domingo, 24 de junho de 2018

Herança Maldita - Parte IV




Herança Maldita - Parte IV
Por Carlos Holanda

– Já que você está grávida de quatro meses, amanhã mesmo falarei com os pais dele e marcaremos o casamento para daqui a um mês.
– Tenha calma.
– Ora tenha calma. Você quer deixar a barriga crescer mais ou quer casar com um bebê de colo? Fica linda na igreja com um bebê nos braços. E do jeito que o povo daqui gosta de fofoca, não irão falar bem de jeito nenhum.
– Eu não...
– Não o que? Não estava preparada? Pois fique sabendo que tenho dinheiro para bancar essa cerimônia no civil e no religioso.
– Então se é assim, casaremos.
– E vou lhe dizer mais uma coisa, ele vai ter que vir morar aqui. Quero ver esse boy pegar no cabo duma enxada, tirar leite da vaca, alimentar os porcos, as galinhas e cuidar de você e do bebê. 
– É assim que vai ser?
– É. Você pode não ter pai nem mãe, mas eu estou aqui para lhe proteger e esse filho da puta vai ter que assumir que é homem. E já chega de papo por hoje. Vou dar as instruções para os homens começarem a trabalhar. Bote água no feijão para mais duas bocas. Vou pegar as coisas que trouxe do mercado.
– Está bem.

       O dia termina, e a boquinha da noite, Gerônimo chama a irmã e pede desculpas pelas ofensas e grosserias. Foi um momento de surpresas, mas o susto passou. Promete que dali para frente a tratará como antes, com amor, afeição e carinho. Júlia não guarda rancor e logo estão na paz planejando o futuro.

       De manhã cedo, Gerônimo ordena que os homens contratados retirem todas as placas da entrada que amedrontam o povo e as substitua por outras com o nome da propriedade e outras para dar as boas vindas. Também manda roçar o mato para retirar o ar fúnebre e deixar um acostamento. E enquanto eles trabalham nessa empreitada, o moço vai à cidade acertar com os pais de Xavier a data do casamento.

       Na Delegacia o perito recebe a ordem do promotor providenciada pelo delegado para desenterrar os corpos das vítimas no cemitério e dá continuidade junto com legistas e policiais.

       A imprensa pede autorização para acompanhar o desenrolar dos fatos e é concedida pelo delegado.

       O perito examina cada esqueleto minuciosamente e encontra a metade de um cordão fino de prata e uma medalha encravada entre os dedos de uma das ossadas. Esse era um corpo masculino e talvez tenha tido um contato bem próximo com o agressor. É o que ele supõe. Foram examinados três cadáveres e ele decide deixar para o outro dia seu trabalho. Volta para delegacia e sugere ao delegado que muito provavelmente cada jovem tinha um aparelho de celular. Foram encontrados quatro. Indaga onde estão os outros dois uma vez que nos que foram encontrados não havia nada relacionado aos crimes. Então, ele decide fazer uma visita à casa de Júlia para investigar como a medalha e parte do colar foi parar no cemitério. Sugere ao delegado que outros policiais voltem ao local do crime para tentar encontrar os outros celulares e usa o termo escarafunchar o local. Pede também para ver todos os pertences das vítimas; bolsas, mochilas, barracas, calçados e roupas que foram apreendidas no dia do evento na floresta e tudo mais que possa servir como possíveis provas ou pistas de alguma coisa que incrimine o suspeito.

       Ainda nessa manhã, Gerônimo tranca-se no quarto, liga o notebook sobre a cama, põe o cabo USB conectado com o celular que encontrou na cena do crime e transfere todos os arquivos para observar na tela maior. Vê fotos que não tem nada a ver com o que aconteceu e encontra a pasta de vídeos. Essa é a parte que lhe interessa. Assiste pacientemente um por um dos existentes no celular, e até que enfim, no último, o mais recente, é sobre o ocorrido no bosque. Nas cenas tremidas, instantes antes de o agressor atacar ele vê a filmagem como se o jovem estivesse registrando o local para postar depois nas redes sociais, cenas essas que mostram o acampamento com três barracas já montadas, uma vez que eram três casais; e prossegue vendo as árvores e tudo mais ao redor, mas a cena mais chocante está por vir, que é exatamente o close de cipós que se locomovem como se fossem acionados por controle remoto. É incrível – pensa ele. E continua a assistir. Os cipós parecem cobras vivas na areia quente, mas o jovem não se dá conta de que essas raízes esverdeadas estão indo em sua direção e laçam seus pés, enroscam-se em seu corpo, asfixiando-o e finalmente o arrastam para longe de seus amigos. O aparelho ainda está em sua mão direita e ele consegue mesmo sem poder falar ou gritar para avisar os amigos, filmar um vulto feminino, encapuzado, macabro. 

       Era como se os cipós nascessem das mãos desse vulto que o enforcara. Nesse momento o celular cai e fica fora de área.

       Gerônimo gela a espinha, fica em estado de choque e com medo dessa descoberta. Como pode ser uma aberração desse tipo matar tanta gente em um lugar deserto e nunca ter-se ouvido falar nada a respeito? 
– indaga-se o rapaz, que continua curioso e apreensivo com esse mistério logo em sua propriedade. Bom, pelo menos ele constata que o monstro é uma fêmea. E em pouco tempo ele deduz que os jovens não tiveram chances. Foram pegos de surpresa um por um.
Júlia avisa que o almoço está na mesa e diz para chamar os homens.
– Gerônimo, faz mais de duas horas que você está trancafiado nesse quarto. Vem almoçar e chama seus funcionários.
– Já estou indo. Faça-me o favor, chame-os.
– Certo.

       À tarde, Diego, o perito, acompanhado do delegado e mais dois investigadores da polícia fazem uma visita a Júlia, que no momento está sozinha na casa. Os homens contratados estão no campo, colocando estacas que servirão para as cercas e Gerônimo havia saído; foi comprar arame farpado no comércio da cidade. Júlia ouve o barulho dos carros e vai para porta.
– Boa tarde minha jovem. Presumo que você seja a Júlia – diz o perito.
– Sim, sou eu. E o Senhor quem é?

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