domingo, 26 de abril de 2020

Cangaceiros 6


–– Vai logo, abilolado! – Chico Preto sai resmungando com a cara fechada e em alta velocidade. Quanto mais ele acelera a moto mais a poeira cobre.

A porca ruiva atravessa o areal com a reca de bacorinhos correndo atrás, assustados com tanta confusão e os latidos dos cachorros. O gato preto parecendo uma pantera que estava em cima do peitoril, viu todo o reboliço e pulou rapidamente para dentro da bodega, e mesmo assim, apoiou-se nas patas traseiras, lá no canto e ficou observando, como se entendesse alguma coisa do que se passava – Sai para lá, praga! – de vez em quando gritava um, tangendo a cachorrada com um pedaço de pau na mão, mas eram muitos os cães, e eles estavam estranhando os defuntos e não os bois ou a carroça. O certo é que estava instalado o caos no local.

–– Virgem Nossa Senhora! Esse rapaz que o Benedito descobriu agora é o Edvaldo, filho do “Manoel Espicha Couro”. Ele mora perto do rio – diz um dos homens mais velho no recinto, do lado de fora e bem próximo da carroça.
–– Pois então, você que conhece esse “Manoel”, vá lá avisar hóme de Deus – ordena Benedito apoiado na lateral da carroça.
–– E eu vou mesmo. Tá com bem três meses que o rapaz saiu de casa para a cidade procurando emprego. Era uma pessoa de bem.
–– Pois vai logo – fala outro apreensivo.
–– Eu desconjuro, diabo! Isso é pavoroso! Quem poderia fazer uma desgraça dessas? – reage um caboclo com a faca na mão – eu vou é sangrar esses infelizes aqui – e se dirige aos homens amarrados na coluna do bar.
–– Não, não. Pelo amor de Deus, não deixem que ele faça isso. A gente não sabe como eles vieram parar aí na carroça.
–– Para com isso. Deixem a polícia chegar – ordena Benedito.
–– Polícia e bosta aqui é a mesma coisa. Vamos matar essas desgraças! – afirma outro caboclo que arrasta um facão da cintura, e nesse momento, Arilson engatilha a espingarda e atira para cima. O estampido do tiro faz recuar os mais afoitos.
–– Ninguém vai matar ninguém aqui hoje. Vamos deixar as autoridades tomarem de conta disso. Entenderam? O primeiro que tocar nesses homens, vai se ver comigo, ora porra! – fala grosso o dono da bodega.

Um caboclo mais frio, arrasta duas ou três canas da carroça, desfolha-as, põe em cima do peitoril, e pega uma a uma e vai descascando, corta em cruz alguns gomos pequenos e mastiga – eita porra! Essa é das boas! Doce que só o mel!
Outro mais aproveitador, pega alguns fechos e leva-os para seus animais devorarem enquanto estão amarrados no pé da cerca e assim, seguindo o exemplo, outros fazem o mesmo, pegam os fechos para alimentar suas montarias, afinal, alguns jogadores viciados em baralho, sinuca e dama vem de longe, montados em cavalos, burros e jumentos todos arreados com boas selas, outros mais pobres, usam cangalhas nas montarias. A concepção é de que a carga está perdida mesmo e o que importa naquele momento são os corpos, então, deixa os bichos comerem as canas.

Os bois estão babando de calor com o sol a pino, mas ninguém vê isso. Bem, quase ninguém. Benedito sugere tirar a canga da parelha de bois e decide dar uma parte das canas e água para os animais à sombra do grande pé de jatobá e enquanto isso acontece, pessoas da região aglomeram-se. O boato boca a boca se espalha rapidamente. Não há melhor publicidade do que fofoca no interior. Até parece que todos moram perto um do outro. Não se sabe por que as coisas ruins ganham mais repercussão do que as coisas boas.

Gaguinho chega à delegacia, amarra o cavalo num pé de oiti e adentra apressado.
–– O-olá! C-ca-cadê o De-dele-delegado? – pergunta ele a um recruta no balcão.
(...)

Leia AQUI Cangaceiros 7

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