quarta-feira, 12 de junho de 2019

Cangaceiros 2




Benedito, o filho mais velho de Joaquim da Silva é o que mora mais distante da família. Tem uma casa de taipa bem feita, coberta de telhas, com portas e janelas de madeira onde vive com a mulher que está grávida com o bucho por acolá. Todo dia vai para a roça logo de manhã cedo no lombo do burro de cargas e na volta, no final do dia, sempre passa na venda do Arilson, uma espécie de bodega e bar que tem de um tudo, até chocalho para corno. Lá tem sinuca, dama e jogos de baralho, por outro lado, alguns chamam o local de um antro de perdição. Os visitantes ou os homens que não tem o que fazer quando não apostam ficam peruando e dando pitaco no jogo dos outros, entre um gole e outro de cachaça serrana. Os caboclos estão sempre armados de faca ou facões, bebendo pinga e contando anedotas depois do trabalho.

O bar da beira do caminho, coberto de telha, com um grande alpendre e peitoril fica situado num entroncamento de estradas de chão onde mais passam carroças, cavalos e jumentos do que automóveis. Quando há moagem nas redondezas, passam os carros de bois carregados com cana de açúcar tangidos por homens com chiqueiradores de couro tirados do gado. Uma vez ou outra, a rural aparece por ali, carro de fazendeiro. Mas isso é uma raridade. Só vai por aquelas bandas quem tem negócios, principalmente em período de campanha eleitoral. Esse início de ano promete na política, daqui a pouco começam a aparecer os cabos eleitorais de meia tigela pedindo votos para prefeito, vereadores e os candidatos a deputados da capital.

Já à boquinha da noite, Benedito chega, desce do burro preto, tira a sela, a esteira, os arreios e bota-os dentro de casa. Depois solta o animal no pequeno curral que fica atrás da residência. Pendura o chapéu de couro num prego da parede com a mão esquerda e exibe um cambo de peixes com a mão direita.

–– Espia mulher, comprei esses peixes na quitanda do Arilson. Ainda estão fresquinhos! – diz Benedito com os peixes na mão.
–– Isso é o que, Benedito? É traíra?
–– Não, Maria da Penha! É Piau! Pescado no Rio Parnaíba. Ôxe!
–– Tem muito espinho! Quero não, visse?
–– Bem, se você não quiser eu como. É bom danado com farinha, feijão, pimenta e sal.
         –– Você acha mesmo, que eu vou perder meu tempo catando espinho para comer uma nesguinha de nada desses piaus? Eu mesmo não.
–– Tá bom! Tá bom! Vixe! Tá mais nem aqui quem falou. Vou pendurar aqui e amanhã a gente vê isso. Vou me lavar ali e volto já.
–– Ei Benedito, leva a cuia. Tá bem aí perto das panelas no fogareiro.
–– Ah, achei. Cadê o sabão de coco?
–– Lá fora, em riba do giral tem um pedaço.
–– Ói Benedito, amanhã tem que comprar um “mercado” de querosene, para as lamparinas e para o lampião. Aqui tá bem pouquinho, visse?

A casa é como obra de conjunto do governo, não tem lá dentro nem lá fora, dá para ouvir tudo de qualquer cômodo.

–– Ôxe! Pensei que dava para semana inteira! Espera aí, deixa eu terminar que a gente tem um dedinho de prosa.
O homem se esfrega com o sabão, economizando água, termina o banho e entra ainda molhado só com uma ceroula meio encardida.
–– Meu véi, hoje você vai dormir na rede. A outra não enxugou direito. Está molhadinha da Silva. Eu durmo nessa cama pequena da peste.
–– Tudo bem. Um dia compro uma cama de casal para nós. Quero lhe mostrar um par de botas que comprei. Tá no meu alforje. Veja!
–– Ah, mas nem é nova! Você devia de ter comprado era um par de alpercatas pra mim. Essas devem ter sido de algum defunto.
–– Não, não é nova, mas é de couro legítimo e dá para o gasto. Dá pra usar direitinho. Lá na bodega tem um menino engraxate que pode deixar elas novinhas. Tem uma graxa que ele compra na cidade e passa nos calçados, fica brilhando e aí eu posso até ir para a missa de domingo. Depois compro umas alpercatas bem bonitas para você. Sim, o que vamos comer no jantar?
–– Fiz umas tapiocas. Tem farofa com carne seca desfiada, café e leite. Agora, se você quiser acender o fogareiro para esquentar, tem que pegar os paus de lenha lá fora.
–– É. Vou pegar. Café e mulher, só prestam quentes.
–– Ôxe! Mas você é enxerido! Vai pegar a lenha. Eu vou me aquietar um pouco. Já esqueceu que estou grávida?
–– Fique quietinha aí que faço o resto e ainda lavo os trens.
–– Muito bem. Eu e o bebê agradecemos.
(...)

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