sexta-feira, 1 de maio de 2020

Cangaceiros 15


Depois do almoço com os vereadores e de deixar tudo acertado conforme foi planejado pelo Coronel Messias...

–– Lucas, conte-me como conseguiu tirar os homens da cadeia e o que fez com eles.

–– Ah, Coronel, não foi tão difícil assim. Conversei abertamente com o Delegado, menti sobre uma ocorrência em outro povoado e fiz com que ele saísse em diligência juntamente com os policiais deixando só o escrivão, e aí foi fácil. Batemos nele e levamos os presos para fora da cidade conforme suas ordens.
–– Deram fim neles?
–– Sim, claro! E os enterramos num lugar que ninguém achará a ossada.
–– Muito bem! Caso encerrado. Agora vá cuidar do presidente da Câmara.
–– Estamos esquecendo do mais forte aliado do prefeito. Aquele que poderia inclusive ser o candidato dele.
–– Quem?
–– O Padre Lauro. Homem carismático. Querido pelo povo, pelos fiéis e com influência política nessa administração.
–– Realmente ele é muito forte politicamente, mas não é candidato a nada e não tem substituto.
–– Não. Não tem, mas pode atrapalhar na eleição.
–– Vamos manter as coisas como estão. O alvo agora é o presidente da Câmara. Depois pensamos o que fazer com o padreco, aliás, tenho planos para ele.

Lucas põe o plano em ação:

O prefeito depois de prestar suas condolências às famílias da moça e do rapaz assassinados, decide ir até a delegacia conversar com Jaime e é então que descobre que eles sumiram e cobra respostas ao delegado. Após essa visita, vai à igreja ter um diálogo com o Padre e pede a missa de Domingo em nome das famílias e o padre faz o sermão em homenagem a filha de Maroca e ao filho de Espicha Couro.

Nessa tarde, Joaquim da Silva reúne os filhos em casa para conversar e fazer os preparativos da festa anual de seu aniversário.

–– Xavier venha cá, meu filho. Sente-se aqui. Júnior, venha aqui perto de mim também.
–– Sim meu pai.
–– É o seguinte: Xavier você irá à casa de Benedito, dizer-lhe para vir uma semana antes com a esposa. Converse com ele e depois vá à casa de Francisco e diga a mesma coisa.
–– E eu pai, o que devo fazer? – indaga Júnior.
–– Você irá à casa de João que é mais perto. Quero todos aqui no mesmo dia para tratar dessa eleição também.
–– Porque que tem que ser todos no mesmo dia pai? – pergunta Fátima.
–– Porque quero matar um bode para a gente comer, afinal, faz mais de ano que não os vejo.
–– Pai, ainda falta dois meses para seu aniversário. E eles sabem que o Senhor faz essa festa todo ano – lembra Xavier.
–– Sim, eu sei, mas quero tratar desses assuntos o quanto antes.
–– Tá certo. O Senhor é quem sabe.
–– Vou passar um café para nós, pai.
–– Vai filha.
–– Joaquim, esse ano terá alguma coisa diferente?
–– Sim, tem. Quero convidar todos os mendigos, cegos e aleijados da cidade para virem comer aqui. Quero um banquete para todos. Foi uma promessa que fiz.
–– Está certo meu véio!.
–– E olhe que não é por interesse político não. É promessa viu? Quero um almoço com fartura. E que ninguém fique de fora.
–– O prefeito vem?
–– Não sei. Vou convidar, se ele vier, ótimo.
–– E o Padre?
–– Também será convidado.
–– Pai e os políticos do lado do prefeito, vem?
–– Olhe, não vou convidar esses não. Sei que podem até vir. Somos amigos, mas não se trata de reunião política. É o meu aniversário.
–– Você sabe que eles não perdem uma boquinha dessas – diz a mulher.
–– Pois deixem que venham, mas não vamos ter discursos e nem irei aceitar que peçam votos.
–– Aí sim. Fica melhor assim – confirma a esposa.
–– Convidem em meu nome os padrinhos, tias e tios de vocês, não sei se terei tempo para isso. Ah, os convidados estão dispensados de trazer presentes esse ano.
–– Oxe! Porque pai? – pergunta a menina.
–– Esse povo já vive com sacrifícios e para me agradar são capaz de trazer até o melhor animal que poderiam comer mais tarde. Então não precisa. Aqui nós temos tudo e devemos agradecer a Deus.
–– O pai tá certo, viu? – afirma Júnior.
–– Vocês três bem que poderiam ir à missa de domingo e lá convidar o Padre em meu nome.
–– Pois pronto! Nós iremos. Faz mais de mês que não vamos a uma missa – conclui Fátima – ah, o café já está na mesa. Fiz até o cuscuz.
–– Pois vamos tomar esse café. Estamos acertados? Vocês entenderam tudo?
–– Sim, pai.
–– Claro pai!
–– Xavier, você e Júnior sairão amanhã cedo, viu?
–– Viu!

Ao cair da tarde, por volta das cinco horas, quatro cavaleiros armados até os dentes, dispostos a enfrentar quaisquer desafios desmontam dos animais bem tratados, amarram-nos próximos da igreja, e um deles fica ali de plantão enquanto os outros entram. E pelo corredor, entre os bancos de madeira polida, ajoelham-se diante da cruz de Cristo no altar, benzem-se e fazem orações. O sacristão corre assustado para chamar o Padre Lauro que logo chega.

–– Gerônimo! Seja bem vindo à casa de Deus, meu filho!
–– Padre, meu filho nasceu! Quero que o batize!
–– É um menino?
–– Com a graça de Deus, Padre, se chamará Gerônimo!
–– E quando você pretende trazê-lo aqui para o batismo?
–– Não quero batiza-lo aqui, Padre!
–– Porque não, filho? Aqui é a casa de Deus!
–– Padre, foi o Senhor mesmo quem disse que onde houver mais de um, lá estará Deus, então, meu filho nasceu na caatinga e quero batiza-lo lá. É lá que estão os meus. Dará muito na vista estarmos todos aqui num mesmo dia, pois ninguém virá desarmado. Não somos bem vindos aqui.

A conversa é mantida no pé do altar sem muitas cerimônias nem ninguém para se intrometer.

–– Porque você não me mandou um mensageiro?
–– Padre não preciso de mensageiros para resolver minhas questões.
–– Eu sei, eu sei. E quando você quer o batismo?
–– Daqui a uma semana. E depois dessa eleição quero casar-me.
–– Que maravilha! Deus ficará contente de sua união com minha irmã.
–– Não só ele, nós também.
–– Então marque o dia certo que irei. Tenho umas coisas para falar para vocês sobre seu passado.
–– E tem?
–– Tenho. Quero falar sobre o que aconteceu com seus antepassados há uns cinquenta anos.
–– Pois pronto! Em sete dias o Senhor irá ao nosso acampamento, sozinho, daremos proteção no caminho, mesmo que não nos veja, estaremos esperando pelo Senhor.
–– Levarei dois São Cristãos comigo. São meus auxiliares.
–– Leve-os e serão bem vindos! Era só isso Padre Lauro. Estamos acertados?
–– Estamos. Estaremos lá.
–– Adeus Padre!
–– Adeus!

Os homens não perdem tempo e saem como chegaram, sem muito chamar a atenção a não ser pelo armamento e as vestes. Seguem pelo mesmo caminho de volta, mas Gerônimo, astuto, decide que não irão por onde vieram para evitar algum conflito, e então vão por uma estradinha de chão que vai dar na bodega do Arilson.

–– Capitão tem uma parada ali na frente. Parece um bar.
–– A caminhada é longa. Vamos parar lá para comer e beber alguma coisa. Depois partiremos. Chegaremos de madrugada em casa.
–– Certo Capitão!

Os lampiões já estão acesos na frente da bodega de Arilson. Há cavalos amarrados na cerca, burros também e alguns jumentos selados, quietinhos esperando por seus donos enquanto jogam e bebem.

–– Quero entrar sozinho lá. Ninguém nos conhece. Fiquem atrás e só um entra depois, dois ficam fora. Como se não nos conhecêssemos, ocupem mesas diferentes ou fiquem em pontos que possam ver tudo como os calangos. Entenderam?
–– Sim, meu capitão!
E assim é feito.
–– Quero comer alguma coisa e tomar uma talargada de cachaça.
–– Tenho só panelada, mas preciso requentar – diz Arilson.
–– Serve. Eu espero.
–– Aquela mesa ali está desocupada Senhor. Pode se sentar lá.
Os jogadores de baralho nem notam que um cangaceiro apoderou-se de uma mesa no canto onde dá para ver quem entra e quem sai; os jogadores de sinuca entreolham-se e continuam jogando, enquanto um segundo homem adentra o recinto.
–– Estou com uma fome danada, o que tem para comer?
–– Só tenho panelada!
–– Serve!
–– Sente-se aqui desse lado. Nessa mesa – diz Arilson, acostumado com todo tipo de gente. Vou esquentar seu prato.
–– Gosto com pimenta. Tem pimenta aí?
–– Tem sim, Senhor. Malagueta!
–– Então bota umas dez! E faz mais dois pratos.
–– Sim, Senhor. Três pratos. Não é?
–– Isso! Faz três pratos!

A luz dos candeeiros, pendurados nos caibros da biqueira da casa não clareiam muito, e nem dá para ver com nitidez quem está a dez metros. Nesse momento para um carro na frente da bodega e descem quatro homens, um deles é o filho mais velho do Coronel Messias, jovem de aproximadamente 28 anos, metido a valente e conhecido por sua arrogância por onde passa em toda a região. Só anda armado e deixa a arma à vista na cintura. Os outros três homens ficam no peitoril da bodega esperando a reação do patrão.
–– Olá! Estamos com vontade de comer uma coisinha de sal. O que tem para comer?
(...)

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