal: a munição. Gavião comandará a tropa. Não esperem por mim quando for deixar o Padre Lauro. Levarei mais 15 homens comigo. Os outros aguardarão o Grande Chefe Cinzento e seus guerreiros e darão as boas vindas enquanto volto. Tratem-no bem e dê-lhe vinho e carne enquanto espera por mim. Estarei aqui antes do anoitecer. Lúcia, a mulher mais bonita e corajosa do sertão conduzirá os trabalhos na minha ausência. Entenderam?
–– Sim capitão! Mas isso vai dar um comboio danado de grande.
–– É. Vai. Mas Gavião, porque é que tu achas que estou mandando dez homens contigo? Para servirem de enfeite ou para passear? Agora, como já está anoitecendo, façam uma grande fogueira e assem carne. Lúcia traga vinho para nós! Preciso dizer algo para o vereador e pedir esclarecimentos ao Padre sobre como será feito o batismo.
–– E o dinheiro dá para tudo isso?
–– Gavião, eu sei fazer conta de mais e de menos, mas o Padre Lauro já calculou tudo aproximadamente. O dinheiro dá e ainda sobra um troquinho.
–– Ah, bom! Se é assim! Será!
(...)
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