quinta-feira, 14 de maio de 2020

Cangaceiros 36


–– Pai...
–– Cale-te agora ou será tu que irá lutar com esses cinco homens. Tu entendeste Miguel dos Reis?
–– Sim Senhor meu pai!
–– Prossigam!

O escravo negro, de aproximadamente um metro e setenta de altura é trazido com uma corrente de dez metros no pé esquerdo que é afixada ao tronco para não fugir e posta-se no meio do terreiro.

–– Negro, a regra é a seguinte: tu lutarás até a morte com esses cinco homens, caso tu mates um deles acaba a luta e todos voltam para seus lugares. Não haverá armas. Então lutem! – ordena Chicote, o homem no comando nesse momento.

Os vaqueiros espalham-se e formam um circulo como hienas para atacar a presa. Acham que o fato de o escravo estar amarrado pelo pé é uma vantagem, mas as mãos estão livres e o prisioneiro cerra os punhos, estala as juntas e se prepara. Um dos homens arrisca um golpe de pernas e chuta a cintura do negro enquanto outro os esbofeteia nos peitos e por trás é golpeado nas costas e cai. Os espectadores, jagunços do Coronel caem na gargalhada, mas a luta continua até que o escravo desfecha um murro na cara de um dos vaqueiros, o sangue espirra, o punho forte, fechado bate como uma marreta numa pedreira e pouco a pouco os homens vão ficando no chão, porém nenhum ainda está morto e levantam-se sabendo que um deles será enterrado e como essa é uma realidade, o sangue já ferve nas veias e para estimular a adrenalina o Coronel faz um aceno e um dos jagunços dispara para o alto, outro do outro lado também atira e os homens como lobos avançam num corpo a corpo descomunal e batem, batem tanto no escravo de todos os lados que ele chega a se ajoelhar, mas o negro com marcas, cicatrizes de chicote nas costas sabe o que é dor e sabe tanto que parece não senti-la e então ele se aproxima do tronco, pega parte da corrente e a transforma em arma e pouco a pouco vai desferindo golpes violentos em cada um dos vaqueiros. Sobra apenas um homem de pé. O escravo para, fica frente a frente com ele e numa ação rápida, o laça com parte da corrente, arrasta-o para perto do tronco e depois monta nele e o enforca.

–– Que pena! Foi muito rápido! Como eu prometi e vi que vocês são homens de valor, a partir de agora serão meus protegidos. Levem o escravo e deem comida e água. Enterrem esse infeliz bem longe daqui, ou melhor, queimem o corpo para não deixar rastros – diz o Coronel que parecia querer mais diversão sobre o vaqueiro morto.
–– Vamos conversar Miguel dos Reis. Quero te contar como vamos fazer daqui para a frente. Homem que é homem não bota água para pinto beber.
–– É o que estou querendo te dizer meu pai. Temos que armar um plano mais elaborado. O Senhor lembra que os vaqueiros falaram que tinha um Padre com eles?
–– Lembro!
–– Pois é! Só pode ser o Padre Lauro.
–– Pois vamos incluir esse padreco no plano! O vereador presidente da Câmara já sumiu. E se a gente desse um jeito no cabeça de chapa. O que tu achas?
–– Aí, sem o candidato majoritário, a gente pode até ganhar a eleição.
–– Mas tem que ser um negócio bem feito. De forma que pareça um acidente. De forma que o povo acredite que realmente ele não morreu de morte matada.
–– É. Vamos planejar nos mínimos detalhes.
–– Vamos!

Gerônimo, o Padre, Cancão, Calango e o restante do bando chegam ao acampamento conduzindo a boiada e logo o capitão determina um local para o gado.

–– Lauro que alegria em vê-lo aqui novamente – diz Lúcia, a irmã do Padre.
–– Eu também já estava com saudades! Como está o bebê?
–– Ah, está ótimo! Venha cá meu Capitão! Deixe-me te dar um cheiro no cangote!
–– Estás vendo Padre? Isso é o amor!
–– É claro! Vocês formam um belo casal!
–– E esses bois?
–– Ah, é uma longa história que te contarei mais tarde. Quero ver meu filho! Como ele está?
–– Vamos! Ele deve estar dormindo agora!
–– Calango! Chame quatro homens e vá à aldeia do grande chefe Cinzento! Diga-lhe que quero vê-lo urgente!
–– Sim Senhor! Vamos só comer um tiquinho e sairemos.
–– O que temos para comer Lúcia? Estou com uma fome arretada!
–– Meu Capitão! Vou providenciar uma boa comida! Nós não o esperávamos hoje. Tu mesmo disseste que só voltaria amanhã!
–– Pois é, mas tu sabes que sou imprevisível!
–– Sei! Tome um pouco de vinho com o Padre enquanto preparo aqui o de comer!
–– E quanto ao homem que tu mantém preso? – indaga o Padre Lauro.

Nesse momento, o Manoel Espicha Couro e o vereador aproximam-se e entram na sala.
(...)

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