domingo, 10 de maio de 2020
Cangaceiros 23
–– Não, não. Eu quero empregar pessoas nas escolas para fazer limpeza, servir a merenda escolar, fazer outros serviços. O prefeito tem uma série de obras para inaugurar antes da eleição. E nós agora somos compadres. Tenho que sair daqui com tudo planejado e tu só tens que garantir os votos. Com o tempo, todos estarão numa sociedade mais justa.
–– Entendo. Já foi muita promessa por hoje. Vamos beber e comer.
–– Preciso de um lápis e papel para anotar tudo que eu disse aqui.
Sentados em tamboretes de madeira e tampos cobertos com couro de bode, os dois homens conversam enquanto o vereador vai fazendo suas anotações. Cancão trás a cachaça e o vinho e outro acende a fogueira para assar carne.
–– Gerônimo, tu sabes o significado do teu nome?
–– Taí que nunca pensei nisso.
–– Todo nome tem significado.
–– Tu és letrado mesmo. Tu és doutor?
–– Sou formado em direito. Sofri muito. Era um homem pobre. Dei duro na vida.
–– Tens filhos?
–– Tenho um garoto com doze anos.
–– Casou novo não é?
–– Casei.
–– Sim, e qual é o significado do meu nome?
–– Bem, Jerônimo significa nome sagrado.
–– Viu, Cancão? O homem sabe das coisas.
–– Tô vendo aí chefe.
–– Tem origem no nome grego Hierónymus, composto pela união dos elementos “hiéros”, que significa “sagrado” e onyma onoma que quer dizer “nome”. Foi utilizado em homenagem a São Jerônimo desde a idade média, sobretudo na Itália e na França, e é usado na Inglaterra desde o século XII. Em Portugal, foi encontrado em documentos datados da primeira metade do século XVI. Também tem San Jerônimo no México e São Jerônimo no Brasil. É um nome forte.
–– Como é que tu sabes tanto sobre meu nome, vereador?
–– Coincidência ou não, pesquisei sobre nomes de pessoas antes de meu filho nascer, e esse é também o nome dele.
–– Estou impressionado! Só pode ser coisa do destino.
–– Pois é. Coisas boas acontecem em nossas vidas. E se tu me deres permissão, posso falar muito mais do que tu possas imaginar.
–– Então fale homem. Temos todo tempo do mundo. Calango.
–– Sim meu capitão.
–– Trás aí a cuia com uns pedaços de carne. Já está no ponto?
–– Já tem uns pedaços bem assados.
–– Pois traga aqui, e trás pimenta também.
–– Sim Senhor.
–– Prossiga presidente.
–– Tu já ouviste falar de Lampião, o rei do cangaço?
–– O Padre Lauro já contou umas histórias por aqui, mas foi coisa pouca. Podes falar se quiser.
–– Pois bem. O Cangaço foi um fenômeno do banditismo brasileiro ocorrido no nordeste do país em que os membros do grupo vagavam pelas cidades em busca de justiça e vingança pela falta de emprego, alimento e cidadania, causando o desordenamento da rotina dos camponeses.
–– O que não é o nosso caso. A gente aqui se vira como pode, mas não leva desaforo para casa e nem atenta o povo.
–– A verdade é que com o tempo as pessoas em sociedade sofrem transformações e tornam-se civilizadas.
–– Se eu falar sobre os que já morreram, tu irás ficar impressionado. Eles eram brutos.
–– Um dos principais líderes do cangaço foi o Virgulino Ferreira da Silva mais conhecido por "Capitão" Lampião, cujo título fictício de capitão surgiu de uma promessa não cumprida do governo do Ceará de integrar o seu bando aos batalhões patrióticos da Guarda Nacional, caso Lampião e seus homens conseguissem deter o avanço da coluna Prestes na cidade de Juazeiro do Norte. E porque te chamam de Capitão.
Fui eu – diz a companheira de Gerônimo, que entra na conversa – o Padre Lauro me deu um livro sobre um capitão que a qualquer custo tinha que atravessar o oceano, lutar muitas batalhas, enfrentar muitos inimigos para conquistar sua amada. Achei a palavra tão bonita que apelidei Gerônimo de Capitão e todos aqui o chamam desse nome.
–– Pegou bem para o líder. Mas vamos lá. O termo cangaço vem da palavra canga, aquela peça de madeira usada para prender junta de bois a carro ou arado como vocês sabem.
–– É. A gente sabe – responde a mulher.
–– Por volta de 1834, o termo cangaceiro já foi usado para se referir a bandos de camponeses pobres que habitavam os desertos do nordeste brasileiro, vestindo roupas de couro e chapéus, carregando carabinas, revólveres, espingardas e facas longas, estreitas, conhecidos como peixeiras.
–– Olha a carne aí vereador. Tome uma lapada dessa serrana.
O vereador toma um gole de cachaça e come um bom pedaço de carne e continua.
–– Fazia muito tempo que eu não comia carne de veado assada.
–– Pois aqui não falta. Não tem é filé de boi, mas de caça nós temos sempre.
–– Muito bom mesmo, delícia!
(...)
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