Arilson entra no recinto, pega
a sua espingarda e dá voz de prisão aos homens como se fosse polícia.
–– Teje preso! Vocês vão
ficar bem quietinhos aí, bando de cabras sem vergonha! Ei, vocês! Amarrem os
dois até a polícia chegar.
–– Como é teu nome infeliz?
Para quem tu trabalhas desgraçado? – pergunta um caboclo mais afoito com a
peixeira na mão roçando a cara do homem.
–– Moço, pelo amor de Deus!
Eu nem sabia de corpo nenhum aí.
–– Pois é. A gente foi pago
só para entregar a carga no sítio do Zé Pezão.
–– E quem diabo é Zé Pezão?
Moro aqui há vinte anos e não conheço esse nome – Indaga Arilson.
–– Rapaz, esse angu tem
caroço – diz outro homem com um facão enorme na cintura.
Nesse momento Benedito chega
ao local montado no burro preto - voltou mais cedo da labuta na roça.
–– O que tá acontecendo aqui
meu povo? Que confusão é essa?
–– Benedito esses homens
conduziam o carro de bois, carregados de cana, a roda quebrou e apareceram dois
defuntos enrolados em panos.
–– Que conversa é essa, siô?
Vamos olhar os rostos para ver se a gente conhece. E é o que faz Benedito,
empunhando a faca para cortar as cordas, enquanto é acompanhado por dezenas de
curiosos.
–– Meu Deus do céu! É uma
mulher!
–– Parece que é a filha da
comadre Maroca, a parteira. Essa moça já está desaparecida faz um mês.
–– Porra! Ninguém foi chamar
a polícia? - Indaga Arilson.
–– Foi. O gaguinho saiu
voado num cavalo para a cidade.
–– Chico Preto, pega minha
moto e vai lá avexado. O Gaguinho vai demorar um século para explicar.
–– Ói, Arilson, me respeite.
Não gosto desse apelido, não.
–– Rapaz, não fui eu que
botei o apelido, não. Foi teu pai. E tu é branco, é?
–– Não. Não sou, Mas meu
nome é Francisco. E tu? Tu é branco?
–– Pois vai logo Chiquinho
pretinho, vai. Deixa de frescura que o caso é sério. Parece que é abestado!
–– Tá bom. Mas isso é
racismo, viu? Oramarrapá! Cadê a chave da moto?
–– Racismo é? Onde aprendeu
isso? Tá aqui a chave. E vê se não arranha. Confio em ti abirobado.
–– Eu sei das coisas, véi.
Deixe comigo.
–– Vai logo, abilolado! –
Chico Preto sai resmungando com a cara fechada e em alta velocidade. Quanto
mais ele acelera a moto mais a poeira cobre.
A porca ruiva atravessa o
areal com a reca de bacorinhos correndo atrás, assustados com tanta confusão e
os latidos dos cachorros. O gato preto parecendo uma pantera que estava em cima
do peitoril, viu todo o reboliço e pulou rapidamente para dentro da bodega, e
mesmo assim, apoiou-se nas patas traseiras, lá no canto e ficou observando,
como se entendesse alguma coisa do que se passava – Sai para lá, praga! – de
vez em quando gritava um, tangendo a cachorrada com um pedaço de pau na mão,
mas eram muitos os cães, e eles estavam estranhando os defuntos e não os bois ou
a carroça. O certo é que estava instalado o caos no local.
–– Virgem Nossa Senhora!
Esse rapaz que o Benedito descobriu agora é do Edvaldo, filho do “Manoel
Espicha Couro”. Ele mora perto do rio – diz um dos homens mais velho no
recinto, do lado de fora e bem próximo da carroça.
–– Pois então, você que
conhece esse “Manoel”, vá lá avisar hóme de Deus – ordena Benedito apoiado na
lateral da carroça.
–– E eu vou mesmo. Tá com
bem três meses que o rapaz saiu de casa para a cidade procurando emprego. Era
uma pessoa de bem.
–– Pois vai logo – fala
outro apreensivo.
–– Eu desconjuro, diabo!
Isso é pavoroso! Quem poderia fazer uma desgraça dessas? – reage um caboclo com
a faca na mão – eu vou é sangrar esses infelizes aqui – e se dirige aos homens
amarrados na coluna do bar.
–– Não, não. Pelo amor de Deus,
não deixem que ele faça isso. A gente não sabe como eles vieram parar aí na
carroça.
–– Para com isso. Deixem a
polícia chegar – ordena Benedito.
–– Polícia e bosta aqui é a
mesma coisa. Vamos matar essas desgraças! – afirma outro caboclo que arrasta um
facão da cintura, e nesse momento, Arilson engatilha a espingarda e atira para
cima. O estampido do tiro faz recuar os mais afoitos.
–– Ninguém vai matar ninguém
aqui hoje. Vamos deixar as autoridades tomarem de conta disso. Entenderam? O
primeiro que tocar nesses homens, vai se ver comigo, ora porra! – fala grosso o
dono da bodega.
(...)
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