terça-feira, 12 de maio de 2020

Cangaceiros 27


Manoel Espicha Couro chega ao acampamento sozinho, montado em um cavalo preto e trás consigo uma carabina, um revólver e uma peixeira amoladíssima. Então ele desmonta do animal e vai direto para a casa do capitão, onde é recebido pela companheira de Gerônimo e outros cangaceiros.

–– Bom dia! Onde está o Gerônimo? O que ele quer comigo?
–– Calma, homem! Nós temos um presente para você! Gerônimo foi à cidade buscar o Padre para fazer o batismo de nosso filho. Voltará amanhã. Houve um imprevisto na ida, mas enviei quinze homens para protegê-lo.
–– Oh, coisa boa! Mas você falou de um presente?
–– Sim! Temos como prisioneiro o homem que matou seu filho. O braço direito do Coronel Messias.
–– Eu não acredito! E onde ele está?
–– No buraco. Homens levem o Manoel até o prisioneiro.
–– Tu sabes que o Gerônimo estando aqui ou não, farei o serviço do meu jeito.
–– Faça o que quiser. Ele é todo seu e foi por isso que meu capitão mandou te chamar.
–– Vou leva-lo para longe do acampamento para tirar o couro dele. Esperei demais por essa vingança.
–– Vai agora.
––Vamos homens!

Seis homens acompanham Manoel até o buraco que fica mais afastado do núcleo onde há as família e crianças.

–– Tirem-no daí. Quero dar uma sova antes.
–– E quando Lucas já está na superfície...
–– Tu sabes quem sou eu?
–– Não!
–– Sou o pai do garoto que tu matou! – Manoel soqueia o rosto de Lucas, chuta, esbofeteia até que ele fique quase inconsciente.
–– Era meu filho desgraçado! Era meu filho! Levanta ele – diz Manoel aos homens – agora me diz, para onde iam levar o corpo naquela carroça?
–– Para, para a casa do Zé Pezão. Ele ia enterrar lá no terreno dele. É isso que ele faz com os corpos que o Coronel manda para lá.
–– A filha da Maroca também?
–– Todos os corpos!
–– Então! Tu sabes por que me chamam de Manoel Espicha Couro?
–– É um apelido, macho?
–– Não! Não é. É meu nome mesmo. Vou te explicar isso na prática. Vamos leva-lo para mais distante daqui.
–– Sim Manoel! – diz um dos homens. E levam-no para um local descampado na caatinga.
–– Quero que vocês façam um “xis” de madeira com duas estacas. Amarrem bem para aguentar o peso dele.
–– O que tu vais fazer comigo?
–– Calma, caboclo! Vou explicar meu nome primeiro na prática e depois o Coronel irá saber respeitar filho de homem.
Pouco tempo depois...
–– Pronto! As estacas estão prontas! –diz um dos cangaceiros.
–– Amarrem-no de forma que ele fique de costas para fora, para mim. Jesus morreu na cruz, mas tu, tu não merece a cruz de um mestre que tenho fé. Irás morrer num xis. Amarrem pés e mãos. Agora vou tirar teu couro das costas para tu saber o que é a dor de um pai. Minha peixeira tá com sede de sangue.

E assim, com calma, entre gritos horripilantes e gemidos de dor, Manoel Espicha Couro pouco a pouco aparta a epiderme da carne humana de Lucas. O sangue escorre enquanto os cangaceiros espiam a cena de forma surpreendente e respeitosa, pois sabem que Manoel mesmo não morando na montanha é o mais cruel do cangaço. E quando ele termina, lambe a faca e como se não estivesse satisfeito da vingança, sangra Lucas e separa a cabeça do corpo. Depois põe a cabeça em um saco de estopa, vai à casa da companheira de Gerônimo, despede-se, monta em seu cavalo e vai embora com o saco de estopa pendurado na sela pingando sangue. Os outros ficam olhando, sem dizer nada. Ele vai direto para casa de Zé Pesão e com a arma em punho invade o quintal e vai parar na porta.

–– Zé Pesão! Zé Pesão! Aparece filho duma cachorra.
–– Quem é?
–– Sou eu: Manoel Espicha Couro. Aparece.
–– Diz daí o que tu queres!
–– Vem aqui ou vou aí, te corto e boto teu couro no sol, espichado em varas como bode.
–– Espera! Espera. Já estou indo. O que é?
–– Manoel joga a cabeça bem nos pés de Zé Pesão.
–– Tu sabes quem é esse filho duma ronca e fuça?
–– Zé Pesão abre o saco de estopa e se espanta. Grela os olhos e solta estarrecido a cabeça.
–– É o Lucas!
–– Sim! É ele. Agora quero que tu leves a cabeça dele para o Coronel! Agora!
–– Não posso fazer isso. Ele me matará!
–– E se não fizer isso eu te mato e levarei as duas cabeças.
–– Espera! Eu levo.
–– Pois te avexa aí macho. Tô doido para atirar. Meu dedo tá coçando. Pega teu animal e vai. Eu te sigo de longe e nem adianta tentar escapar. Vai logo pau mandado.
–– Já estou indo. Te acalma aí.

Manoel Espicha Couro não o seguirá, blefou apenas para garantir que Zé Pesão se sinta vigiado. Na verdade Zé é um borra botas e está se cagando de medo. Manoel viu isso em seus olhos e tem certeza que a mensagem chegará ao seu destino. Em seguida Manoel vai para casa, pega a mulher e volta para o acampamento de Gerônimo, pois sabe ele que a partir de agora a coisa vai ficar preta.
(...)

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