sexta-feira, 28 de junho de 2019

CANGACEIROS 19




–– Vamos! O Coronel vai ficar aliviado em saber que esse verme não irá atrapalhar a eleição.
–– Claro que vai.
–– Vamos tomar umas cachaças no primeiro bar. Tô com a goela seca.
–– Não. Só depois que eu falar com o Coronel. Ele mesmo deve liberar a gente por hoje depois dessa.
–– É mesmo, chefe.

Mas nesse trecho da caatinga não há nada que os ouvidos não ouçam e os olhos de Gerônimo não vejam. E assim que o carro parte, seis cangaceiros do bando sai das tocas, dos arbustos e detrás das rochas e vão até a cabana verificar o que tem lá.

–– Arrebentem essa porta. Ôxe!
–– Quem és tu cabra?
–– Sou o presidente da Câmara de Olho d’Água! Salvem-me e eu pagarei vocês.
–– Vamos leva-lo para o acampamento. Lá o capitão decidirá.
–– Quem é o capitão?
–– Tu saberás quando chegar a hora.

Os cangaceiros apontam as armas e levam o presidente da câmara até o acampamento.
Gerônimo encontra-se nesse momento sentado à sombra da casa de taipa, segurando seu filho ao lado da companheira, fazendo um dengo em momento raro. Os homens estão no topo da montanha mantendo vigilância enquanto outros se aproximam do chefe para avisá-lo de que a tropa está trazendo alguém.
–– Gerônimo, os homens estão chegando com um prisioneiro.
–– Hum! Deixa vir.
A mulher franzina de Cancão, um dos homens da maior  confiança de Gerônimo, entrega-lhe uma cuia de farinha e por cima uns dez pequis cozidos. Com a outra mão entrega também um caneco com um punhado de sal.
–– Eita Cancão! Não tem coisa melhor do que roer uns caroços de pequi depois do almoço. Isso é que dá sustança a homem. E além do mais, serve pra curar muitos males do corpo. Obrigado, viu, Maria?
–– De nada chefe.
–– Maria, aproveita e traz uns pedaços de rapadura, pro Gerônimo tirar o gosto de sal da boca – ordena Cancão.
–– Ah, isso não. Deixe que eu mesma trago a rapadura e a cabaça de água – finaliza a companheira de Gerônimo.
O bebê começa a chorar e a mãe o pega nos braços, conforta-o e o leva para dentro de casa. Os homens já são avistados bem perto e Gerônimo levanta-se para recebê-los.
–– Olha aí chefe. Encontramos esse homem numa cabana, amarrado, com fome e sede.
–– Quem és tu, cabra? – indaga Gerônimo.
–– Eu sou o presidente da Câmara de Olho D’Água.
–– Sei. E como tu foste parar nessas brenhas?
–– Eu fui sequestrado pelos homens do Coronel Messias dos Reis.
–– Cancão vem cá. Esse tal de Coronel Messias não é o pai daquele infeliz que eu cortei a orelha dele?
–– Deve ser.
–– Então, porque tu foste levado para a cabana?
–– É o seguinte: eu acho que a princípio era para me matarem. Depois o sujeito chamado Lucas, o braço direito do Coronel revelou que era para atrapalhar a eleição, pelo fato de eu ser o mais votado depois do prefeito.
–– E porque ele não te matou?
–– Ele é o carrasco perverso do Coronel, mas também é ganancioso. Fez uma proposta para mim.
–– Que proposta?
–– O trato era um golpe que ele iria aplicar no Coronel.
–– Como é que é? Desembucha, vai.
–– Para me manter vivo, eu teria que dar a ele todos os meus bens de papel passado e tudo e ele iria trazer comida e água todos os dias, me manteria em cativeiro, depois da eleição eu teria que ir embora para sempre da cidade, mas o Coronel não poderia saber de nada, concordei e então, ele mandou os jagunços para esperar lá distante, no carro, deu dois tiros no chão para parecer que eu havia morrido e foi embora.
–– E quando ele voltará para te ver na cabana?
–– Amanhã de manhã, muito provavelmente.
–– Tem mais coisa. Foi ele quem matou a filha de Maroca e o filho de um tal de Manoel Espicha Couro. Ele é um assassino sanguinário. O Senhor soube dessa história?
–– Soube. Mas quero ter certeza de que tu estás falando a verdade, por que se for assim mesmo, do jeito que tu conta, agora essa briga é nossa.
–– Ele é quem elimina as pessoas a mando do Coronel. Quando o Senhor for à cidade faça uma visita ao Padre Lauro. Ele sabe mais das coisas do que eu.
–– Tu és amigo do Padre Lauro?
–– Claro! Ele é um dos nossos maiores aliados. Apoia e orienta o prefeito em tudo, além de ser o conselheiro dele. Se o Padre Lauro contar a metade do que ele sabe, o Senhor irá ficar abismado.
–– O Padre Lauro virá aqui em três dias para batizar meu filho. E aí tu confirmarás tudo que disseste.
–– Confirmo sim, Senhor.
–– Cancão, amanhã tu irás montar uma tocaia para trazer aqui esse vagabundo do Lucas. Quando ele chegar à cabana, pegue o homem e traga-o para mim.
–– Sim Senhor.
–– Calango!
–– Sim Capitão!
–– Chame dois homens e vão à casa do Manoel Espicha Couro agora. Diga-lhe para ele vir para cá urgente. Mas não diga do que se trata, apenas que é importante. Pegue os cavalos no curral e vá homem, avexado.
–– Sim Senhor.
–– Presidente tu já foi eleito quantas vezes?
–– Estou no terceiro mandato. E na próxima eleição serei candidato a prefeito.
–– É. Tu pareces que é benquisto pelo povo. O problema é que agora nosso acampamento está comprometido.
–– Por quê?

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