terça-feira, 12 de maio de 2020

Cangaceiros 28


–– Lúcia o que aconteceu com o prisioneiro? Porque não me deixaram ver o que o Manoel Espicha couro foi fazer com ele?
–– Presidente, talvez tu não tivesse estômago para assistir. Foi melhor assim.
–– E onde eles estão agora?
–– Olhe, há coisas que é melhor não saber. Para o seu próprio bem.
–– Como assim? Eu tenho direito de saber, afinal, é por minha causa que o Lucas veio parar aqui.
–– Sim, foi, mas o Capitão ordenou que tu não visses o que o Manoel ia fazer. Converse com ele quando voltar.
–– Tudo bem. Tudo bem. Vou aguardar.
–– Ah, não saia da frente da casa. É perigoso andar por aí.
–– Está certa. Não sairei.
–– E é melhor não fazer perguntas aos homens. Eles tem a paciência bem curtinha quando Gerônimo não está por aqui.
–– Entendi.

No caminho por onde Zé Pezão avança para a fazenda do Coronel, encontra dois pistoleiros que o param para assalta-lo.


–– Olá! O que tu tens de valor aí cabra? – a pergunta vem de um deles que aponta uma espingarda, enquanto o outro também montado a cavalo se põe por trás.
–– Não tenho nada não, moço.
–– Pois eu tenho certeza que tem. Estou vendo um revólver em tua cintura.
–– É. Tenho um revólver e nesse saco de estopa a cabeça do braço direito do Coronel, o Lucas. Ele não ficará contente se vocês me matarem.
–– Tem certeza que é a cabeça do Lucas? E quem o matou de forma tão cruel?
–– Olha, deixem-me seguir viagem. Isso é uma mensagem.
–– Eu perguntei quem matou?
–– Foi o Manoel Espicha Couro. Matou, sangrou e tirou o couro das costas.
–– Então acho que vamos voltar contigo para a fazenda.
–– Por quê?
–– Por que o Coronel havia mandado a gente para fazer um serviço.
–– Que serviço?
–– Tu vais saber quando chegar lá. Vamos embora!

Depois de cavalgarem por léguas, eles chegam à fazenda. O Coronel não está na primeira casa que serve como residência. Está na casa grande, que funciona como escritório, administração do canavial, prisão de escravos, um puxado da casa de moagem e um terreiro grande com três troncos no centro onde amarram pessoas para sofrerem punições à base de chicotes de couro de umbigo de boi como é mais conhecido o chiqueirador. Na casa há um quarto específico onde o Coronel faz outras perversidades como a prática de estupro com escravas mais novas antes de serem designadas para o trabalho no canavial.

Zé Pesão e os dois jagunços são recebidos e conduzidos pelo homem conhecido por “Chicote”, uma espécie de capataz-chefe, o carrasco depois de Lucas que obedece às ordens do Coronel como um cachorro adestrado. A crueldade em pessoa.

–– O que tem nesse saco ensanguentado Zé? – indaga Chicote.
–– A cabeça de Lucas – diz Zé Pesão curto e grosso sem titubear.
–– Estás brincando?
–– Não! Não estou.
–– Ele estava mesmo sumido.
–– Agora está morto. Mortinho da silva.
–– É uma perda muito grande para a fazenda. O Coronel não vai gostar dessa notícia. Só Deus sabe o que ele irá fazer.
–– É. Chicote, diga-me uma coisa. Eu estou com a mosca atrás da orelha. Então satisfaça minha curiosidade. Qual era o serviço que esses dois homens que me escoltaram iam fazer naquelas bandas?
–– Agora tu me acochou sem me abraçar. E eu sei lá. Tem coisa que só o Coronel sabe. Pergunta para ele.
–– Está bem. Pergunto sim.
–– Estamos chegando. Vocês dois esperem aqui fora. O Zé Pesão entra comigo.
–– De um lado e outro da porta há dois jagunços armados que trocam turnos de vigilância e dentro da casa mais uns dez.
–– Bom dia! – cumprimenta Chicote – onde está o Coronel?
–– Ele está ocupado agora – responde um dos homens.
–– Temos um assunto importante a tratar.
–– Chicote ele está com uma escrava novata na alcova. Se tu quiseres perturbar, é por tua conta.
–– Trata-se da cabeça do Lucas que está nesse saco. Se tu não quiser chama-lo agora. Vamos embora.
–– Espera aí. O que disseste?
–– É isso que tu ouviste!
–– Quero ver.
–– Mostra para ele Zé.
–– Vixe Maria! Vou chamar mas é agora. Avexado!

O homem bate na porta do quarto...

–– O que é, não vês que estou ocupado? – indaga com raiva o Coronel que não quer ser incomodado nesse ato.
–– Coronel desculpe-me! É importante!
–– O que pode ser tão importante para atrapalhar-me nesse momento?
–– Coronel, o Zé Pesão está aqui com a cabeça do Lucas num saco.
–– Que desgraça é essa? Já estou indo.

O Coronel aparece na sala ainda amarrando o cinto para segurar as calças e ordena que levem a escrava chorosa que nem bem se vestiu, para o canavial.
(...)

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