–– Então compro todas e pago no dinheiro. Dinheiro
em meu bolso é como fome cearense, nem se acaba e nem fica pouco. Bebida e comida
para todos. Por conta de nosso candidato, o futuro prefeito de Olho D’água:
Elesbão.
Mesmo ouvindo o nome do
candidato, com bebida e comida de graça, os jogadores do recinto não se
manifestam e ficam em silêncio por um instante. Arilson, sensato, fala ao filho
do fazendeiro.
–– O Senhor não gostaria de passar amanhã, de
dia para conversar com o povo de Jatobá? Esses aí são só jogadores da região.
–– E essas porras não tem voto não?
–– Tem, Senhor, mas o Senhor já bebeu muito. É
melhor vir amanhã.
–– Gerônimo termina de comer a panelada e pede
mais uma dose para beber e ir embora.
–– Senhor, traga-me uma dose dessa cachaça.
Quero partir.
O outro cangaceiro, com a
espingarda apoiada no bico da bota também pede mais uma dose e os dois que
estavam fora entram para comer no balcão da bodega.
–– O que diabo é isso? Todo mundo agora anda
armado nessa espelunca?
–– Senhor, esses homens estão de passagem e
vieram para comer. Nunca antes passaram por aqui. Nem eleitores eles são – diz
Arilson querendo apaziguar a situação.
–– Pois bote a cachaça em cima do balcão. Quero
ver todo mundo beber e comemorar a vitória de Elesbão, o nosso candidato.
–– Olhe, eu boto, mas só bebe quem quiser.
–– Quanto devo? – pergunta Gerônimo.
–– Não deve nada filho da puta. Não tá vendo que
quem paga as coisas aqui sou eu, filho do Coronel Messias?
–– Rapaz, você é muito jovem para morrer.
–– E quem vai me matar filho duma égua?
–– Quanto devo ao Senhor? – Gerônimo faz ouvido
de mercador.
–– Não precisa pagar, não, Senhor. Só quero paz no
meu recinto.
–– Agora esse filho duma égua vai pagar é a
despesa toda. Tá pensando o quê? Chega, come, bebe e sai sem pagar?
–– Eu não respeito quem não me respeita, não
conheço teu pai. E num lance rápido e certeiro Gerônimo segura o pescoço do
homem com a mão esquerda, saca o punhal afiado com a direita e corta a orelha do
filho do coronel, ali mesmo, em pé. Os homens do rapaz apontam as armas, mas
percebem que canos gelados de espingardas estão em suas nucas.
–– A tua orelha ficará em meu cordão de desafetos
– diz Gerônimo com o punhal no pescoço do jovem – e se quiser ficar vivo diga a
seus homens para largar as armas e se deitarem no chão.
–– Desgraçado! Façam o que ele diz.
Os homens entreolham-se,
largam as armas e deitam-se. Os jogadores afastam-se sem nenhuma intromissão.
–– Joguem as facas também. Tem corda aí?
–– Tem Senhor.
–– Traga aqui. Quero todos amarrados. E vamos levar
as armas também. Jeremias tira a chave do carro e joga no cercado – ordena
Gerônimo a um dos seus - Isso é para tu respeitar cara de homem, cabra sem
vergonha. Está vendo isso aqui? – mostra nos peitos as orelhas secas enfiadas
num cordão de couro – são meus desafetos. Todos mortos.
–– E ele tá é com sorte que o Capitão não cortou
a garganta dele.
–– Não conheço teu pai, mas ele não ficará
contente em ver o filho valentão sem orelha. Vamos embora! – Gerônimo é homem
de honra e antes de sair, puxa do bolso o dinheiro em cédula, põe sobre o
balcão e paga sua despesa, nem pede troco.
Os cangaceiros montam os
cavalos e desaparecem na escuridão.
Inácio dos Reis, filho do
Coronel Messias, humilhado que foi, continua arrogante, dando ordens, mesmo que
ainda esteja envergonhado.
–– Vamos! Vocês aí, me desamarrem.
–– Soltem a gente – diz o outro jagunço
contorcendo-se no chão.
Arilson faz ouvido de
mercador e ajeita as cadeiras ao redor das mesas, talvez com medo de que eles
voltem para terminar o serviço.
–– Soltem-nos – ordena o comerciante.
E depois que todos são
desamarrados, lançam mãos dos candeeiros para procurar as chaves do carro. Como
não é tão fácil encontrar, desistem e esperam que o dia amanheça para procurar
com mais cuidado e enquanto o sol não aparece, tomam mais cachaça e dormem ali
no alpendre. Arilson com pena, pede licença, entrega três redes para Inácio
armar, manda os clientes para casa e se tranca por dentro.
No dia seguinte, com os
primeiros raios do sol e os galos cantando, os homens ainda ressacados
levantam-se e batem na porta de Arilson.
–– Senhor Arilson, acorda. Arranje aí água para
a gente beber.
–– Água e um café bem forte para curar a ressaca.
–– Vamos caçar a porra dessa chave logo,
enquanto ele abre a bodega.
–– Abra a bodega, moço. Temos dinheiro para
pagar.
–– Já estou indo. Tenha calma aí. Oramarrapá!
–– Rapaz tu
que jogou a chave deve saber mais ou menos onde caiu.
–– Espera aí, que já vou ver.
Os jagunços pisam no mato
seco, nos capins, arrastam os pés para um lado e outro. Ciscam como galinhas no
terreiro e depois de mais de uma hora, encontram.
–– Achei! Achei!
–– Pois traz aqui, avexado!
–– O café está pronto. Fiz umas tapiocas também.
–– Tem manteiga da terra aí?
–– Tem.
–– Pois bota aqui para nós comer.
–– Frita ovos também.
–– É para já.
Após tomar o café da manhã,
Inácio paga a despesa e os homens entram no carro que deixa o rastro de poeira
de tanta pressa que eles tem de sair dali.
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