segunda-feira, 27 de abril de 2020
Cangaceiros 8
Depois de algumas horas, Dona Maroca chega ao local, na garupa do cavalo de um amigo. A mulher já vem se desmanchando em prantos. O marido também se encontrava em casa e agora chega montado em riba dum jumento cardão com jeito de burro; no lombo a cangalha de madeira e palha de carnaúba forrada com uma esteira confeccionada artesanalmente com o mesmo material do coqueiro.
–– Minha filha! Oh meu Deus! O que fizeram com você? O que esses malditos fizeram com você? Me ajudem! Me ajudem a tirar minha filha desse sofrimento, pelo amor de Deus! – chora e grita dona Maroca abraçada com o corpo da filha.
–– Se acalme Dona Maroca! Deus é maior! – Diz uma Senhora tentando consola-la.
–– Mulher, como eu posso ter calma num momento desses? Oh, meu Deus! Meu Cristo! Ela não merecia uma morte dessas! O que eu vou fazer sem você? Deve ter sido apanhada, surrada. É muito sofrimento para uma pessoa só.
–– Dona Maroca, trouxe uma rede tapuerana para a Senhora levar o corpo de sua filha para casa. Os homens vão ajuda-la – decide Arilson sensibilizado.
–– Tá bom, meu filho. Depois eu pago, quando puder.
–– A Senhora não precisa me pagar essa rede. Esse é o meu adjuntório.
–– Oh, meu Jesus! Deus te pague em dobro, filho!
–– Ei, não tira os corpos agora, não! Deixa a polícia chegar – fala Benedito.
E nesse momento o Manoel Espicha Couro, pai do rapaz que também está na carroça chega ao local com lágrimas nos olhos e uma tristeza profunda. Em silêncio desce da montaria e dirige-se ao encontro do filho. Abraça-o como se fosse o último dia de sua vida, demonstra seu amor e calado, olha nos olhos dos dois homens amarrados. Parece querer fulmina-los com o olhar carrancudo que penetra a alma, mas se contém como homem que é e permanece calado ao lado corpo.
–– Seu Manoel, vou trazer uma rede para o Senhor também levar seu filho para casa – o homem apenas balança a cabeça confirmando, sem dar uma palavra.
Diante da tristeza, da dor da perda, da morte, as pessoas têm reações diferentes. Algumas choram muito, gritam, silenciam e até sorriem, porém, o sentimento é o mesmo: amor. É como se perdesse um pedaço de si, quando alguém parte para outro plano.
O Jeep e uma rural abrem caminho em meio a multidão ao entardecer. O delegado, o cabo e um soldado descem das viaturas oficiais para apurar o caso.
–– Boa tarde, Senhores e Senhoras! O que realmente aconteceu aqui? – Pergunta o Delegado.
–– Aqueles dois homens amarrados ali são os responsáveis pelo carro de boi – afirma Arilson.
–– Cabo, prenda-os e algeme-os, coloque-os no Jeep e leve-os para delegacia, para interrogatório. Vai e volta para me pegar que vou ter uma conversa de pé de orelha por aqui.
–– Sim, Senhor!
–– E quanto aos corpos? - Indaga Arilson.
–– Vou disponibilizar a rural para leva-los para suas casas. Como não temos necrotério, cada família se responsabilizará para fazer o funeral.
–– E agora o que você vai fazer? – pergunta outra pessoa.
–– Que pergunta mais idiota! Acabei de explicar. Aqui não tem mais o que fazer. Vou prender os homens, interroga-los e mandar os corpos para casa.
–– E quanto ao carro de bois? – indaga Arilson.
–– Bem. Não há como consertar agora. Tirem-no dali e coloquem no pé da cerca que depois mando buscar.
–– Quando?
–– Amanhã. Estamos entendidos?
–– Éguati! Esse foi o processo mais ligeiro que já vi. Ô delegadin véi ligeiro da porra, siô! – diz um dos caboclos para o outro, em voz baixa com a mão na boca para disfarçar.
–– Óia, tu deixa de muganga, porque se o homem ouvir isso quem vai preso é tu.
–– Delegado, o Arilson deu duas redes para levar os corpos – acentua Benedito.
–– Pois ajudem a colocar nas redes e na rural que vamos tudo duma vez quando o cabo vier. E na delegacia esses cabras vão falar tudo, tim, tim por tim, tim, nem que seja na base da pêa.
Enquanto o Delegado Jaime interroga os transeuntes e caboclos sobre o acontecido, Lucas estaciona o Jeep na propriedade de Coronel Messias, desce do carro apressado e corre para avisar o chefe sobre o incidente lá nas bandas de “Jatobá”, povoado desenvolvido mais próximo da cidade de Olho d’água.
–– Coronel! Coronel! Preciso falar com o Senhor urgente!
O Coronel que estava numa mesa farta a tomar café com bolo, queijo e outras iguarias no final da tarde, levanta-se e o convida para irem ao escritório.
–– Vamos ali para a sala de escritório. Tu tá amarelo que só flor de algodão. Fala homem.
–– Coronel, o tiro saiu pela culatra. A moça e o rapaz que o senhor mandou enterrar lá no sítio do Zé Pezão foram descobertos.
–– Como? Quem descobriu?
–– Não foi ninguém não. Segundo os relatos do povo que foi dar queixa lá na delegacia, quando eu estava lá, exatamente na hora do pagamento, disseram que a roda do carro de boi quebrou, caiu e os defuntos apareceram.
(...)
Leia AQUI Cangaceiros 9
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