sexta-feira, 28 de junho de 2019

CANGACEIROS 17




–– Chefe o que vamos fazer?
–– Não quero um pio até chegar à fazenda. Lá, depois que eu falar com meu pai, falo com vocês. Esse desgraçado vai pagar caro por isso.

Inácio lavou a orelha ou o que restou dela rente ao pé do cangote com cachaça para não infectar e amarrou um lenço. Está imprialzinho o Van Gogh nordestino, marejando sangue.

Pouco a pouco os clientes chegam à bodega para comprar secos e molhados, goma para fazer tapioca e beiju, e claro, curiar sobre o que aconteceu na noite passada. Tem gente que vai ao local só pela fofoca, o que não é o caso de Chico Preto que desmonta de seu jumentinho e se aboleta no tamborete lá no canto enquanto observa quem entra e sai, e quando vê que vagou mais o movimento destabaca a falar.

–– Arilson eu estava aqui matutando e quero te dizer uma coisa.
–– Ai é? Tu estavas matutando é?
–– Pense num negócio bom da peste?
–– E o que é Chico? Fala!
–– Rapaz eu conto, mas tu vai ter que me dar alguma coisa em troca.
–– Ah, Chico, esse é o problema de vocês. A gente faz, faz e até para dar uma sugestão vocês querem pagamento.
–– É só uma ajuda, Arilson. Tu é rico.
–– Rico da graça de Deus. Tu só queres tudo na moleza.
–– Também não é assim. Só quem faz teus recados aqui sou eu. E não tem nem salário não. Oxe!
–– Pois desembucha! Eu sei que é dinheiro que tu queres.
–– É. Mas não vai te fazer falta essa merreca. Além do mais tu vais é economizar para a festa.
–– Fala abirobado! Se for mesmo desse jeito eu pago.
–– Arilson tu-tu sa-sabes, que-que o Chi-Chi, Chico Pre-Preto é um pen-pen, pensa, pensador.
–– Fica na tua aí, Gaguinho! Deixa o homem falar.
–– Tá-tá, bom.
–– Arilson é o seguinte: tu estás vendo aqueles dois bois ali no pé da cerca que tu alimenta há dias?
–– Sim, estou vendo! O que tem eles?
–– Ninguém vai vir busca-los.
–– Como é que tu sabes disso?
–– Põe as ideias no lugar homem de Deus! Quem vier buscar será considerado culpado e denunciará quem mandou matar a filha de Maroca e o filho do Manoel Espicha Couro. Estás me entendendo? Ademais quem é que sabe se não é uma armadilha do delegado? Então, pode ter certeza, os bois são seus e servirá muito bem para o churrasco da festa.
–– Hum! Mas se for de outra pessoa?
–– É nada! Ninguém virá reclamar. Faz o churrasco com eles e pronto.
–– Chico eu não quero envolvimento com bandido, com jagunços, cangaceiros ou com a polícia.
–– Depois não diga que não avisei.
–– Vamos fazer assim, amanhã bem cedo, tu e o Gaguinho virão para cá, a gente mata os bois e dá a carne para quem tem fome, para as famílias mais carentes.
–– Po, pois tá, taí que, que eu gos, gostei.
–– Distribuir de graça?
–– É. Só quero o couro, os chifres e a buchada pra fazer panelada. Vocês podem avisar o povo pobre, mas só os mais necessitados. Senão vai chover de gente querendo.
–– Tá muito é bom assim. Mas nossos pedaços a gente tira primeiro e tu guarda viu Arilson?
–– Ah, e a carroça eu quero para fazer é lenha pro fogão. Os bois da festa eu darei um jeito de arranjar. Pois vão logo avisar o povo, aí dá mais de 500 quilos de carne.
–– É. Os bichos são gordos. Pois vamos Gaguinho.
–– Va, vamos!

Lá fora vai passando o Senhor José, montado num burro preto, mais conhecido como Zé do burro, o animal é bom, bem tratado e estradeiro.

–– Seu Zé, quer vender o burro? – indaga Chico Preto.
–– Vendo! – responde o homem já freando o animal pelas rédeas, bem em frente a bodega.
–– Quanto é Seu Zé?
–– Rapaz  é 150!
–– Dou cem no pau!
–– Não, meu filho, só vendo todo!
––Vai te lascar, véi. Eu quis dizer foi à vista.
–– Pois vão para a baixa da égua, seus filhos duma ronca e fuça!
–– Deixem de gaiatice e vão procurar o que fazer. Vão!
–– Já vamos Arilson! Armaria, nãm! Ninguém pode nem brincar.

Na estrada de chão que dá acesso à fazenda, avista-se de longe o carro que se aproxima. Inácio, com a mão na orelha desce apressado e entra em casa enquanto os jagunços saem e esperam fora da casa grande.

–– Cadê meu pai – indaga à criada.
–– Está na sala dele.
–– Meu pai, tenho um problema sério!
–– O que aconteceu?
–– Ontem quando fazíamos campanha pelo interior, parei na bodega do Arilson e me meti numa confusão.
–– O que houve com sua orelha?
–– É isso que estou explicando. Tivemos uma briga lá nessa maldita bodega e um cangaceiro por nome Gerônimo, ele e outros três ou quatro homens humilharam a gente. Quando fui tomar as dores, ele voo em mim e cortou minha orelha. Depois, apontando armas para nós, amarrou-nos, tomou a chave do carro e jogou no mato. E para completar disse que aqui não tem homem de honra.
(...)

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