quinta-feira, 13 de junho de 2019

CANGACEIROS 4




–– Arilson, rapaz, tu tá querendo é se promover. Se amostrar. Tu não és candidato a vereador não, é? – pergunta um velho lá no canto.
–– Sou nada. Quero promover é a comunidade. Assunta bem! Com a realização desse arrasta pé, com as lutas e as parcerias, vai dar um bom movimento.
–– Tu sabes que esse teu plano pode gerar conflitos mais tarde. Avalie. Esses homens não gostam de humilhação e não sabem perder. Vão tudo ficar virado a peste – insiste o velho.
–– Macho véi, quem tem medo de cagar não come. É só espalhar a notícia como eu expliquei. Sem armas e sem rancor. É só um campeonato arretado.
–– Sei não, viu? Mas arrocha aí – finaliza o velho.
–– Pois libera a cachaça aí, Arilson, bicho parece que é alesado  – diz um dos cachaceiros que está com a goela seca.
–– Vou liberar e já vou avisando, amanhã não abrirei a bodega, para que vocês comecem a divulgar o negócio. Ah, outra coisa, quem quiser botar as banquinhas de café com bolo, de tapioca, milho verde, garapa, pirão, caldo de peixe e o escambau, pode, viu?
–– E de comida? – indaga uma velhinha que também gasta parte do dinheiro da aposentadoria no jogo e vive aboletada ali.
–– Pode também. Espetinhos, buchada, panelada, sarapatel, galinhada e mão de vaca são muito bons. Só não pode bebida. Aí é comigo.
––  Arilson, tem que ter uns foguetes para animar o negócio – sugere um mais moço.
–– Aí não. Meus cachorros ficam doidinhos com o barulho – afirma um dos homens no recinto.
–– Pois nos dias tu leva eles para longe.
–– Levar para onde filho duma ronca e fuça? Só se for para tua casa. Ora mais.
–– Tu me respeita, seu merda. Vai dar esse teu anel de couro. Minha peixeira faz tempo que não vê sangue. Fresque,  viu?
–– Ei vamos parar com isso no meu recinto, senão nenhum dos dois fica mais aqui. Se for para brigar e bater boca, vão lá para fora. Vamos focar na coisa, que todo mundo ganha.
–– Aí dento! Foi ele quem começou.
–– Tá bom, tá bom! Ôxe! Vão atentar o cão com reza noutro lugar! – finaliza Arilson.
–– Não me apoquente não, visse?
–– Já disse para parar. Ora porra!

Bodega do Arilson, Sexta-feira, sol a pino, pingo do meio dia. Dois homens conduzem o carro de bois carregados com cana-de-açúcar. Bem em frente ao estabelecimento comercial, os cachorros acuam os bois que, assustados, fazem movimentos bruscos e uma das rodas de madeira estala, quebra os pinos e cai. Os fechos de cana deslizam da carroceria e vira uma celeuma.

–– Menino tange esses vira-latas daí – grita Arilson – e ajudem os homens com a carroça.
Um dos jogadores de sinuca solta o taco e corre para dar auxílio. Os outros juntam dominós e cartas, põem no balcão e saem para acompanhar o ocorrido de perto. 
–– Espera, deixa-me te ajudar – e logo segura na roda.
–– Carece de ajuda não, moço. A gente se vira aqui.
Os cachorros continuam latindo e no aperreio, a carga de cana desce de uma vez, deixando ver o que parece ser um corpo embrulhado num lençol branco amarrado com cordas, que estava por debaixo canas.
–– Diabéisso? Parece um defunto! – indaga um caboclo com os olhos arregalados e as mãos na cintura, bem próximo dos “mói” de cana.
–– Vixe Maria! É um defunto mesmo! – fala outro curioso que se aproximou admirado.
Arilson deixa os afazeres e vai olhar também; os jogadores de baralho chegam mais perto e se forma o tumulto ao redor dos homens desconfiados sem bem saber o que fazer.
–– Que marmota é essa? – indaga outro que agora quer porque quer saber de quem é o corpo, mas ao puxar as canas de cima, percebe que existe outro corpo também embrulhado em “panos de estopa”.
–– Foi por isso que esse abestado não quis a minha ajuda – diz o primeiro homem que se prontificou a ajudar. 
–– Chamem a polícia! Isso é caso de polícia! Oramarrapá! – diz um dos parceiros do bar.
(...)

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