–– Coronel, o Senhor sabe
que pode contar comigo para o que der e vier, além do mais, nunca lhe pedi
nada, sempre deixo a seu critério.
–– É justo! Faça o serviço.
Vamos planejar direitinho e agir.
–– Está bem.
–– Ah, Lucas, mais uma
coisa. Estou sabendo que domingo haverá uma corrida de cavalos.
–– Estou sabendo não! E onde
vai ser?
–– No povoado de Areia
Grossa, sabe onde fica?
–– Sei sim Senhor!
–– Antes de sair da fazenda,
avise ao Juvenal para preparar a minha égua e diga para ele que a leve amanhã
cedo até uma casa mais próxima do prado. Peça a ele para vir aqui pegar o
dinheiro da estadia dela por dois dias antes da corrida.
–– Mas será que tem algum
apostador que tenha coragem de apostar com o Senhor. É. Porque a égua é campeã.
Nunca perdeu e a fama dela corre frouxa aí no mundo.
–– Se tiver, eu não sei, mas
que ela vai correr lá isso ela vai.
–– Certo patrão!
Nesse momento o carro para
na frente da casa e dois homens descem. São os vereadores que veem tratar do
assunto político. O coronel os vê pela janela e se apressa para recebê-los.
–– Vamos Lucas! Os homens
chegaram.
–– Vamos!
O prefeito em campanha
visita terreiro de candomblé e ouve o que tem a dizer o pai e a mãe de santo.
–– Bora minha gente, terminem de arrumar aí, que
o homem está chegando. As mulheres já deveriam estar vestidas. Avexem aí pelo
amor da Pomba-Gira – diz a dona do salão, enfeitado com bandeirolas coloridas,
altar principal cheio de divindades em esculturas, entre elas um grande Preto
Velho de gesso com cachimbo e bengala sentado num tamborete, Jesus de igual
tamanho, São Jorge em luta com dragão, velas de sete dias, outra velas brancas
e pretas acesas firmando ponto, garrafas de cachaça, caixa de fósforo e o chão pintado com
círculos, pontos com estrelas, meias-luas e símbolos. Nas paredes, pendurados,
outras entidades pintadas ou desenhadas e emolduradas em quadros simples de
madeira. No canto, bem no fundo salão três tambores tradicionais feitos com
couros de bode curtidos e enxutos pelo sol do dia. Ao lado do segundo altar a
Pomba-Gira sedutora vestida de vermelho, com um cigarro entre os dedos faz par
com o Tranca Ruas e é rodeada por imagens de Oxum, Iansã, Ogum, Xangô, Exu,
Oxalá, Oxóssi e Iemanjá.
O homem de barba e cabelos
grisalhos, alto, magro, negro, de sorriso largo, vestido de branco posiciona-se
bem na porta de madeira de duas bandas encravada na parede rebocada com argila
produzida ali perto, ao lado de Jurema, sua esposa e dona do salão, ela até caprichou
no batom escarlate pra mostrar os dentes brancos bem feitos. É. Porque duas
coisas naquela época não se destacavam nas mulheres se não fossem o batom
vermelho e o esmalte das unhas combinando com a cor do sangue num terreiro de
macumba. Nos cabelos, do lado direito, uma flor natural chama a atenção. Ninguém
no mundo naquele tempo sabia o que era shampoo, mas o sabão de coco lavava os
cabelos tão bem que os deixava sedosos e brilhantes, limpos e bonitos. Era a
única coisa que tirava a poeira fina das fibras da cabeça. E aí, era só pôr um
lenço branco para combinar com as vestimentas rendadas à mão, e assim ter uma
saia rendada e rodada para a hora da principal apresentação. Uma vez ou outra,
os homens batucavam os tambores para testar o couro esticado e o som de
arrepiar como se fora a maior festa. Esses não tocam por dinheiro e sim por
amor, por fé nas entidades, assim como os gregos acreditavam em seus deuses.
–– Boa tarde, meu povo! – cumprimenta o
prefeito. Como estão todos por aqui?
O homem da porta aperta a
mão do político e a mulher apressas-se para abraça-lo e desejar boas vindas.
Enquanto isso, as baianas formam um círculo no centro do salão, os tocadores de
tambores posicionam-se e esperam o sinal para começar o batuque.
–– Seja bem vindo Senhor prefeito! Estamos bem e
melhor agora com sua visita! – responde a mulher entusiasmada.
–– Vejo que seu salão progrediu! Vocês fizeram
algumas reformas. Está muito bonito!
–– Obrigado prefeito! A fé do povo faz a gente
acreditar que tudo pode melhorar a cada dia! – responde o marido da dona do
salão.
–– Sim. É claro!
–– Precisamos que tenha melhorias nos caminhos
que trazem até aqui. Sabe? Alargar essa estradinha de chão para os carros
chegarem aqui com mais facilidade.
–– Claro! No próximo mês já mandarei fazer isso
para beneficiar essa comunidade.
–– Prefeito, como o Senhor sabe, nós somos mais
de dez famílias aqui nessa parte do povoado e a gente ainda pega água de
cacimba para cozinhar e do rio para outras necessidades.
–– Pois vocês tocaram num assunto principal que
eu já ia falar. Chegaram as bombas e os chafarizes que pedi ao governador há
três meses. No próximo mês a gente instala.
–– Eita prefeito arretado, moço! – elogia outro
dos presentes.
–– Palmas para o prefeito! Aí é macho siô! – diz
outro.
–– Prefeito sente-se aqui! Preparamos uma
modesta apresentação para o senhor e sua comitiva – diz a dona do salão.
–– Aqui não tem voto para o Elesbão não, Senhor
prefeito – afirma um dos batuqueiros.
–– E sendo candidato do Coronel Messias, aí é que
não tem mesmo – completa o companheiro ao lado.
–– Fico feliz que vocês estejam comigo.
–– O prefeito sabe que a gente é leal com o Senhor
todo tempo, desde a primeira vez, pois nunca nos faltou.
–– Lealdade é a coisa mais importante numa
eleição. Ou em qualquer outra situação.
–– Nós vamos é vencer essa eleição prefeito!
Bote fé! – fala outra mulher entusiasmada.
–– Pois vamos começar gente – diz o pai de santo
do salão.
Depois do almoço com os
vereadores e de deixar tudo acertado conforme foi planejado pelo Coronel
Messias...
–– Lucas, conte-me como conseguiu tirar os
homens da cadeia e o que fez com eles.
(...)
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