–– Conheço bem teu temperamento, sempre querendo
ter razão. Chegou na bodega com arruaças, não foi?
–– Não pai. A gente estava pedindo votos. Lá
estava cheio de cachaceiros e jogadores. Todos viram a humilhação porque
passamos. E ainda teve um desgraçado que falou que eu tive foi sorte de ele não
cortar minha garganta, apartar a cabeça do pescoço para mandar para o Senhor?
–– Filho toda ação tem reação. Eu sempre disse
que antes de eleição a gente tem que engolir sapos.
–– Ah, mas não é assim que o Senhor vem agindo.
Aqui na fazenda o Senhor bate e manda bater em escravos e até em funcionários e
já até matou...
–– Baixa o tom de voz, seu moleque. Tá pensando
que tá falando com seus parceiros? Tu me respeitas.
–– Desculpas, pai! Me exaltei.
–– Onde mora esse bandido?
–– E quem é que sabe? Lá mesmo disseram que ele
estava só de passagem para comer.
–– É uma afronta à nossa família. Não resta
dúvidas, mas não vou colocar meus homens e nem vocês nessa celeuma.
–– Se o Senhor deixar, eu mesmo com meia dúzia
de homens entro nas brenhas atrás dele.
–– Inácio, um homem de verdade resolve as coisas
é na hora, nem que morra, mas é na hora. Tu andavas com três jagunços que sabem
atirar, brigar e cai numa armadilha dessas. É inaceitável. O que é que esse
povo vai falar? Que cortaram a orelha do filho de Messias para dar uma lição ou
mesmo para mandar uma mensagem? É isso?
–– Pai espera! Deixa que eu resolvo isso!
–– Onde estão os homens e as armas deles?
–– Os homens estão lá fora.
–– E as armas?
–– Eles levaram. Espingardas, revólveres e
facas.
–– O que faltou? Deixar vocês nus? Bem, vamos
oferecer uma recompensa para quem trouxer esse homem vivo, pode ser apanhado,
ferido, mas vivo. Eu mesmo quero arrancar os olhos dele para ele saber com quem
se meteu.
–– E de quanto é essa recompensa?
–– Chama o Zeca do chicote, pega seus homens e
vai na cidade espalhar que estou prometendo vinte cabeças de gado para quem
trouxer esse infeliz para mim. Se tudo der certo, a gente pega ele antes da
eleição. Depois que dermos uma taca nele e jogar numa cova funda, o povo só irá
lembrar disso mesmo. Vão até esquecer a tua orelha. Pega mais armas no
depósito. Agora vai, avexado.
–– Estou indo!
Lucas e dois jagunços chegam
à casa do vereador. A residência do político fica lá na ponta da rua, afastada e
isolada das outras. O carro para e eles ficam dentro por um bom tempo fazendo
campana a poucos metros da entrada. Logo depois da sessão da Câmara, por volta
de onze horas dessa manhã o homem chega e é rendido no momento em que desce de
seu veículo.
–– Vereador, quero que você me acompanhe! – pego de
surpresa e sem reação o político vê que Lucas tem um punhal na cintura de um
lado e o revólver cano longo do outro.
–– O que?
–– Não faça nenhum movimento brusco ou leva
bala. Tem dois homens naquele carro com armas apontadas para sua cabeça. É melhor
vir comigo. E não faça nenhuma muganga.
–– Tudo bem! Tudo bem! O que querem comigo? Na
minha pasta tem dinheiro.
–– Nesse momento não se trata de dinheiro. Entre
no carro. Amarrem-no e ponham a venda nos olhos.
–– Para onde vão me levar?
–– Se não calar a boca corto tua língua aqui
mesmo.
–– Certo! Certo!
–– Vamos embora.
Depois de andar por mais de
duas horas em estradas de areia e piçarra, subindo e descendo, param no meio do
nada, na caatinga, caminham até uma cabana de madeira de um cômodo só,
construída previamente para manter o homem nesse cativeiro. O grande pé de
pequi faz sombra no local e é a única fonte de ventilação.
–– Vamos! Levem-no para a cabana.
No centro do salão, há um
mastro de carnaúba que segura o teto.
–– Amarrem-no na carnaúba e esperem lá fora,
preciso ter uma conversa com ele. Fiquem de vigia perto do carro – ordena
Lucas.
–– Sim, Senhor – responde o jagunço.
–– Vereador, a conversa é o seguinte: recebi
ordens para te matar. Te tirar do caminho nessa eleição, afinal, você é o mais
bem votado depois do prefeito. Não interessa!
–– Sei que tu trabalhas para o Coronel. Todos te
conhecem na cidade. Tu és o carrasco dele.
–– Bem, já que tu me conheces, sabe do que sou
capaz. Tu és um homem letrado e sabes que posso aliviar para o teu lado.
–– Estou ouvindo. O que tu queres?
–– Bem, eu posso dizer que te matei, mas tu
ficarás aqui até depois da eleição. Mas tem um preço.
–– Quanto? Quanto devo pagar?
–– Eu quero os teus bens móveis e imóveis. Todo
o dinheiro que tiveres. E depois te liberto e tu vais embora de Olho d’Água.
–– E como vou viver aqui até esse dia de
liberdade?
–– Eu virei sozinho trazer-te água e comida,
Concordas?
–– Como não? Não tenho opções!
–– Certo! Vou dar dois tiros e irei embora. Os
jagunços irão pensar que dei cabo de ti. Amanhã voltarei aqui para dizer-te
como faremos acontecer as coisas. É bom não tentar fugir, porque aí tu vais pôr
minha reputação em jogo e terei que te matar mesmo.
–– Como iria eu fugir?
–– É. Aqui é bem distante de tudo, e por fora
tem cadeado na porta – e em segundos, Lucas dispara dois tiros no chão com intervalos curtos entre um e outro e vai para
o carro.
–– Pronto! Está feito! – diz ele aos comparsas –
vamos embora.
(...)
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