Benedito, o filho mais velho
de Joaquim da Silva é o que mora mais distante da família. Tem uma casa de
taipa bem feita, coberta de telhas, com portas e janelas de madeira onde vive
com a mulher que está grávida com o bucho por acolá. Todo dia vai para a roça
logo de manhã cedo no lombo do burro de cargas e na volta, no final do dia,
sempre passa na venda do Arilson, uma espécie de bodega e bar que tem de um tudo,
até chocalho para corno. Lá tem sinuca, dama e jogos de baralho, por outro
lado, alguns chamam o local de um antro de perdição. Os visitantes ou os homens
que não tem o que fazer quando não apostam ficam peruando e dando pitaco no
jogo dos outros, entre um gole e outro de cachaça serrana. Os caboclos estão
sempre armados de faca ou facões, bebendo pinga e contando anedotas depois do
trabalho.
O bar da beira do caminho, coberto
de telha, com um grande alpendre e peitoril fica situado num entroncamento de
estradas de chão onde mais passam carroças, cavalos e jumentos do que
automóveis. Quando há moagem nas redondezas, passam os carros de bois
carregados com cana de açúcar tangidos por homens com chiqueiradores de couro tirados
do gado. Uma vez ou outra, a rural aparece por ali, carro de fazendeiro. Mas
isso é uma raridade. Só vai por aquelas bandas quem tem negócios,
principalmente em período de campanha eleitoral. Esse início de ano promete na
política, daqui a pouco começam a aparecer os cabos eleitorais de meia tigela
pedindo votos para prefeito, vereadores e os candidatos a deputados da capital.
Já à boquinha da noite,
Benedito chega, desce do burro preto, tira a sela, a esteira, os arreios e
bota-os dentro de casa. Depois solta o animal no pequeno curral que fica atrás
da residência. Pendura o chapéu de couro num prego da parede com a mão esquerda
e exibe um cambo de peixes com a mão direita.
–– Espia mulher, comprei
esses peixes na quitanda do Arilson. Ainda estão fresquinhos! – diz Benedito
com os peixes na mão.
–– Isso é o que, Benedito? É
traíra?
–– Não, Maria da Penha! É
Piau! Pescado no Rio Parnaíba. Ôxe!
–– Tem muito espinho! Quero
não, visse?
–– Bem, se você não quiser
eu como. É bom danado com farinha, feijão, pimenta e sal.
–– Você acha mesmo, que eu vou perder
meu tempo catando espinho para comer uma nesguinha de nada desses piaus? Eu
mesmo não.
–– Tá bom! Tá bom! Vixe! Tá
mais nem aqui quem falou. Vou pendurar aqui e amanhã a gente vê isso. Vou me
lavar ali e volto já.
–– Ei Benedito, leva a cuia.
Tá bem aí perto das panelas no fogareiro.
–– Ah, achei. Cadê o sabão
de coco?
–– Lá fora, em riba do giral tem um pedaço.
–– Ói Benedito, amanhã tem
que comprar um “mercado” de querosene, para as lamparinas e para o lampião.
Aqui tá bem pouquinho, visse?
A casa é como obra de conjunto
do governo, não tem lá dentro nem lá fora, dá para ouvir tudo de qualquer
cômodo.
–– Ôxe! Pensei que dava para
semana inteira! Espera aí, deixa eu terminar que a gente tem um dedinho de
prosa.
O homem se esfrega com o
sabão, economizando água, termina o banho e entra ainda molhado só com uma
ceroula meio encardida.
–– Meu véi, hoje você vai
dormir na rede. A outra não enxugou direito. Está molhadinha da Silva. Eu durmo
nessa cama pequena da peste.
–– Tudo bem. Um dia compro
uma cama de casal para nós. Quero lhe mostrar um par de botas que comprei. Tá
no meu alforje. Veja!
–– Ah, mas nem é nova! Você
devia de ter comprado era um par de alpercatas pra mim. Essas devem ter sido de
algum defunto.
–– Não, não é nova, mas é de
couro legítimo e dá para o gasto. Dá pra usar direitinho. Lá na bodega tem um
menino engraxate que pode deixar elas novinhas. Tem uma graxa que ele compra na
cidade e passa nos calçados, fica brilhando e aí eu posso até ir para a missa
de domingo. Depois compro umas alpercatas bem bonitas para você. Sim, o que
vamos comer no jantar?
–– Fiz umas tapiocas. Tem
farofa com carne seca desfiada, café e leite. Agora, se você quiser acender o
fogareiro para esquentar, tem que pegar os paus de lenha lá fora.
–– É. Vou pegar. Café e
mulher, só prestam quentes.
–– Ôxe! Mas você é enxerido!
Vai pegar a lenha. Eu vou me aquietar um pouco. Já esqueceu que estou grávida?
–– Fique quietinha aí que
faço o resto e ainda lavo os trens.
–– Muito bem. Eu e o bebê
agradecemos.
(...)
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