sexta-feira, 1 de maio de 2020
Cangaceiros 16
–– Tem mais nada não. Se o senhor esperar, posso fazer uma buchada. Já tá temperada – conforta Arilson por um segundo, enquanto leva o prato do capitão para a mesa.
–– E esse prato aí, de que é?
––É panelada, mas é desse moço aqui que esperou requentar.
–– Bota aí umas pingas para nós. Quatro doses.
––Tá bom, Senhor.
–– Avexado cabra!
–– Já tô botando, visse?
O filho do coronel bebe e pede outra. –– Bebam meus amigos, é por minha conta. Por conta do Elesbão, nosso candidato! Vou pagar uma rodada para todos agora. Bote aí bebida para todos. Aliás, tem quantas garrafas de cachaça aí?
–– Tem bastante, Senhor! – diz Arilson.
–– Então compro todas e pago no dinheiro. Bebida e comida para todos. Por conta de nosso candidato, o futuro prefeito de Olho D’água: Elesbão.
Mesmo ouvindo o nome do candidato, com bebida e comida de graça, os jogadores do recinto não se manifestam e ficam em silêncio por um instante. Arilson, sensato, fala ao filho do fazendeiro.
–– O Senhor não gostaria de passar amanhã, de dia para conversar com o povo de Jatobá? Esses aí são só jogadores da região.
–– E essas porras não tem voto não?
–– Tem, Senhor, mas o Senhor já bebeu muito. É melhor vir amanhã.
–– Gerônimo termina de comer a panelada e pede mais uma dose para beber e ir embora.
–– Senhor, traga-me uma dose dessa cachaça. Quero partir.
O outro cangaceiro, com a espingarda apoiada no bico da bota também pede mais uma dose e os dois que estavam fora entram para comer no balcão da bodega.
–– O que diabo é isso? Todo mundo agora anda armado nessa espelunca?
–– Senhor, esses homens estão de passagem e vieram para comer. Nunca antes passaram por aqui. Nem eleitores eles são – diz Arilson querendo apaziguar a situação.
–– Pois bote a cachaça em cima do balcão. Quero ver todo mundo beber e comemorar a vitória de Elesbão, o nosso candidato.
–– Olhe, eu boto, mas só bebe quem quiser.
–– Quanto devo? – pergunta Gerônimo.
–– Não deve nada filho da puta. Não tá vendo que quem paga as coisas aqui sou eu, filho do Coronel Messias?
–– Rapaz, você é muito jovem para morrer.
–– E quem vai me matar filho duma égua?
–– Quanto devo ao Senhor? – Gerônimo faz ouvido de mercador.
–– Não precisa pagar, não, Senhor. Só quero paz no meu recinto.
–– Agora esse filho duma égua vai pagar é a despesa toda. Tá pensando o quê? Chega, come, bebe e sai sem pagar?
–– Eu não respeito quem não me respeita, não conheço teu pai. E num lance rápido e certeiro Gerônimo segura o pescoço do homem com a mão esquerda, saca o punhal afiado com a direita e corta a orelha do filho do coronel, ali mesmo, em pé. Os homens do rapaz apontam as armas, mas percebem que canos gelados de espingardas estão em suas nucas.
–– A tua orelha ficará em meu cordão de desafetos – diz Gerônimo com o punhal no pescoço do jovem – e se quiser ficar vivo diga a seus homens para largar as armas e se deitarem no chão.
–– Desgraçado! Façam o que ele diz.
Os homens entreolham-se, largam as armas e deitam-se. Os jogadores afastam-se sem nenhuma intromissão.
–– Joguem as facas também. Tem corda aí?
–– Tem Senhor.
–– Traga aqui. Quero todos amarrados. E vamos levar as armas também. Jeremias tira a chave do carro e joga no cercado – ordena Gerônimo a um dos seus - Isso é para tu respeitar cara de homem, cabra sem vergonha. Está vendo isso aqui? – mostra nos peitos as orelhas secas enfiadas num cordão de couro – são meus desafetos. Todos mortos.
–– E ele tá é com sorte que o Capitão não cortou a garganta dele.
–– Não conheço teu pai, mas ele não ficará contente em ver o filho valentão sem orelha. Vamos embora! – Gerônimo é homem de honra e antes de sair, puxa do bolso o dinheiro em cédula, põe sobre o balcão e paga sua despesa, nem pede troco.
Os cangaceiros montam os cavalos e desaparecem na escuridão.
Inácio dos Reis, filho do Coronel Messias, humilhado que foi, continua arrogante, dando ordens, mesmo que ainda esteja envergonhado.
–– Vamos! Vocês aí, me desamarrem.
(...)
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