–– Chefe o que vamos fazer?
–– Não quero um pio até chegar à fazenda. Lá,
depois que eu falar com meu pai, falo com vocês. Esse desgraçado vai pagar caro
por isso.
Inácio lavou a orelha ou o
que restou dela rente ao pé do cangote com cachaça para não infectar e amarrou
um lenço. Está imprialzinho o Van Gogh nordestino, marejando sangue.
Pouco a pouco os clientes
chegam à bodega para comprar secos e molhados, goma para fazer tapioca e beiju,
e claro, curiar sobre o que aconteceu na noite passada. Tem gente que vai ao
local só pela fofoca, o que não é o caso de Chico Preto que desmonta de seu
jumentinho e se aboleta no tamborete lá no canto enquanto observa quem entra e
sai, e quando vê que vagou mais o movimento destabaca a falar.
–– Arilson eu estava aqui matutando e quero te
dizer uma coisa.
–– Ai é? Tu estavas matutando é?
–– Pense num negócio bom da peste?
–– E o que é Chico? Fala!
–– Rapaz eu conto, mas tu vai ter que me dar
alguma coisa em troca.
–– Ah, Chico, esse é o problema de vocês. A
gente faz, faz e até para dar uma sugestão vocês querem pagamento.
–– É só uma ajuda, Arilson. Tu é rico.
–– Rico da graça de Deus. Tu só queres tudo na
moleza.
–– Também não é assim. Só quem faz teus recados
aqui sou eu. E não tem nem salário não. Oxe!
–– Pois desembucha! Eu sei que é dinheiro que tu
queres.
–– É. Mas não vai te fazer falta essa merreca.
Além do mais tu vais é economizar para a festa.
–– Fala abirobado! Se for mesmo desse jeito eu
pago.
–– Arilson tu-tu sa-sabes, que-que o Chi-Chi,
Chico Pre-Preto é um pen-pen, pensa, pensador.
–– Fica na tua aí, Gaguinho! Deixa o homem
falar.
–– Tá-tá, bom.
–– Arilson é o seguinte: tu estás vendo aqueles dois
bois ali no pé da cerca que tu alimenta há dias?
–– Sim, estou vendo! O que tem eles?
–– Ninguém vai vir busca-los.
–– Como é que tu sabes disso?
–– Põe as ideias no lugar homem de Deus! Quem
vier buscar será considerado culpado e denunciará quem mandou matar a filha de
Maroca e o filho do Manoel Espicha Couro. Estás me entendendo? Ademais quem é
que sabe se não é uma armadilha do delegado? Então, pode ter certeza, os bois
são seus e servirá muito bem para o churrasco da festa.
–– Hum! Mas se for de outra pessoa?
–– É nada! Ninguém virá reclamar. Faz o
churrasco com eles e pronto.
–– Chico eu não quero envolvimento com bandido,
com jagunços, cangaceiros ou com a polícia.
–– Depois não diga que não avisei.
–– Vamos fazer assim, amanhã bem cedo, tu e o
Gaguinho virão para cá, a gente mata os bois e dá a carne para quem tem fome,
para as famílias mais carentes.
–– Po, pois tá, taí que, que eu gos, gostei.
–– Distribuir de graça?
–– É. Só quero o couro, os chifres e a buchada
pra fazer panelada. Vocês podem avisar o povo pobre, mas só os mais
necessitados. Senão vai chover de gente querendo.
–– Tá muito é bom assim. Mas nossos pedaços a gente
tira primeiro e tu guarda viu Arilson?
–– Ah, e a carroça eu quero para fazer é lenha
pro fogão. Os bois da festa eu darei um jeito de arranjar. Pois vão logo avisar
o povo, aí dá mais de 500 quilos de carne.
–– É. Os bichos são gordos. Pois vamos Gaguinho.
–– Va, vamos!
Lá fora vai passando o
Senhor José, montado num burro preto, mais conhecido como Zé do burro, o animal
é bom, bem tratado e estradeiro.
–– Seu Zé, quer vender o burro? – indaga Chico
Preto.
–– Vendo! – responde o homem já freando o animal
pelas rédeas, bem em frente a bodega.
–– Quanto é Seu Zé?
–– Rapaz é 150!
–– Dou cem no pau!
–– Não, meu filho, só vendo todo!
––Vai te lascar, véi. Eu quis dizer foi à
vista.
–– Pois vão para a baixa da égua, seus filhos
duma ronca e fuça!
–– Deixem de gaiatice e vão procurar o que
fazer. Vão!
–– Já vamos Arilson! Armaria, nãm! Ninguém pode
nem brincar.
Na estrada de chão que dá
acesso à fazenda, avista-se de longe o carro que se aproxima. Inácio, com a mão
na orelha desce apressado e entra em casa enquanto os jagunços saem e esperam
fora da casa grande.
–– Cadê meu pai – indaga à criada.
–– Está na sala dele.
–– Meu pai, tenho um problema sério!
–– O que aconteceu?
–– Ontem quando fazíamos campanha pelo interior,
parei na bodega do Arilson e me meti numa confusão.
–– O que houve com sua orelha?
–– É isso que estou explicando. Tivemos uma
briga lá nessa maldita bodega e um cangaceiro por nome Gerônimo, ele e outros
três ou quatro homens humilharam a gente. Quando fui tomar as dores, ele voo em
mim e cortou minha orelha. Depois, apontando armas para nós, amarrou-nos, tomou
a chave do carro e jogou no mato. E para completar disse que aqui não tem homem
de honra.
(...)
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