quinta-feira, 13 de junho de 2019

CANGACEIROS 5




Arilson entra no recinto, pega a sua espingarda e dá voz de prisão aos homens como se fosse polícia.

–– Teje preso! Vocês vão ficar bem quietinhos aí, bando de cabras sem vergonha! Ei, vocês! Amarrem os dois até a polícia chegar.
–– Como é teu nome infeliz? Para quem tu trabalhas desgraçado? – pergunta um caboclo mais afoito com a peixeira na mão roçando a cara do homem.
–– Moço, pelo amor de Deus! Eu nem sabia de corpo nenhum aí.
–– Pois é. A gente foi pago só para entregar a carga no sítio do Zé Pezão.
–– E quem diabo é Zé Pezão? Moro aqui há vinte anos e não conheço esse nome – Indaga Arilson.
–– Rapaz, esse angu tem caroço – diz outro homem com um facão enorme na cintura.

Nesse momento Benedito chega ao local montado no burro preto - voltou mais cedo da labuta na roça.

–– O que tá acontecendo aqui meu povo? Que confusão é essa?
–– Benedito esses homens conduziam o carro de bois, carregados de cana, a roda quebrou e apareceram dois defuntos enrolados em panos.
–– Que conversa é essa, siô? Vamos olhar os rostos para ver se a gente conhece. E é o que faz Benedito, empunhando a faca para cortar as cordas, enquanto é acompanhado por dezenas de curiosos.
–– Meu Deus do céu! É uma mulher!
–– Parece que é a filha da comadre Maroca, a parteira. Essa moça já está desaparecida faz um mês.
–– Porra! Ninguém foi chamar a polícia? - Indaga Arilson.
–– Foi. O gaguinho saiu voado num cavalo para a cidade.
–– Chico Preto, pega minha moto e vai lá avexado. O Gaguinho vai demorar um século para explicar.
–– Ói, Arilson, me respeite. Não gosto desse apelido, não.
–– Rapaz, não fui eu que botei o apelido, não. Foi teu pai. E tu é branco, é?
–– Não. Não sou, Mas meu nome é Francisco. E tu? Tu é branco?
–– Pois vai logo Chiquinho pretinho, vai. Deixa de frescura que o caso é sério. Parece que é abestado!
–– Tá bom. Mas isso é racismo, viu? Oramarrapá! Cadê a chave da moto?
–– Racismo é? Onde aprendeu isso? Tá aqui a chave. E vê se não arranha. Confio em ti abirobado.
–– Eu sei das coisas, véi. Deixe comigo.
–– Vai logo, abilolado! – Chico Preto sai resmungando com a cara fechada e em alta velocidade. Quanto mais ele acelera a moto mais a poeira cobre.

A porca ruiva atravessa o areal com a reca de bacorinhos correndo atrás, assustados com tanta confusão e os latidos dos cachorros. O gato preto parecendo uma pantera que estava em cima do peitoril, viu todo o reboliço e pulou rapidamente para dentro da bodega, e mesmo assim, apoiou-se nas patas traseiras, lá no canto e ficou observando, como se entendesse alguma coisa do que se passava – Sai para lá, praga! – de vez em quando gritava um, tangendo a cachorrada com um pedaço de pau na mão, mas eram muitos os cães, e eles estavam estranhando os defuntos e não os bois ou a carroça. O certo é que estava instalado o caos no local.

–– Virgem Nossa Senhora! Esse rapaz que o Benedito descobriu agora é do Edvaldo, filho do “Manoel Espicha Couro”. Ele mora perto do rio – diz um dos homens mais velho no recinto, do lado de fora e bem próximo da carroça.
–– Pois então, você que conhece esse “Manoel”, vá lá avisar hóme de Deus – ordena Benedito apoiado na lateral da carroça.
–– E eu vou mesmo. Tá com bem três meses que o rapaz saiu de casa para a cidade procurando emprego. Era uma pessoa de bem.
–– Pois vai logo – fala outro apreensivo.
–– Eu desconjuro, diabo! Isso é pavoroso! Quem poderia fazer uma desgraça dessas? – reage um caboclo com a faca na mão – eu vou é sangrar esses infelizes aqui – e se dirige aos homens amarrados na coluna do bar.
–– Não, não. Pelo amor de Deus, não deixem que ele faça isso. A gente não sabe como eles vieram parar aí na carroça.
–– Para com isso. Deixem a polícia chegar – ordena Benedito.
–– Polícia e bosta aqui é a mesma coisa. Vamos matar essas desgraças! – afirma outro caboclo que arrasta um facão da cintura, e nesse momento, Arilson engatilha a espingarda e atira para cima. O estampido do tiro faz recuar os mais afoitos.
–– Ninguém vai matar ninguém aqui hoje. Vamos deixar as autoridades tomarem de conta disso. Entenderam? O primeiro que tocar nesses homens, vai se ver comigo, ora porra! – fala grosso o dono da bodega.
(...)

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