–– Vamos! O Coronel vai ficar aliviado em saber
que esse verme não irá atrapalhar a eleição.
–– Claro que vai.
–– Vamos tomar umas cachaças no primeiro bar. Tô
com a goela seca.
–– Não. Só depois que eu falar com o Coronel.
Ele mesmo deve liberar a gente por hoje depois dessa.
–– É mesmo, chefe.
Mas nesse trecho da caatinga
não há nada que os ouvidos não ouçam e os olhos de Gerônimo não vejam. E assim
que o carro parte, seis cangaceiros do bando sai das tocas, dos arbustos e
detrás das rochas e vão até a cabana verificar o que tem lá.
–– Arrebentem essa porta. Ôxe!
–– Quem és tu cabra?
–– Sou o presidente da Câmara de Olho d’Água!
Salvem-me e eu pagarei vocês.
–– Vamos leva-lo para o acampamento. Lá o
capitão decidirá.
–– Quem é o capitão?
–– Tu saberás quando chegar a hora.
Os cangaceiros apontam as
armas e levam o presidente da câmara até o acampamento.
Gerônimo encontra-se nesse
momento sentado à sombra da casa de taipa, segurando seu filho ao lado da
companheira, fazendo um dengo em momento raro. Os homens estão no topo da
montanha mantendo vigilância enquanto outros se aproximam do chefe para
avisá-lo de que a tropa está trazendo alguém.
–– Gerônimo, os homens estão chegando com um
prisioneiro.
–– Hum! Deixa vir.
A mulher franzina de Cancão,
um dos homens da maior confiança de
Gerônimo, entrega-lhe uma cuia de farinha e por cima uns dez pequis cozidos.
Com a outra mão entrega também um caneco com um punhado de sal.
–– Eita Cancão! Não tem coisa melhor do que roer
uns caroços de pequi depois do almoço. Isso é que dá sustança a homem. E além
do mais, serve pra curar muitos males do corpo. Obrigado, viu, Maria?
–– De nada chefe.
–– Maria, aproveita e traz uns pedaços de
rapadura, pro Gerônimo tirar o gosto de sal da boca – ordena Cancão.
–– Ah, isso não. Deixe que eu mesma trago a
rapadura e a cabaça de água – finaliza a companheira de Gerônimo.
O bebê começa a chorar e a
mãe o pega nos braços, conforta-o e o leva para dentro de casa. Os homens já
são avistados bem perto e Gerônimo levanta-se para recebê-los.
–– Olha aí chefe. Encontramos esse homem numa
cabana, amarrado, com fome e sede.
–– Quem és tu, cabra? – indaga Gerônimo.
–– Eu sou o presidente da Câmara de Olho D’Água.
–– Sei. E como tu foste parar nessas brenhas?
–– Eu fui sequestrado pelos homens do Coronel
Messias dos Reis.
–– Cancão vem cá. Esse tal de Coronel Messias
não é o pai daquele infeliz que eu cortei a orelha dele?
–– Deve ser.
–– Então, porque tu foste levado para a cabana?
–– É o seguinte: eu acho que a princípio era
para me matarem. Depois o sujeito chamado Lucas, o braço direito do Coronel
revelou que era para atrapalhar a eleição, pelo fato de eu ser o mais votado
depois do prefeito.
–– E porque ele não te matou?
–– Ele é o carrasco perverso do Coronel, mas
também é ganancioso. Fez uma proposta para mim.
–– Que proposta?
–– O trato era um golpe que ele iria aplicar no
Coronel.
–– Como é que é? Desembucha, vai.
–– Para me manter vivo, eu teria que dar a ele
todos os meus bens de papel passado e tudo e ele iria trazer comida e água
todos os dias, me manteria em cativeiro, depois da eleição eu teria que ir
embora para sempre da cidade, mas o Coronel não poderia saber de nada, concordei
e então, ele mandou os jagunços para esperar lá distante, no carro, deu dois
tiros no chão para parecer que eu havia morrido e foi embora.
–– E quando ele voltará para te ver na cabana?
–– Amanhã de manhã, muito provavelmente.
–– Tem mais coisa. Foi ele quem matou a filha de
Maroca e o filho de um tal de Manoel Espicha Couro. Ele é um assassino
sanguinário. O Senhor soube dessa história?
–– Soube. Mas quero ter certeza de que tu estás
falando a verdade, por que se for assim mesmo, do jeito que tu conta, agora
essa briga é nossa.
–– Ele é quem elimina as pessoas a mando do
Coronel. Quando o Senhor for à cidade faça uma visita ao Padre Lauro. Ele sabe
mais das coisas do que eu.
–– Tu és amigo do Padre Lauro?
–– Claro! Ele é um dos nossos maiores aliados.
Apoia e orienta o prefeito em tudo, além de ser o conselheiro dele. Se o Padre
Lauro contar a metade do que ele sabe, o Senhor irá ficar abismado.
–– O Padre Lauro virá aqui em três dias para
batizar meu filho. E aí tu confirmarás tudo que disseste.
–– Confirmo sim, Senhor.
–– Cancão, amanhã tu irás montar uma tocaia para
trazer aqui esse vagabundo do Lucas. Quando ele chegar à cabana, pegue o homem
e traga-o para mim.
–– Sim Senhor.
–– Calango!
–– Sim Capitão!
–– Chame dois homens e vão à casa do Manoel
Espicha Couro agora. Diga-lhe para ele vir para cá urgente. Mas não diga do que
se trata, apenas que é importante. Pegue os cavalos no curral e vá homem,
avexado.
–– Sim Senhor.
–– Presidente tu já foi eleito quantas vezes?
–– Estou no terceiro mandato. E na próxima
eleição serei candidato a prefeito.
–– É. Tu pareces que é benquisto pelo povo. O
problema é que agora nosso acampamento está comprometido.
–– Por quê?
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