quarta-feira, 12 de junho de 2019

CANGACEIROS - 1


         Por Carlos Holanda


        Joaquim da Silva, nordestino das brenhas do Piauí, é um homem forte, alto, de pele queimada pelo sol e mãos calejadas da labuta no cabo da enxada; caboclo de palavra, trabalhador, de personalidade forte, desses que só anda com a peixeira na cintura e é capaz de lavar a alma com sangue caso seja ofendido, pois não leva desaforo para casa. Mesmo que não esteja aboiando, carrega sempre o chapéu de couro no quengo, mas quando vai campear o gado usa o gibão e as calças de couro como se fosse uma farda para proteção contra espinhos e galhos.

         Joaquim da Silva casou-se muito cedo de papel passado no cartório e na igreja com Maria dos Anjos, e desse matrimônio nasceram sete filhos, seis homens e a penúltima é uma menina. Os dois filhos homens, os mais velhos, também se casaram com mulheres das redondezas e um amancebou-se com uma moça de vida livre; os três casais moram mais distantes. Os outros quatro, mais moços, residem sob o mesmo teto dos pais.

A família não pode dizer que tem uma fazenda, mas a propriedade é um sítio bem cuidado, com muitos hectares de terras, onde cultivam o plantio de milho, feijão, mandioca e árvores frutíferas. Um poço cavado há muitos anos abastece o lugar e até dá para compartilhar com vizinhos que trazem jumentos com ancoretas para abastecer; duas cisternas foram construídas com sacrifício e algumas economias para prevenir o período de seca.

No interior, cada um cuida da sua vida na labuta diária, seja alimentando os porcos, as galinhas ou cuidando dos apriscos e do gado; capinando mato, colhendo os grãos de época ou simplesmente debulhando feijão e milho à noite, no claro de lamparinas e lampiões de querosene. E claro, no intervalo, saboreiam o cuscuz de milho ralado com manteiga da terra e café torrado e moído na hora; quando não é assim, é carne assada e desfiada, feita uma paçoca com farinha branca temperada com sal, cheiro verde, cebolinha verde, coentro e pimenta de cheiro. A rapadura cortada miúda nunca falta. Faz parte da mesa nordestina. Isso não implica dizer que todas as famílias vivam bem, outras, sem recursos, passam fome.

O respeito e a moral são praticados diuturnamente até quando os filhos vão dormir e tomam a bênção ao pai e a mãe.

Distante de tudo e de todos, sem sinal de internet não há conexão com o mundo exterior. Assim é o sertão das capembas rachadas. Livra-se aqui e ali a casa que tem o rádio a pilha ou onde mais próximo da cidade tem energia elétrica e dá para ver a televisão em poucas casas, comprada nas lojas em até doze parcelas pagas no carnê, isso quando alguns, bem poucos, sacrificam-se para adquirir o bem.
(...)

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