segunda-feira, 11 de maio de 2020

Cangaceiros 26


Numa fração de segundos uma chuva de balas é disparada. Os três homens caem dos cavalos, dois mortos e um ferido, nem deu tempo de reagir pelo susto e por estarem os dois cangaceiros por trás. Essa tática é conhecida por desvio de atenção e nenhum deles foi atingido pelas costas.

–– Vamos tirar esses corpos da estrada. Os urubus tomarão conta deles. O ferido vocês dois levam para interrogar no acampamento quando eu voltar. Levem também os cavalos e as armas. Digam lá para mandarem dez homens o mais rápido possível para a porta da igreja. Cancão e Calango venham comigo! Ah, espera aí...

Gerônimo desmonta do cavalo, corta a orelha de cada um dos três e as coloca no patuá amarrado ao alforge de couro preso à sela.
–– Pronto! Podemos ir agora. Ora marrapá! Onde já se viu isso? Minha cabeça agora está a prêmio!
–– Pois não é Capitão! Vinte cabeças de gado e dinheiro se tu fores pego vivo.
–– Eu acredito que valho muito mais!
–– Vale sim, Capitão!
–– O que os homens não fazem pelo poder? É impressionante!

A cavalgada é longa, mas enfim, Gerônimo, Cancão e Calango chegam à cidade e vão direto para a igreja.

Nesse momento o vice-presidente da Câmara faz um pronunciamento informando o desaparecimento do presidente.

–– Bom dia a todos! Quero agradecer a presença de Vossas Excelências que, hoje, assim como eu, estão preocupados com o desaparecimento do nosso presidente. Há três dias não temos notícias. Ele é um homem probo, digno e de suma importância pelos mais relevantes serviços dessa casa e para a população. A esposa dele registrou um B.O. e as autoridades competentes estão se mobilizando para encontra-lo e, embora não saibamos o que aconteceu vamos aguardar o desfecho. O Prefeito já foi comunicado e tomará as devidas providências. Que fique registrado em ata que nos pronunciamos, e estamos todos preocupados e em busca de soluções que o tragam de volta ao nosso convívio para continuarmos com nossa campanha política que terá a maior vitória sobre nossos adversários. É vontade do povo que mais uma vez sejamos vitoriosos nessa eleição. É a vontade de Deus que abençoa a nossa administração. Não quero mais me exceder, quero também fazer parte desse grupo de buscas pelo nosso presidente. Obrigado pela atenção de todos! Não esmoreçam e vamos à luta.
–– Vossa Excelência sabe que todos nós estamos envolvidos nessa luta contra tudo que é criminalidade – diz um vereador da oposição.
–– Vossa Excelência não tem moral para falar em nome de ninguém. Foi eleito na rabada e se vendeu para o Coronel.
––Vossa Excelência me respeite, seu fela da puta.
–– Ordem! Ordem na casa! – diz o vice-presidente.
...
Independente de qualquer coisa, a cidade vive momentos de tensão, de campanha política, mas esse é o mês de junho e no interior nordestino, as festas juninas tem atrações por todos os cantos. Os grupos de forró festejam e alegram as noites, bandeirolas estão colorindo os espaços dos mais diferentes pontos; fogos de artifícios explodem no ar noturno colorindo os céus. As comidas típicas como pamonha, doces, bolos, sarapatel, buchadas, caldo de cana e pipocas estão nas banquinhas de madeira e palha de cada esquina e até fazem parte da quermesse e leilões para angariar fundos, organizados pela Paróquia do Padre Lauro. Mais tarde o forró pé-de-serra ganha o mundo nos salões de chão batido. Os caboclos bebem da pinga serrana produzida na fazenda do Coronel Messias. Na pracinha da Igreja, grupos de quadrilhas caracterizados apresentam as danças que a população assiste e tanto admira enquanto alguns casais namoram furtivamente. Outros com consentimentos de pai e mãe de famílias mais abastadas sentam-se em mesas, na praça, e ostentam arrematar as joias mais caras do leilão: um leitão assado é posto numa bandeja, um capão vivo ou assado, uma rosca de bolo de goma ou uma garrafinha de cajuína. Tudo naquele momento é motivo de comentários, sejam eles irônicos ou de elogios. É a economia do município que gira em torno principalmente do poder público que não tem indústrias e a prestação de serviços informal alavanca o mercado.

Nesse momento Júlia, a filha caçula do Coronel Messias se confessa com o Padre Lauro e conta de seu repúdio pelo pai e de tudo que ouviu na fazenda, conta inclusive sobre o plano diabólico dele de tomar a cidade e o poder, na marra. Fala de segredos e da frustração de ser filha de um homem rico e tão cruel, de escravos e de se ele perder a eleição provocar uma guerra. Ela não esperou pela missa de domingo para falar, se antecipou pela gravidade dos fatos.
(...)

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