quinta-feira, 30 de abril de 2020
Cangaceiros 10
–– Tá vendo Lucas? Quatro a menos! Onde é que vamos parar? Vai, vai tua viagem.
–– Sim Senhor, Coronel!
Lucas abre a porta do escritório, cumprimenta Júlia apenas com um gesto pegando na aba do chapéu e se apressa para cumprir a missão enquanto ela entra.
–– Pai, com sua licença!
–– Claro, filha!
–– Quero lhe pedir para ir à missa de Domingo!
–– Sim! Permissão concedida! Se você quiser, eu a levo!
–– Não precisa! O Senhor de certo estará muito ocupado. Basta autorizar o Jeep ou a rural e o Damião irá comigo.
–– Seu irmão quer ir para a missa também?
–– Não sei, mas falo com ele para a gente ir. Está bem para o Senhor?
–– Sim, claro! E sua mãe?
–– Não sei ainda. Então está bem, pai! Muito agradecida, viu? – Júlia aproxima-se do pai e o beija na face.
–– Diga para seu irmão vir aqui, querida!
–– Sim, Senhor.
A criada avisa que a mesa está servida, que sua esposa o espera e ele responde que em poucos instantes irá jantar, depois que falar com o filho.
Nesta noite, o prefeito faz visita à Dona Maroca - que não tem dinheiro sequer para comprar as velas - mãe da moça encontrada morta, e ao pai do rapaz, também na mesma situação, Manoel Espicha Couro e promete uma pensão com fundo criado recentemente. Não é bem um salário, mas é um bom adjuntório e enquanto prefeito ele for e como bom político, aproveita e pede votos para a eleição que se aproxima. Também não esquece de dar uns trocados para comprar as velas ao sair. Cumprimenta novamente os poucos que estão no velório, aperta a mão de cada um, abraça, dá tapinhas nas costas, se despede e sai.
Do outro lado da montanha, bem distante da cidade, onde há geografia de caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, predominam cactos de várias espécies e diversificada biodiversidade. Dificilmente será encontrada em algum outro lugar do planeta. Território inóspito no meio do nada abriga um bando de cangaceiros que ao contrário de muitos não saqueiam as cidades e assim como índios da região, estão em paz, vivendo a duras penas, da agricultura precária, da caça e da pesca mais distante ainda, principalmente quando São Pedro não abre as portas do céu para banhar a terra e encher os rios.
Gerônimo, homem alto, forte, de pele queimada pelo clima árido e muitas cicatrizes deixadas pelas lutas que já travou, pela hierarquia e a idade, é o chefe do bando que tem entre homens e mulheres, aproximadamente cento e cinquenta membros. Um cabra de palavra e sobretudo respeitado; quando diz que pau é pedra nem que não seja, é bom concordar.
Hoje, mais do que nunca, Gerônimo está sorrindo, feliz da vida, o que é uma raridade, acabou de nascer seu filho. É um bebê robusto, apesar de tudo; a companheira do chefe e mãe da criança passa bem, graças aos serviços delicados da parteira que vive ali.
É uma noite de festa sem muitas pompas, fogueiras são acesas e as garrafas de cachaça serrana guardadas para esse dia foram liberadas. O resultado da caçada foi positivo e as carnes de veados, cutias, preás e capivaras chiam na brasa. A farinha branca de mandioca, queijo assado e pimenta também faz parte do cardápio.
Gerônimo tem no Pároco da cidade, o Padre Lauro, um forte aliado e esse de forma generosa ajuda com parte da verba que recebe mensal da prefeitura, além de ser irmão da mulher negra que vive com o cangaceiro. E por ter laços familiares, a amizade torna-se mais sólida a cada dia. O Padre uma vez por mês tem encontro em lugares diferentes com o chefe do bando, para entregar o dinheiro, fruto da doação. Em outra ocasião, no passado, o Padre Lauro passou algum tempo com o bando, pregando a palavra de Deus e ensinou Gerônimo no tempo livre, a ler e escrever; deixou essa pequena herança de aprendizagem a cargo da irmã, para alfabetizar o bando, dando inclusive alguns livros.
(...)
Leia AQUI Cangaceiros 11
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