–– Soltem a gente – diz o outro jagunço contorcendo-se no chão.
Arilson faz ouvido de mercador e ajeita as cadeiras ao redor das mesas, talvez com medo de que eles voltem para terminar o serviço.
–– Soltem-nos – ordena o comerciante.
E depois que todos são desamarrados, lançam mãos dos candeeiros para procurar as chaves do carro. Como não é tão fácil encontrar, desistem e esperam que o dia amanheça para procurar com mais cuidado e enquanto o sol não aparece, tomam mais cachaça e dormem ali no alpendre. Arilson com pena, pede licença, entrega três redes para Inácio armar, manda os clientes para casa e se tranca por dentro.
No dia seguinte, com os primeiros raios do sol e os galos cantando, os homens ainda ressacados levantam-se e batem na porta de Arilson.
–– Senhor Arilson, acorda. Arranje aí água para a gente beber.
–– Água e um café bem forte para curar a ressaca.
–– Vamos caçar a porra dessa chave logo, enquanto ele abre a bodega.
–– Abra a bodega, moço. Temos dinheiro para pagar.
–– Já estou indo. Tenha calma aí. Oramarrapá!
–– Rapaz tu que jogou a chave deve saber mais ou menos onde caiu.
–– Espera aí, que já vou ver.
Os jagunços pisam no mato seco, nos capins, arrastam os pés para um lado e outro. Ciscam como galinhas no terreiro e depois de mais de uma hora, encontram.
–– Achei! Achei!
–– Pois traz aqui, avexado!
–– O café está pronto. Fiz umas tapiocas também.
–– Tem manteiga da terra aí?
–– Tem.
–– Pois bota aqui para nós comer.
–– Frita ovos também.
–– É para já.
Após tomar o café da manhã, Inácio paga a despesa e os homens entram no carro que deixa o rastro de poeira de tanta pressa que eles tem de sair dali.
–– Chefe o que vamos fazer?
–– Não quero um pio até chegar à fazenda. Lá, depois que eu falar com meu pai, falo com vocês. Esse desgraçado vai pagar caro por isso.
Inácio lavou a orelha ou o que restou dela rente ao pé do cangote com cachaça para não infectar e amarrou um lenço. Está imprialzinho o Van Gogh nordestino, marejando sangue.
Pouco a pouco os clientes chegam à bodega para comprar secos e molhados, goma para fazer tapioca e beiju, e claro, curiar sobre o que aconteceu na noite passada. Tem gente que vai ao local só pela fofoca, o que não é o caso de Chico Preto que desmonta de seu jumentinho e se aboleta no tamborete lá no canto enquanto observa quem entra e sai, e quando vê que vagou mais o movimento destabaca a falar.
–– Arilson eu estava aqui matutando e quero te dizer uma coisa.
–– Ai é? Tu estavas matutando é?
–– Pense num negócio bom da peste?
–– E o que é Chico? Fala!
–– Rapaz eu conto, mas tu vai ter que me dar alguma coisa em troca.
–– Ah, Chico, esse é o problema de vocês. A gente faz, faz e até para dar uma sugestão vocês querem pagamento.
–– É só uma ajuda, Arilson. Tu é rico.
–– Rico da graça de Deus. Tu só queres tudo na moleza.
–– Também não é assim. Só quem faz teus recados aqui sou eu. E não tem nem salário não. Ôxe!
–– Pois desembucha! Eu sei que é dinheiro que tu queres.
–– É. Mas não vai te fazer falta essa merreca. Além do mais tu vais é economizar para a festa.
–– Fala abirobado! Se for mesmo desse jeito eu pago.
(...)
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