quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cangaceiros 13


–– Opa! Isso é bom demais!
–– Pois bota aí uma serrana!
–– Boto e digo mais. Vou ajudar no mijo do menino!
–– Pois capricha! Vai ser antes da eleição!
–– Rapaz! E tu votas em quem?
–– Eu acompanho meu pai. Em quem ele decidir votar, a gente vota.
–– Tu sabes que o melhor candidato é o prefeito, né?
–– Sim, ele é um homem de palavra. Tudo que prometeu, cumpriu, mas o meu velho é quem decide. A gente o acompanha desde a primeira votação.
–– Seu Joaquim da Silva também é um homem bom, respeitável.
–– Por isso mesmo.
–– Arilson, todo ano ele faz uma festa de aniversário, e esse ano quero te ver lá. Você nunca foi. Quero te apresentar a ele. Tu és um dos melhores amigos que tenho por essas bandas.
–– Vou mais é na hora, avexado!

Nessa manhã, na fazenda do coronel Messias, dois vereadores de oposição são esperados para o almoço.

–– Lucas, quanto tu achas que devo pagar a esses trastes da oposição?
–– Coronel vou te dizer uma coisa, eles só estão na oposição porque estão insatisfeitos com o prefeito. Talvez ele – o prefeito – não tenha dado muita importância. Não tenha dado cargos ou dinheiro.
–– Por isso mesmo. Eles foram eleitos na rabada. Os dois quase não tem votos.
–– Na minha opinião, o Coronel deve convencê-los a trazer pelo menos mais dois do lado de lá para o lado cá. E eles não vão cobrar pouco não, viu?
–– Lucas, eu tenho casas na cidade sem serventia nenhuma. Nem ocupadas elas estão. Não são grandes, mas tem um valor de mercado muito bom! O que tu achas?
–– O Senhor oferece as casas sem passar o documento agora e promete uma quantia em dinheiro caso eles consigam trazer os dois vereadores mais insatisfeito. Aí somamos quatro, o que já equilibra a balança.
–– É isso mesmo, porque o presidente da câmara não vem para cá nem a pau.
–– Esse não vem mesmo. É o mais bem votado na eleição anterior.
–– Lucas tive uma ideia melhor. Para ficar bem equilibrada mesmo essa campanha, na base do quatro a quatro, ou seja, a mesma quantidade de vereadores do lado de lá e do lado de cá, a gente poderia dar um fim no presidente.
–– O Senhor quer tirar o homem da jogada, Coronel?
–– É claro! Ele é o maior puxador de votos do prefeito. Se você fizer um serviço bem feito, digo, fazer parecer um incidente, será uma perda e tanto. Temos que ganhar essa eleição de qualquer jeito.
–– E o Elesbão ficará sabendo disso?
–– Ninguém, mas ninguém mesmo deve saber, nem o Elesbão. Isso fica só entre nós dois e mais dois homens da nossa confiança.
–– Coronel, essa é uma jogada muito arriscada num período como esse.
–– Só será arriscada se você não fizer o serviço direito. Ademais, o Delegado Jaime está na minha folha de pagamento. Então, quem é que irá investigar isso?
–– Coronel, não é aproveitando a oportunidade não, visse, mas eu tenho uma caboclinha que gosto muito. Ela ainda vive na casa dos pais e como o Senhor falou dessas casas na cidade sem serventia nenhuma, gostaria que o Senhor me desse uma para a gente se arrumar por lá, fazer um chamego, uns cafunés.
–– Eita Lucas, tu não perdes tempo.
(...)

Cangaceiros 12


–– Tô brincando rapaz.
–– Tá nada. Tu é sem vergonha que eu sei.
–– Hómi respeite a polícia, rapá!
–– Polícia de bosta, tu.
–– Como é muié, essa buchada sai ou não?
–– Calma moço, tá quase no ponto.
–– Égua! Chico Doca, num aperrei ela não.
–– Vou jogar cinco partidas aqui pra ganhar o dinheiro dos patos e pagar essa buchada e as pingas.
–– Vai é porra! – responde o parceiro.
–– Arilson, corta aí um mercado de fumo para eu fazer um cigarro.
–– Quanto?
–– Dando cinco cigarros tá bom. Bota desse rolo mais sequinho, o mais verde só serve para mascar.
–– Certo!
–– Ei menino, a buchada tá pronta.
–– Espera aí. Xô terminar essa “mão”.
–– Exe abirobado tava num vexame monstro e agora manda esperar.
–– E pelo visto ele vai é perder essa partida! – diz Arilson.
–– Vou nada! Dei foi uma sinuca de bico nele. Sai dessa aí bichão, que eu duvid-ó-dó!
–– Eita porra! Essa foi de lascar.
–– Ei desgraça, tu já começou a roubar? – grita um dos jogadores de baralho.
–– Me respeita cara de fuinha – diz o outro.
–– Bati, oramarrapá – diz um terceiro.
–– Bora mudar esse jogo. Agora é “fó e bate corrido” – propõe outro parceiro.

Nesse momento um menino de aproximadamente doze anos entra na bodega, pés descalços, só de calção, com um estilingue no pescoço e uma gaiola feita de talo de buriti na mão direita, oferecendo um chico preto, um galo campina e um bigodinho (brabos) os dois primeiros pegos no alçapão e o bigode pegado no visgo.


–– Aí, quem quer comprar um passarinho?
–– Ninguém quer passarinho aqui não, menino – diz um dos jogadores de sinuca.
–– Moço, é para ajudar lá em casa. Comprar arroz e feijão.
–– Vai estudar – fala o parceiro no jogo – se eu tivesse estudado num tava aqui jogando sinuca, sendo besta.

O menino sai de mesa em mesa oferecendo os pássaros e ninguém dá a mínima atenção. Jogador de baralho só tem olhos para as cartas. Não ouve ninguém fora do jogo. Fica matutando o jogo até descobrir qual a próxima cartada. Tem uns que varam a noite e ficam de olhos fundos.

O garoto não tem argumentos para convencer e sai, mas antes, oferece ao dono do recinto.

–– Seu Arilson compre pelo menos o bigodinho, ele cantará rapidinho assim que deixar de ficar “enfesado”, pra eu comprar nem que seja só o feijão para comer com farinha e sal. Lá em casa num tem nada hoje para comer – diz a criança com cara de tristeza.
–– Menino quanto é os três com gaiola e tudo?
–– Ah, só os passarinhos é uma coisa, agora com a gaiola é outra!
–– Sim, mas quanto é? – Insiste Arilson.
–– Bote preço! Eu tô é precisando mesmo.
–– É o seguinte: Vou lhe dar o arroz, o feijão, a farinha e o sal, mas vou soltar os pássaros e quebrar a gaiola.
–– Faça isso não seu Arilson! Uma gaiolinha dessas dá um trabalho danado para fazer.
–– Menino, você gostaria de estar numa jaula?
–– Não Senhor.
–– Então vá estudar! E venha aqui uma vez por semana que lhe dou arroz e feijão se você for para a escola ao invés de caçar passarinhos.
–– Vai me dar tudo isso agora?
–– Vou.
–– Então pode soltar e quebrar a gaiola.
–– Sim, mas você vai para a escola?
–– Não tenho mais pai para me matricular e minha mãe não tem condições de ir lá no grupo escolar. É muito longe.
–– Pois depois vem aqui que te levo para matricular, viu?
–– Viu!
–– Olha o Arilson parecendo o Papa, dando exemplo.
–– E tu tava só caladinho aí, observando, né?
–– É, mas já, já vou voltar para casa. Minha mulher tá esperando um bruguelo! – afirma Benedito.
(...)

Cangaceiros 11


Arilson chegou cedo na bodega, abriu as portas, varreu tudo com uma vassoura de piaçava, colocou as mesas no lugar, passou espanador de penas na sinuca, ajeitou as garrafas de cachaça serrana na prateleira, acendeu um cigarro pau-ronca feito das cordas de fumo arapiraca que ele vende no rolo ou cortado em retalhos, sentou-se num tamborete de couro de bode curtido e pôs os pés em cima do outro e ficou com as costas encostadas na parede.

–– Bom dia Arilson! – cumprimenta a mulher raquítica que o ajuda na bodega e faz a comida.
–– Bom dia Maricota! Acenda o fogareiro que o dia hoje promete.
–– Como é que o Senhor sabe disso?
–– Minha filha, depois daquele furdunço de ontem, aqui vai chover de gente para fofocar. Se prepare!
–– E o que boto no fogo para cozinhar?
–– Faz panelada, buchada, feijão tropeiro, arroz, macaxeira assada, jerimum e farofa.
–– O Senhor tá bem otimista!
–– Estou!
–– Bom dia! – cumprimenta um caboclo enquanto amarra o burro.
–– Bom dia!

Pouco tempo depois Benedito decide parar na bodega.

–– Bom dia!
–– Bom dia Benedito!
–– Hoje ficarei por aqui até mais tarde. Jogar umas partidas de sinuca.
–– Pois seja bem vindo, amigo!

E assim, em pouco mais de uma hora o local está apinhado de gente como previu Arilson.

–– Que foi que eu disse Maricota?
–– É. O Senhor tem experiência e um tino comercial de nascença.
–– É um dom, minha filha, um dom!
–– Seu Arilson, e os bois? Os donos deles não veem buscar?
–– Sei não, o delegado disse que viria pegar hoje e até agora necas de pitibiricas.
–– E a carroça?
–– Pois é, sei também não.
–– Arilson me dê aí o baralho, para a gente começar os serviços. E bote aí um quarteirão de pinga.
–– Rapaz, vocês tem que consumir alguma coisa. Ou então vou cobrar uma taxa de serviço. Oramarrapaiz!
–– Se apoquente não, moço! Bote aí logo uma branquinha para molhar a goela.
–– Assim é que eu gosto. E hoje não tem fiado. Não vendi quase nada ontem por conta daquele furdunço.
–– É no dinheiro, Seu Arilson.
–– Olhe, avise aos seus pariceiros para não quebrar os cantos das cartas. Baralho novo é caro e é longe para comprar.
–– Deixe comigo.
–– Você vai ficar responsável. Esse aí ainda tá na caixa, visse?
–– Eita diacho! Tá novinho véi!
–– Arilson, cadê a chave da gaveta da sinuca?
–– Está aqui, olha! Já avisei. Hoje nada de fiado.
–– Tá certo meu patrão!
–– Ei, tem caldo de que aí?
–– Rapaz, só se for de feijão! Serve?
–– Não. Tem buchada de bode?
–– Tá quase no ponto – diz a mulher.
–– Deixa o meu aí. Tô com uma fome da mulesta!
–– Assim que terminar aviso.
–– Tá bom!
–– Arilson bota uma dose de água que passarinho não bebe para mim.
–– Mais é agora, avexado!
–– Ei, me diz uma coisa. Como que está o nosso candidato? Qual é a cotação aí na boca do povo? – pergunta outro.
–– Rapaz, ele não perde nem a pau pro Elesbão, candidato do Coronel.
–– Tu acha mesmo?
–– Perde é porra. Se depender de mim e dos meus amigos, a gente vai botar para eleger de novo. Oh, homem bom, visse?
–– Rapaz, eu soube que o Coronel tá gastando meio mundo de dinheiro.
–– É. Eu sei disso. Ali nem se acaba nem fica pouco. O homem é podre de rico, mas o candidato dele é fraco. Não tem simpatia. Nunca botou os pés aqui – afirma Arilson.
–– Ah, mas quando tiver mais próximo da eleição ele vem que é um doce prometendo mundos e fundos.
–– Pode até vir, mas meu voto é do prefeito.
–– Se ele vier, a gente pega o dinheiro dele e vota no prefeito.
–– Crie vergonha na cara, homem. Vote por acreditar num homem que promete e faz. Saiba dizer não a esses miseráveis que só querem tirar proveito da política e das fraquezas do povo.
(...)

Cangaceiros 10


–– Tá vendo Lucas? Quatro a menos! Onde é que vamos parar? Vai, vai tua viagem.
–– Sim Senhor, Coronel!

Lucas abre a porta do escritório, cumprimenta Júlia apenas com um gesto pegando na aba do chapéu e se apressa para cumprir a missão enquanto ela entra.
–– Pai, com sua licença!
–– Claro, filha!
–– Quero lhe pedir para ir à missa de Domingo!
–– Sim! Permissão concedida! Se você quiser, eu a levo!
–– Não precisa! O Senhor de certo estará muito ocupado. Basta autorizar o Jeep ou a rural e o Damião irá comigo.
–– Seu irmão quer ir para a missa também?
–– Não sei, mas falo com ele para a gente ir. Está bem para o Senhor?
–– Sim, claro! E sua mãe?
–– Não sei ainda. Então está bem, pai! Muito agradecida, viu? – Júlia aproxima-se do pai e o beija na face.
–– Diga para seu irmão vir aqui, querida!
–– Sim, Senhor.

A criada avisa que a mesa está servida, que sua esposa o espera e ele responde que em poucos instantes irá jantar, depois que falar com o filho.

Nesta noite, o prefeito faz visita à Dona Maroca - que não tem dinheiro sequer para comprar as velas - mãe da moça encontrada morta, e ao pai do rapaz, também na mesma situação, Manoel Espicha Couro e promete uma pensão com fundo criado recentemente. Não é bem um salário, mas é um bom adjuntório e enquanto prefeito ele for e como bom político, aproveita e pede votos para a eleição que se aproxima. Também não esquece de dar uns trocados para comprar as velas ao sair. Cumprimenta novamente os poucos que estão no velório, aperta a mão de cada um, abraça, dá tapinhas nas costas, se despede e sai.

Do outro lado da montanha, bem distante da cidade, onde há geografia de caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, predominam cactos de várias espécies e diversificada biodiversidade. Dificilmente será encontrada em algum outro lugar do planeta. Território inóspito no meio do nada abriga um bando de cangaceiros que ao contrário de muitos não saqueiam as cidades e assim como índios da região, estão em paz, vivendo a duras penas, da agricultura precária, da caça e da pesca mais distante ainda, principalmente quando São Pedro não abre as portas do céu para banhar a terra e encher os rios.

Gerônimo, homem alto, forte, de pele queimada pelo clima árido e muitas cicatrizes deixadas pelas lutas que já travou, pela hierarquia e a idade, é o chefe do bando que tem entre homens e mulheres, aproximadamente cento e cinquenta membros. Um cabra de palavra e sobretudo respeitado; quando diz que pau é pedra nem que não seja, é bom concordar.

Hoje, mais do que nunca, Gerônimo está sorrindo, feliz da vida, o que é uma raridade, acabou de nascer seu filho. É um bebê robusto, apesar de tudo; a companheira do chefe e mãe da criança passa bem, graças aos serviços delicados da parteira que vive ali.

É uma noite de festa sem muitas pompas, fogueiras são acesas e as garrafas de cachaça serrana guardadas para esse dia foram liberadas. O resultado da caçada foi positivo e as carnes de veados, cutias, preás e capivaras chiam na brasa. A farinha branca de mandioca, queijo assado e pimenta também faz parte do cardápio.

Gerônimo tem no Pároco da cidade, o Padre Lauro, um forte aliado e esse de forma generosa ajuda com parte da verba que recebe mensal da prefeitura, além de ser irmão da mulher negra que vive com o cangaceiro. E por ter laços familiares, a amizade torna-se mais sólida a cada dia. O Padre uma vez por mês tem encontro em lugares diferentes com o chefe do bando, para entregar o dinheiro, fruto da doação. Em outra ocasião, no passado, o Padre Lauro passou algum tempo com o bando, pregando a palavra de Deus e ensinou Gerônimo no tempo livre, a ler e escrever; deixou essa pequena herança de aprendizagem a cargo da irmã, para alfabetizar o bando, dando inclusive alguns livros.
(...)


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quarta-feira, 29 de abril de 2020

Cangaceiros 9


–– E quem viu isso acontecer?
–– Todo mundo que estava no bar do Arilson.
–– Tinha que ser na porta desse merda! Que diabo homem! Bem agora que estamos preparando a campanha de nosso candidato.
–– Pois é. O que vamos fazer?
–– O Jaime prendeu os homens?
–– Prendeu.
–– Pois vamos ter que dar cabo deles antes que deem com a língua nos dentes.
–– E as famílias deles?
–– Depois a gente vê isso. Primeiro temos que apagar essas provas e você vai resolver pessoalmente. É o menos suspeito.
–– Como?
–– Você vai convencer o Delegado Jaime a deixar os presos saírem e faça parecer que eles fugiram com a ajuda de alguém. Arrebente as grades, sei lá. Depois atirem neles mais longe e levem os corpos para a beira do rio. Vão pensar que foi vingança. Mas tem que ser de hoje para amanhã. Ah, leve esse dinheiro para ele e diga-lhe para ficar de boca fechada.
–– Certo.
–– O prefeito já sabe?
–– Acho que não. Ainda é muito cedo para dizer.
–– O diabo desse prefeito é querido pelo povo e está bem cotado para reeleição. Temos que virar esse jogo. Amanhã vou à câmara tentar uma conversa com os vereadores.
–– Posso falar?
–– Pode!
–– Não é melhor o Senhor chamar eles aqui na fazenda, dar um jantar?
–– Não. Isso chama a atenção do povo.
–– Então mande um recado e convide de dois em dois para uma conversa aqui ou na casa de cada um, afinal são só nove vereadores.
–– É. Mas tem três que são fidelíssimos ao prefeito e mais dois que o apoiam em tudo.
–– Pois comece a conversar com os dois mais insatisfeitos da oposição. Eles podem atiçar a ambição dos outros.
–– Por isso que gosto de lhe ouvir, Lucas. Em uma semana quero todos na palma da minha mão. Tenho recursos para isso.
–– Pois vá por aí que é o certo.
–– Conversarei com o Elesbão, nosso candidato sobre isso. Agora vá.
–– Sim chefe! Ah, tem mais uma coisa. O Arilson tá planejando um grande evento de lutas, arrasta-pé, comes e bebes e o diabo a quatro.
–– E quando vai ser isso?
–– Tão dizendo que é daqui a um mês a abertura.
–– Tá preparando terreno para a porra do candidato dele. Ele sempre apoiou o prefeito.
–– É. O Senhor sabe que nessas coisas o povo comparece em peso.
–– Pois vamos nos preparar para dar o troco. A gente fala disso mais tarde. Primeiro resolva essa porcaria que está aí.
–– Certo chefe!

Antes que Lucas saia da sala, outro capanga entra com notícia não muito agradável.

–– Coronel! Temos mais dois corpos!
–– Puta que pariu! Hoje é o dia dos mortos, é? Foram os dois que estavam no tronco?
–– Não Senhor. Esses estão vivos. Foi lá no canavial. Os dois já são de idade mais avançada.
––Pois não quero nem ver. Enterra lá para as bandas de riba do canavial. Fora da plantação, bem distante. Cuide disso.
–– Está bem, Coronel.
–– Ah, solta os dois que estão no tronco, manda alguém cuidar deles para ver se dá para trabalharem amanhã.
–– Coronel...
–– Faça o que estou mandando, cabra!
–– Sim, Senhor!
(...)


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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Cangaceiros 8


Depois de algumas horas, Dona Maroca chega ao local, na garupa do cavalo de um amigo. A mulher já vem se desmanchando em prantos. O marido também se encontrava em casa e agora chega montado em riba dum jumento cardão com jeito de burro; no lombo a cangalha de madeira e palha de carnaúba forrada com uma esteira confeccionada artesanalmente com o mesmo material do coqueiro.
–– Minha filha! Oh meu Deus! O que fizeram com você? O que esses malditos fizeram com você? Me ajudem! Me ajudem a tirar minha filha desse sofrimento, pelo amor de Deus! – chora e grita dona Maroca abraçada com o corpo da filha.
–– Se acalme Dona Maroca! Deus é maior! – Diz uma Senhora tentando consola-la.
–– Mulher, como eu posso ter calma num momento desses? Oh, meu Deus! Meu Cristo! Ela não merecia uma morte dessas! O que eu vou fazer sem você? Deve ter sido apanhada, surrada. É muito sofrimento para uma pessoa só.
–– Dona Maroca, trouxe uma rede tapuerana para a Senhora levar o corpo de sua filha para casa. Os homens vão ajuda-la – decide Arilson sensibilizado.
–– Tá bom, meu filho. Depois eu pago, quando puder.
–– A Senhora não precisa me pagar essa rede. Esse é o meu adjuntório.
–– Oh, meu Jesus! Deus te pague em dobro, filho!
–– Ei, não tira os corpos agora, não! Deixa a polícia chegar – fala Benedito.

E nesse momento o Manoel Espicha Couro, pai do rapaz que também está na carroça chega ao local com lágrimas nos olhos e uma tristeza profunda. Em silêncio desce da montaria e dirige-se ao encontro do filho. Abraça-o como se fosse o último dia de sua vida, demonstra seu amor e calado, olha nos olhos dos dois homens amarrados. Parece querer fulmina-los com o olhar carrancudo que penetra a alma, mas se contém como homem que é e permanece calado ao lado corpo.

–– Seu Manoel, vou trazer uma rede para o Senhor também levar seu filho para casa – o homem apenas balança a cabeça confirmando, sem dar uma palavra.

Diante da tristeza, da dor da perda, da morte, as pessoas têm reações diferentes. Algumas choram muito, gritam, silenciam e até sorriem, porém, o sentimento é o mesmo: amor. É como se perdesse um pedaço de si, quando alguém parte para outro plano.

O Jeep e uma rural abrem caminho em meio a multidão ao entardecer. O delegado, o cabo e um soldado descem das viaturas oficiais para apurar o caso.

–– Boa tarde, Senhores e Senhoras! O que realmente aconteceu aqui? – Pergunta o Delegado.
–– Aqueles dois homens amarrados ali são os responsáveis pelo carro de boi – afirma Arilson.
–– Cabo, prenda-os e algeme-os, coloque-os no Jeep e leve-os para delegacia, para interrogatório. Vai e volta para me pegar que vou ter uma conversa de pé de orelha por aqui.
–– Sim, Senhor!
–– E quanto aos corpos? - Indaga Arilson.
–– Vou disponibilizar a rural para leva-los para suas casas. Como não temos necrotério, cada família se responsabilizará para fazer o funeral.
–– E agora o que você vai fazer? – pergunta outra pessoa.
–– Que pergunta mais idiota! Acabei de explicar. Aqui não tem mais o que fazer. Vou prender os homens, interroga-los e mandar os corpos para casa.
–– E quanto ao carro de bois? – indaga Arilson.
–– Bem. Não há como consertar agora. Tirem-no dali e coloquem no pé da cerca que depois mando buscar.
–– Quando?
–– Amanhã. Estamos entendidos?
–– Éguati! Esse foi o processo mais ligeiro que já vi. Ô delegadin véi ligeiro da porra, siô! – diz um dos caboclos para o outro, em voz baixa com a mão na boca para disfarçar.
–– Óia, tu deixa de muganga, porque se o homem ouvir isso quem vai preso é tu.
–– Delegado, o Arilson deu duas redes para levar os corpos – acentua Benedito.
–– Pois ajudem a colocar nas redes e na rural que vamos tudo duma vez quando o cabo vier. E na delegacia esses cabras vão falar tudo, tim, tim por tim, tim, nem que seja na base da pêa.

Enquanto o Delegado Jaime interroga os transeuntes e caboclos sobre o acontecido, Lucas estaciona o Jeep na propriedade de Coronel Messias, desce do carro apressado e corre para avisar o chefe sobre o incidente lá nas bandas de “Jatobá”, povoado desenvolvido mais próximo da cidade de Olho d’água.

–– Coronel! Coronel! Preciso falar com o Senhor urgente!

O Coronel que estava numa mesa farta a tomar café com bolo, queijo e outras iguarias no final da tarde, levanta-se e o convida para irem ao escritório.

–– Vamos ali para a sala de escritório. Tu tá amarelo que só flor de algodão. Fala homem.
–– Coronel, o tiro saiu pela culatra. A moça e o rapaz que o senhor mandou enterrar lá no sítio do Zé Pezão foram descobertos.
–– Como? Quem descobriu?
–– Não foi ninguém não. Segundo os relatos do povo que foi dar queixa lá na delegacia, quando eu estava lá, exatamente na hora do pagamento, disseram que a roda do carro de boi quebrou, caiu e os defuntos apareceram.
(...)


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domingo, 26 de abril de 2020

Cangaceiros 7


–– Está na sala dele. Aguarde aí. Ele tem uma visita importante. Vixe! Tá avexado assim por quê?
–– M-mas é, é um ca-caso de vi-vida ou mor-morte!
–– Tenha calma, gaguinho! Aguarde sua vez! Ôxe!!

A visita importante como o recruta falou, trata-se de um homem que certamente é o braço direito do Coronel Messias que veio trazer propina.

–– Pois muito bem Senhor Lucas. Quanto ele mandou dessa vez?
–– Está tudo aí nesse envelope, conforme o Senhor pediu. Agora ele disse que é para o Senhor fechar oszói, caso alguma coisa ruim venha a acontecer ou dar errado – diz o capanga de Coronel Messias.
–– Hum!! Ô cabra arretado de palavra!
–– Delegado, com sua licença, tem um gaguinho aperreado querendo falar com o Senhor. Ele tá realmente agoniado.
–– Terminamos aqui, Lucas, mas pode ficar enquanto atendo essa ocorrência. Mande-o entrar, cabo.
Gaguinho já está para botar os bofes pela boca, e nesse interim, chega Chico Preto ainda mais nervoso que o outro.
–– Quero falar com o Delegado. Ele está aí?
–– O que houve?
–– Tenho que avisar a ele do furdunço que aconteceu no bar do Arilson.
–– É o mesmo assunto do gaguinho?
–– É. Mas sei explicar melhor para a autoridade não perder tempo.
–– Pois emburaca, já que ele está lá dentro!
–– De-de-de...
–– Delegado! - Completa o policial.
–– N-não! De-de-defunto!
–– Defunto, onde?
–– O diabo quando não vem, manda o secretário.
–– Cala a boca Lucas – repreende o Delegado.
–– No, no car-carro de bó, boi.
–– Que carro gaguinho?
–– No bar.
–– Entendi. Defunto no carro de boi, no bar.
–– Onde fica o bar?
–– Na, na bó, bó, bodega do-do Ari-arilson.
–– Senhor Delegado o caso é sério! – confirma a história Chico Preto – um homem e uma mulher foram encontrados mortos dentro do carro de bois, em frente à bodega do Arilson.
–– Agora entendi tudinho. Quem matou quem?
–– Ai que está o problema, Senhor delegado.
–– A ro-roda, a roda...
–– Gaguinho deixa só o Chico Preto falar.
–– T-tá bom.
–– Delegado o Gaguinho estava lá na hora do acidente.
–– Do crime?
–– Não. Ele viu quando a roda quebrou e caiu. Aí os corpos apareceram. Estavam escondidos entre as canas.
–– Esperem lá fora ou podem ir embora se quiserem. Vou tomar as providências.
–– Certo! Senhor. Vamos voltar, mas o Senhor precisa ir lá ligeiro bala.
–– Agora vão. Lucas, diga-me uma coisa, foi por isso que recebi esse dinheiro hoje?
–– Não era para ser assim. Coisa ruim acontece, mas o que você vai fazer agora?
–– É complicado! Pelo visto, muita gente já sabe disso.
–– Dê seus pulos, Delegado. Resolva o caso.
–– Olha como fala comigo, Lucas. Ah, e diga ao Coronel que qualquer coisa, estamos às ordens.
–– Pois resolva. Estou de saída. E é melhor que seja rápido. O patrão não vai gostar se algo der errado, principalmente que esse ano tem eleição.
–– É. Eu sei. Não precisa me lembrar. Quer dar uma passada por lá?
–– Quero nada. Até mais ver!
–– Até!
(...)

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Cangaceiros 6


–– Vai logo, abilolado! – Chico Preto sai resmungando com a cara fechada e em alta velocidade. Quanto mais ele acelera a moto mais a poeira cobre.

A porca ruiva atravessa o areal com a reca de bacorinhos correndo atrás, assustados com tanta confusão e os latidos dos cachorros. O gato preto parecendo uma pantera que estava em cima do peitoril, viu todo o reboliço e pulou rapidamente para dentro da bodega, e mesmo assim, apoiou-se nas patas traseiras, lá no canto e ficou observando, como se entendesse alguma coisa do que se passava – Sai para lá, praga! – de vez em quando gritava um, tangendo a cachorrada com um pedaço de pau na mão, mas eram muitos os cães, e eles estavam estranhando os defuntos e não os bois ou a carroça. O certo é que estava instalado o caos no local.

–– Virgem Nossa Senhora! Esse rapaz que o Benedito descobriu agora é o Edvaldo, filho do “Manoel Espicha Couro”. Ele mora perto do rio – diz um dos homens mais velho no recinto, do lado de fora e bem próximo da carroça.
–– Pois então, você que conhece esse “Manoel”, vá lá avisar hóme de Deus – ordena Benedito apoiado na lateral da carroça.
–– E eu vou mesmo. Tá com bem três meses que o rapaz saiu de casa para a cidade procurando emprego. Era uma pessoa de bem.
–– Pois vai logo – fala outro apreensivo.
–– Eu desconjuro, diabo! Isso é pavoroso! Quem poderia fazer uma desgraça dessas? – reage um caboclo com a faca na mão – eu vou é sangrar esses infelizes aqui – e se dirige aos homens amarrados na coluna do bar.
–– Não, não. Pelo amor de Deus, não deixem que ele faça isso. A gente não sabe como eles vieram parar aí na carroça.
–– Para com isso. Deixem a polícia chegar – ordena Benedito.
–– Polícia e bosta aqui é a mesma coisa. Vamos matar essas desgraças! – afirma outro caboclo que arrasta um facão da cintura, e nesse momento, Arilson engatilha a espingarda e atira para cima. O estampido do tiro faz recuar os mais afoitos.
–– Ninguém vai matar ninguém aqui hoje. Vamos deixar as autoridades tomarem de conta disso. Entenderam? O primeiro que tocar nesses homens, vai se ver comigo, ora porra! – fala grosso o dono da bodega.

Um caboclo mais frio, arrasta duas ou três canas da carroça, desfolha-as, põe em cima do peitoril, e pega uma a uma e vai descascando, corta em cruz alguns gomos pequenos e mastiga – eita porra! Essa é das boas! Doce que só o mel!
Outro mais aproveitador, pega alguns fechos e leva-os para seus animais devorarem enquanto estão amarrados no pé da cerca e assim, seguindo o exemplo, outros fazem o mesmo, pegam os fechos para alimentar suas montarias, afinal, alguns jogadores viciados em baralho, sinuca e dama vem de longe, montados em cavalos, burros e jumentos todos arreados com boas selas, outros mais pobres, usam cangalhas nas montarias. A concepção é de que a carga está perdida mesmo e o que importa naquele momento são os corpos, então, deixa os bichos comerem as canas.

Os bois estão babando de calor com o sol a pino, mas ninguém vê isso. Bem, quase ninguém. Benedito sugere tirar a canga da parelha de bois e decide dar uma parte das canas e água para os animais à sombra do grande pé de jatobá e enquanto isso acontece, pessoas da região aglomeram-se. O boato boca a boca se espalha rapidamente. Não há melhor publicidade do que fofoca no interior. Até parece que todos moram perto um do outro. Não se sabe por que as coisas ruins ganham mais repercussão do que as coisas boas.

Gaguinho chega à delegacia, amarra o cavalo num pé de oiti e adentra apressado.
–– O-olá! C-ca-cadê o De-dele-delegado? – pergunta ele a um recruta no balcão.
(...)

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Cangaceiros 5


Em todo lugar sempre tem os do contra, os negativos e os reclamões, que acham que tudo é difícil ou impossível. Não fazem nada e nem querem deixar que os outros façam.

–– Arilson, rapaz, tu tá querendo é se promover. Se amostrar. Tu não és candidato a vereador não, é? – pergunta um velho lá no canto.
–– Sou nada. Quero promover é a comunidade. Assunta bem! Com a realização desse arrasta pé, com as lutas e as parcerias, vai dar um bom movimento.
–– Tu sabes que esse teu plano pode gerar conflitos mais tarde. Avalie. Esses homens não gostam de humilhação e não sabem perder, vão tudo ficar virado a peste – insiste o velho.
–– Macho véi, quem tem medo de cagar, não come. É só espalhar a notícia como eu expliquei. Sem armas e sem rancor. É só um campeonato arretado.
–– Sei não, viu? Mas arrocha aí – finaliza o velho.
–– Pois libera a cachaça aí, Arilson, bicho parece que é alesado – diz um dos cachaceiros que está com a goela seca.
–– Vou liberar e já vou avisando, amanhã não abrirei a bodega, para que vocês comecem a divulgar o negócio. Ah, outra coisa, quem quiser botar as banquinhas de café com bolo, de tapioca, milho verde, garapa, pirão, caldo de peixe e o escambau, pode, viu?
–– E de comida? – indaga uma velhinha que também gasta parte do dinheiro da aposentadoria no jogo e vive aboletada ali fumando mais que o caipora.
–– Pode também. Espetinhos, buchada, panelada, sarapatel, galinhada e mão de vaca são muito bons. Só não pode bebida. Aí é comigo.
–– Arilson, tem que ter uns foguetes para animar o negócio – sugere um mais moço.
–– Aí não. Meus cachorros ficam doidinhos com o barulho – afirma um dos homens no recinto.
–– Pois nos dias tu leva eles para longe.
–– Levar para onde filho duma ronca e fuça? Só se for para tua casa. Ora mais.
–– Tu me respeita, seu merda. Vai dar esse teu anel de couro. Minha peixeira faz tempo que não vê sangue. Fresque, viu?
–– Ei vamos parar com isso no meu recinto, senão nenhum dos dois fica mais aqui. Se for para brigar e bater boca, vão lá para fora. Vamos focar na coisa, que todo mundo ganha.
–– Aí dento! Foi ele quem começou.
–– Tá bom, tá bom! Ôxe! Vão atentar o cão com reza noutro lugar! – finaliza Arilson.
–– Não me apoquente não, visse?
–– Já disse para parar. Ora porra!
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Cangaceiros 4


Depois da boa noite de sono, no dia seguinte muito cedo, Benedito acorda primeiro, e como marido exemplar, põe a chaleira no fogão a lenha para passar o café, e depois, vai tirar o leite mugido da vaquinha leiteira que ele mantém no quintal, faz duas tapiocas, uma para ele e outra para a mulher e leva no quarto. Acorda a esposa carinhosamente, beija-a nas faces e sai para a roça montado em seu burro preto. Benedito não é lá esse homem de grandes posses, mas tem o cavalo que só é arreado para ocasiões especiais. Uma vez ou outra ele bota o animal para correr no prado, com apostas em dinheiro. O animal bem tratado nunca perdeu uma corrida.

Nessa manhã ensolarada, Arilson, o dono da bodega, começa a divulgar um plano para ele ganhar dinheiro fácil e promete um prêmio ao vencedor. Como ele é cabo eleitoral do atual prefeito, tem a promessa de um bom prêmio em dinheiro para o campeão nesse evento, desde que seja realizado dentro de um mês. O plano consiste em realizar luta livre sem armas e por eliminação àquele que primeiro fizer sangue no adversário ou nocautear. Há também o torneio da queda de braços com prêmios menores. Arilson já até articulou a vinda de autoridades na grande final.

–– Quero pedir a atenção de vocês por um instante – os jogadores de baralho, de sinuca e dama fazem ouvido de mercador – Vocês não me ouviram? Seus filhos da puta! – Arilson tira um litro vazio debaixo do balcão e pipoca na parede, estilhaçando cacos para todos os lados – agora tenho a atenção de vocês? Que maravilha! É o seguinte: Vou realizar um evento diferente de tudo que já viram por essas bandas. Vamos fazer um torneio de lutas e queda de braços daqui a um mês. E para fechar a noite do última dia do evento, teremos um forró pé de serra. Então, quem quiser participar tem que fazer a inscrição aqui, comigo, na minha caderneta.
–– E como funciona isso? – pergunta um.
–– É. E qual o valor do prêmio para o vencedor? – indaga outro.
–– Bem, teremos três lutas! E cada luta, um vencedor para o segundo dia, então, no terceiro dia os três vencedores lutarão e irão lutar entre si até sobrar um campeão. Isso valerá para as regras da queda de braços.
–– E o prêmio, quanto vai ser?
–– O prefeito já garantiu que virá com sua comitiva na final e dará o prêmio de R$ 1.000,00 ao lutador e R$ 500,00 para o da queda de braços.
–– E quem garante isso? Tu sabes que político não honra a palavra, só promete! – pergunta um dos homens mais afoito.
–– Eu garanto! – diz Arilson.
–– E quais as armas que vamos lutar? – pergunta um grandalhão.
–– Sem armas. A luta será dentro de um espaço limitado com cordas onde os lutadores usarão só as mãos e os pés. Aquele que fizer sangue primeiro no adversário, ou derruba-lo e deixa-lo fora dos sentidos, já será considerado vencedor.
–– E quem vai julgar esse negócio? – pergunta outro homem.
–– Não se preocupem com isso. Quero que espalhem a notícia nas redondezas e na feira da cidade. Quanto mais gente vier, melhor.
–– E o que vamos ganhar com isso?
–– A bebida e a comida no dia do evento será por minha conta. Vou mandar matar um boi e uns bodes. Agora preciso que me ajudem a divulgar isso, afinal, essa é uma forma de termos as autoridades aqui. Como sou generoso, a cachaça de hoje é por minha conta também.
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Cangaceiros 3


Distante de tudo e de todos, sem sinal de internet não há conexão com o mundo exterior. Assim é o sertão das capembas rachadas. Livra-se aqui e ali a casa que tem o rádio a pilha ou onde mais próximo da cidade tem energia elétrica e dá para ver a televisão em poucas casas, comprada nas lojas em até doze parcelas pagas no carnê, isso quando alguns, bem poucos, sacrificam-se para adquirir o bem.

Benedito, o filho mais velho de Joaquim Silva é o que mora mais distante da família. Tem uma casa de taipa bem feita, coberta de telhas, com portas e janelas de madeira onde vive com a mulher que está grávida com o bucho por acolá. Todo dia vai para a roça logo de manhã cedo no lombo do burro de cargas e na volta, no final do dia, sempre passa na venda do Arilson, uma espécie de bodega e bar que tem de um tudo, até chocalho para corno. Lá tem sinuca, dama e jogos de baralho, por outro lado, alguns chamam o local de um antro de perdição. Os visitantes ou os homens que não tem o que fazer quando não apostam ficam peruando e dando pitaco no jogo dos outros, entre um gole e outro de cachaça serrana. Os caboclos estão sempre armados de faca ou facões, bebendo pinga e contando anedotas depois do trabalho.

O bar da beira do caminho, coberto de telha, com um grande alpendre e peitoril fica situado num entroncamento de estradas de chão onde mais passam carroças, cavalos e jumentos do que automóveis. Quando há moagem nas redondezas, passam os carros de bois carregados com cana de açúcar tangidos por homens com chiqueiradores de couro tirados do gado. Uma vez ou outra, a rural aparece por ali, carro de fazendeiro. Mas isso é uma raridade. Só vai por aquelas bandas quem tem negócios, principalmente em período de campanha eleitoral. Esse início de ano promete na política, daqui a pouco começam a aparecer os cabos eleitorais de meia tigela pedindo votos para prefeito, vereadores e os candidatos a deputados da capital.

Já à boquinha da noite, Benedito chega, desce do burro preto, tira a sela, a esteira, os arreios e bota-os dentro de casa. Depois solta o animal no pequeno curral que fica atrás da residência. Pendura o chapéu de couro num prego da parede com a mão esquerda e exibe um cambo de peixes com a mão direita.
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Cangaceiros 2



A família não pode dizer que tem uma fazenda, mas a propriedade é um sítio bem cuidado, com muitos hectares de terras, onde cultivam o plantio de milho, feijão, mandioca e árvores frutíferas. Um poço cavado há muitos anos abastece o lugar e até dá para compartilhar com vizinhos que trazem jumentos com ancoretas para abastecer; duas cisternas foram construídas com sacrifício e algumas economias para prevenir o período de seca.

No interior, cada um cuida da sua vida na labuta diária, seja alimentando os porcos, as galinhas ou cuidando dos apriscos e do gado; capinando mato, colhendo os grãos de época ou simplesmente debulhando feijão e milho à noite, no claro de lamparinas e lampiões de querosene. E claro, no intervalo, saboreiam o cuscuz de milho ralado com manteiga da terra e café torrado e moído na hora; quando não é assim, é carne assada e desfiada, feita uma paçoca com farinha branca temperada com sal, cheiro verde, cebolinha verde, coentro e pimenta de cheiro. A rapadura cortada miúda nunca falta. Faz parte da mesa nordestina. Isso não implica dizer que todas as famílias vivam bem, outras, sem recursos, passam fome.

O respeito e a moral são praticados diuturnamente até quando os filhos vão dormir e tomam a bênção ao pai e a mãe.

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Cangaceiros 1


Joaquim da Silva, nordestino das brenhas do Piauí, é um homem forte, alto, de pele queimada pelo sol e mãos calejadas da labuta no cabo da enxada; caboclo de palavra, trabalhador, de personalidade forte, desses que só anda com a peixeira na cintura e é capaz de lavar a alma com sangue caso seja ofendido, pois não leva desaforo para casa. Mesmo que não esteja aboiando, carrega sempre o chapéu de couro no quengo, mas quando vai campear o gado usa o gibão e as calças de couro como se fosse uma farda para proteção contra espinhos e galhos.

Joaquim da Silva casou-se muito cedo com Maria dos Anjos, de papel passado no cartório e na igreja, e desse matrimônio nasceram sete filhos, seis homens e a penúltima é uma menina. Os dois filhos homens, os mais velhos, também se casaram com mulheres das redondezas, o outro, amancebou-se com uma moça de vida livre; os três casais moram mais distantes. Os outros quatro filhos, mais moços, residem sob o mesmo teto dos pais.


quinta-feira, 16 de abril de 2020

A importância de cada um


Somos todos importantes e necessários uns aos outros. Sem sombra de dúvidas que a raiz de tudo é a família. É nessa instituição que reside a união, os laços sanguíneos, a fraternidade e acima de tudo o amor. E dependendo da convivência, a formação do caráter.

Não importa se a pessoa é um jogador de futebol, cantor, ator, atriz, político, artista, filósofo, escritor, policial, médico ou mendigo. Somos todos importantes, com o direito de ir e vir.

Não importa se é amarelo, preto, branco, mestiço ou índio. Não importa a posição social, o clero ou de que lado está na política. Cada um tem a sua importância no mundo, desde que respeite o próximo.

A importância de cada um cresce quando aprendermos o valor da gratidão, da solidariedade, da honestidade e da humildade. Quando o homem aprender a respeitar o homem como ser humano. Quando aprender a viver coletivamente também com os animais. Essa é a importância de cada um.

Carlos Holanda

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Tragédias pelo mundo e no Brasil




A humanidade já presenciou tragédias de praticamente todos os tipos. Muitas vezes foi vítima.

Em quase todos os continentes já houve os mais diferentes tipos de açoites da natureza, seja em forma de tsunami, furacão, terremoto, maremoto, erupção vulcânica e explosões em usinas nucleares, essa última por falha humana.

Já houve também em nosso planeta, em nossa terra, muitas pragas, epidemias e agora, por último, estamos diante de um fenômeno que ameaça devastar grande parte da população mundial e, que, mesmo com grandes profissionais renomados empenhados em busca de uma vacina, de uma cura, não se tem a certeza de quando virá essa resposta. É uma pandemia que atinge todas as idades, todas as classes sociais.

Há cerca de cinco anos, Bill Gates afirmou que o que provavelmente acabaria com a raça humana não seria armas atômicas ou nucleares, e sim um vírus ou bactéria. Até parece com as profecias de Nostradamus, que em alguns casos se cumpriram ao longo dos tempos. E por incrível que pareça, ele – o Bill Gates – esteve um mês antes da doença se espalhar, na China.

Todos nós sabemos que o Brasil é um país continental, que de certa forma, é quase impossível controlar todas as fronteiras. Mas, quero chamar a atenção para o simples fato de que nesse momento de isolamento social não vertical e sim horizontal, um homem que ganhava a credibilidade do povo, é simplesmente ameaçado de demissão, o que pode ocorrer mais tarde, uma vez que perde o apoio dos militares e vai contra as vontades do comandante em chefe da nação, que está mais preocupado com a reeleição, mesmo que seja por caminhos incertos, sacrificando o povo. Creio que essa será a maior tragédia no país, já que dos fenômenos citados acima nenhum atinge o Brasil.

Carlos Holanda

domingo, 12 de abril de 2020

NADA SERÁ COMO ANTES



A natureza está se recompondo. A poluição diminuiu de tal forma que afetou até o movimento da terra. Afetou também os movimentos das placas tectônicas. As geleiras da Antártida já não estão desmoronando com tanta velocidade como estavam antes. Há intensidade de movimentos sísmicos sim, mas também são por causas naturais do que vem acontecendo com a ausência do homem no meio ambiente.

Está sendo jogado menos CO2 no espaço. A atmosfera também está melhorando em todos os aspectos, inclusive para nos proteger dos raios ultravioletas.

Esse é um ciclo que se encerra. E dará lugar a uma nova forma de sobreviver na terra. Provavelmente depois de o planeta ser tão maltratado, ele mesmo decidiu por um ponto final para antecipar esse novo modo de vida.

A religião sofrerá grandes transformações e será cultuada não em templos ou igrejas. Mas, mais por teleconferências e também sofrerá perdas financeiras.

Com o tempo, e muito em breve, os cinemas deixarão de existir e o mundo será conectado por streaming para assistir filmes, novelas, documentários e séries. Isso já vem acontecendo.

Os serviços de delivery serão intensificados em todo o mundo e restaurantes físicos simples ou de luxo, com o tempo serão locais fantasmas.

A maioria da população trabalhará de casa, pela internet. Isso é o futuro. A era dos robôs que está chegando com toda força.

O turismo será uma das áreas mais atingidas. Grandes parques temáticos, a rede hoteleira e o serviço aéreo terão queda crucial na economia. Há uma infinidade de temas que poderíamos citar e fazer comparações. Mas o mais importante nesse momento é o valor humano, o sentimento de coletividade que se fortalece, o amor ao próximo que irá prevalecer.

Essa pandemia veio para mostrar muita coisa. O quanto nós somos desumanos e egoístas, ambiciosos e gananciosos, querendo ganhar a qualquer custo com o suor dos mais fracos. Esse capitalismo selvagem não irá deixar de existir, porque é da natureza humana ser conquistador. Mas nada será como antes.

Carlos Holanda

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Há coisas que o tempo não apaga


Há coisas que o tempo não consegue apagar. E são muitas. O teu sorriso meigo de sinceridade é um deles. A tua opinião honesta sobre todas as coisas. As decisões que tomava sobre determinadas situações.

O tempo não consegue apagar a lembrança que tenho de ti, minha irmã. E mais não escrevo porque estou em lágrimas. Deus sabe que a gente, a família te ama e jamais te esqueceremos. 

Acredito que os animais, os gatinhos e os cães de rua que você tanto alimentou e os daqui também, falarão contigo carinhosamente no céu quando os encontrares. 

Estamos cuidando bem de seus bichinhos aqui. Em breve nos encontraremos nesse plano, se Deus quiser.

domingo, 5 de abril de 2020

A conquista do Reino 17




Reino de Astride. Céu estrelado. Castelo do rei Manoel II. A princesa Diana, com um vestido de seda verde musgo de tonalidade mais escura e ramalhetes bordados a ouro na gola e na bainha, caminha entre corredores com um brilho no olhar. Carrega embaixo dos braços rolos de esboços da obra que ela tanto sonha: o teatro, feitos por seus engenheiros e arquitetos. As tochas de fogo maiores iluminam o ambiente. Guardas reais posicionam-se próximos ao rei, como estátuas, imóveis, porém, atentos.

–– Majestade! Majestade! Aqui estão os primeiros esboços e croquis da nossa obra! – Diana fala com um sorriso largo de alegria, enquanto apanha no chão um dos rolos que escorrega e cai.
–– Que maravilha, filha! Deixe-me ver! – responde o rei que se levanta para receber a filha compartilhando da sua felicidade.
–– Olhe! Aqui ficará o salão teatral com colunas de mármore! Aqui, a entrada principal e saídas laterais! E aqui...
–– Deixe que eu tire minhas conclusões! – responde o rei, desenrolando todas as folhas do projeto e colocando umas sobre as outras na mesa maior.
–– Está certo, meu pai! Olhe com carinho. Tudo que está aí ficou de acordo com o que pedi. Mas o senhor pode mudar o que achar conveniente, afinal, será o senhor que dará a palavra final!
–– Vou olhar com calma ainda hoje, e amanhã, já terei a resposta! – diz o rei com olhar de aprovação colocando uma planta sobre a outra – Ah, Diana, falta uma coisa em seu projeto.
–– E o que é pai?
–– O mais importante! O nome!
–– O senhor tem alguma sugestão?
–– Primeiro quero lhe ouvir. Certamente que você pensou tudo isso, mas com certeza tem a quem homenagear.
–– Sim! Tenho!
–– Pois fale!
–– É justo homenagear minha mãe, sua esposa!
–– Concordo plenamente! Teatro Real de Astride! Excelente! Excelente! Além de ser uma obra para história!
–– Bem, já que o Senhor concorda, vou me retirar para meus aposentos! Hoje foi bem cansativo!
–– Sim, filha! Tenha uma boa noite de sono e descanso – o rei beija a filha na face, senta-se novamente e continua a observar com muita atenção os croquis à luz de velas. Ele estala os dedos e pede a um de seus súditos que lhe traga mais luz.

Diana sai, entra em seu quarto, dispensa as criadas, fecha a porta por dentro, despe-se de suas vestes, deixa-as no chão e entra numa enorme banheira de leite e rosas; passa algum tempo ali, pensativa, de olhos fechados, levanta-se, caminha nua e enrosca-se numa toalha aveludada e deita-se na cama, abraça um travesseiro branco, macio, feito com penas de gansos e coloca  outro embaixo da cabeça. Do lado de fora, dois guardas armados com lanças e espadas mantém-se em pé ao lado da porta.
(...)