quarta-feira, 27 de junho de 2018

Herança Maldita - Parte V

Herança Maldita - Parte IV
Por Carlos Holanda



– Meu nome é Diego Veras. Sou o perito do estado e fui chamado aqui para esclarecer os fatos.
– Oi, Júlia. Como você está? – indaga Mauro.
– Estou bem. Tranquila.
– O Gerônimo não está em casa? Não vi a camionete dele.
– Não. Ele foi comprar umas coisas na cidade. Vamos entrar Senhores.
– Júlia, você está no olho dessa investigação. Tudo aponta para você – diz o perito.
– Tudo o que especificamente Senhor Diego?
– Bem, vou direto ao ponto. O Mauro me contou em detalhes tudo que aconteceu aqui. Todos os crimes. E nós, com autorização da promotoria, desenterramos os corpos no cemitério e encontrei um artefato de prata. Gostaria de saber se você reconhece essa medalhinha? - E a entrega nas mãos da moça.
– Senhor, essa medalha estava sumida já faz um bom tempo. Acho que havia perdido por aí.
– Entendo. Posso dar uma olhada nas suas coisas por aqui?
– Claro que pode. Não tenho nada a esconder e uma medalha como essa não serve como prova de nada.
– Essa foto aqui, do porta-retratos, é você com seus pais?
– Sim. Não é uma foto recente. Mas somos nós, antes de eles serem assassinados.
– Vou precisar dela para ampliar e ver esse colarzinho que usa no pescoço.  Parece-me que confere com o que encontramos no cemitério. Ou seja, essa aí.
– Pode levar, desde que a traga de volta.
– Quero dar uma olhada em outros cômodos da casa.
– Diga-me uma coisa, Senhor Diego, o Senhor tem um mandado?
– Não. Eu não trouxe um, mas poderia desde já prendê-la como suspeita.
– Baseado em que? Numa medalha que o Senhor encontrou no cemitério? O Senhor já verificou se tem impressão digital minha nela? Ou ela serve como arma do crime para me culpar?
– Júlia, eu sinto muito pelo que está acontecendo aqui, mas o Diego só está fazendo o trabalho dele – diz o delegado.
– Ah, então o trabalho dele é incriminar pessoas inocentes, Mauro? Digo delegado.
– Minha jovem, sou um profissional com mais de trinta anos de carreira e não aceito essas ofensas. Quem está sendo investigada aqui é você.
– Ah, então irei servir como bode expiatório para livrar a pele da polícia? É, porque se eu for presa sem provas suficientes que me condene, livrarei vocês perante a sociedade e tudo volta ao normal enquanto o verdadeiro assassino continuará solto.
– Não é bem assim que funciona o sistema.
– Pois expliquem como funciona essa droga de sistema.
– Nós já terminamos por hoje. Faltam os outros corpos para serem vistos. Assim que terminar voltarei aqui – diz o perito.
– Tudo bem. Estarei às ordens. Não esqueça de trazer um mandado. Ah, da próxima vez como você diz, falará com meu advogado. Cansei de dizer que sou inocente nessa história.
– Não saia desse município tão cedo enquanto não terminarmos essa investigação. Ainda vamos ver os corpos de seus pais.
– Senhores eu moro aqui e não tenho nada a temer. Acho um desrespeito com os mortos, ter que desenterra-los, mas, faz parte do seu trabalho e tenho que concordar com isso.
– Passar bem senhorita Júlia - diz o perito.
– Até mais Júlia. Gostaria que seu irmão estivesse aqui, mas...
– Não se preocupe Mauro. Sou bem crescida e dona das minhas ventas. Até mais ver.

       Quando Gerônimo volta, já anoitecendo, Júlia conta-lhe tudo, tim, tim por tim tim. Ele concorda que é hora de contratar um advogado e afirma que de manhã fará isso.

       No dia seguinte, manhã de sol, um carro de luxo para na porta e um casal de estrangeiros sai e bate na porta dos irmãos. O casal soube das histórias que aconteceram ali através da imprensa enquanto estavam no hotel. Ele é escritor.  Ela arquiteta e está grávida de sete meses. Ele além de escrever, é um investidor e quer construir uma pousada naquela região, por se tratar de um entroncamento com estradas que ligam outros estados.

       Ele escreve exatamente sobre terror e quer transformar seu livro em um roteiro de filme e numa revista em quadrinhos e acha tudo isso fantástico, uma história baseada em fatos. Quer propor comprar a propriedade.
– Bom dia!
– Bom dia – Gerônimo é quem recebe.
– Meu nome é Manoel e o dela, da minha esposa é Dalva. Sou português e ela é brasileira.
– É um prazer! Em que posso ajuda-los? Estão perdidos?
– Não. Não Senhor...
– Gerônimo é meu nome. Senhor Manoel, por favor, vamos entrar.
– Obrigado – gesticula para que a esposa entre primeiro.
– Aquela é Julia, minha irmã – aponta para a moça que está sentada no sofá.
– Olá, tudo bem?
– Tudo - Júlia levanta-se e vem ao encontro do casal – Que barriga linda! Está de quantos meses?
– Sete. Sete meses.
– Ah, é? Eu também estou grávida de quatro meses.
– Que maravilha! – diz Dalva admirada pela coincidência.
– Bem, Senhor Manoel, o que os trás a essas bandas?
– Vou lhe dizer. Eu sou escritor, mas também faço investimentos imobiliários.
– Entendo.
– Eu vi reportagens na TV sobre os acontecimentos aqui.
– Olha Senhor Manoel, desculpe-me a franqueza, mas não queremos falar sobre isso. Estamos exausto desse assunto. Meus pais também foram assassinados.
– Como eu disse, antes de ser escritor eu já fazia negócios no ramo imobiliário.
– Não estou entendendo aonde o Senhor quer chegar.
– Ele quer dizer que está interessado em sua propriedade – completa a mulher.
– Isso. Estou impressionado com esse lugar. É ideal para o que me proponho nesse momento. Gostaria de saber se vocês tem interesse em vender.
– Não havíamos pensado nisso. Até estamos fazendo algumas reformas, cercando o que está em aberto. E não. Não está a venda.
– Pense bem. Sem ofensas, mas não há nada que o dinheiro não compre. Posso lhe fazer uma bela proposta. Diga-me quanto vale. Farei uma oferta irrecusável.
– Sinceramente? Vocês nos pegaram de surpresa. Eu jamais iria imaginar que alguém se interessasse por este lugar. Até porque meus pais foram enterrados aqui e no momento o local está mal falado.
– Não para mim. Eu acho ótimo como está sendo falado. Desculpe-me o mau jeito. Quero dizer que seria prazeroso escrever sobre fatos. De qualquer forma aceite nossas condolência, nossos pêsames.

domingo, 24 de junho de 2018

Herança Maldita - Parte IV




Herança Maldita - Parte IV
Por Carlos Holanda

– Já que você está grávida de quatro meses, amanhã mesmo falarei com os pais dele e marcaremos o casamento para daqui a um mês.
– Tenha calma.
– Ora tenha calma. Você quer deixar a barriga crescer mais ou quer casar com um bebê de colo? Fica linda na igreja com um bebê nos braços. E do jeito que o povo daqui gosta de fofoca, não irão falar bem de jeito nenhum.
– Eu não...
– Não o que? Não estava preparada? Pois fique sabendo que tenho dinheiro para bancar essa cerimônia no civil e no religioso.
– Então se é assim, casaremos.
– E vou lhe dizer mais uma coisa, ele vai ter que vir morar aqui. Quero ver esse boy pegar no cabo duma enxada, tirar leite da vaca, alimentar os porcos, as galinhas e cuidar de você e do bebê. 
– É assim que vai ser?
– É. Você pode não ter pai nem mãe, mas eu estou aqui para lhe proteger e esse filho da puta vai ter que assumir que é homem. E já chega de papo por hoje. Vou dar as instruções para os homens começarem a trabalhar. Bote água no feijão para mais duas bocas. Vou pegar as coisas que trouxe do mercado.
– Está bem.

       O dia termina, e a boquinha da noite, Gerônimo chama a irmã e pede desculpas pelas ofensas e grosserias. Foi um momento de surpresas, mas o susto passou. Promete que dali para frente a tratará como antes, com amor, afeição e carinho. Júlia não guarda rancor e logo estão na paz planejando o futuro.

       De manhã cedo, Gerônimo ordena que os homens contratados retirem todas as placas da entrada que amedrontam o povo e as substitua por outras com o nome da propriedade e outras para dar as boas vindas. Também manda roçar o mato para retirar o ar fúnebre e deixar um acostamento. E enquanto eles trabalham nessa empreitada, o moço vai à cidade acertar com os pais de Xavier a data do casamento.

       Na Delegacia o perito recebe a ordem do promotor providenciada pelo delegado para desenterrar os corpos das vítimas no cemitério e dá continuidade junto com legistas e policiais.

       A imprensa pede autorização para acompanhar o desenrolar dos fatos e é concedida pelo delegado.

       O perito examina cada esqueleto minuciosamente e encontra a metade de um cordão fino de prata e uma medalha encravada entre os dedos de uma das ossadas. Esse era um corpo masculino e talvez tenha tido um contato bem próximo com o agressor. É o que ele supõe. Foram examinados três cadáveres e ele decide deixar para o outro dia seu trabalho. Volta para delegacia e sugere ao delegado que muito provavelmente cada jovem tinha um aparelho de celular. Foram encontrados quatro. Indaga onde estão os outros dois uma vez que nos que foram encontrados não havia nada relacionado aos crimes. Então, ele decide fazer uma visita à casa de Júlia para investigar como a medalha e parte do colar foi parar no cemitério. Sugere ao delegado que outros policiais voltem ao local do crime para tentar encontrar os outros celulares e usa o termo escarafunchar o local. Pede também para ver todos os pertences das vítimas; bolsas, mochilas, barracas, calçados e roupas que foram apreendidas no dia do evento na floresta e tudo mais que possa servir como possíveis provas ou pistas de alguma coisa que incrimine o suspeito.

       Ainda nessa manhã, Gerônimo tranca-se no quarto, liga o notebook sobre a cama, põe o cabo USB conectado com o celular que encontrou na cena do crime e transfere todos os arquivos para observar na tela maior. Vê fotos que não tem nada a ver com o que aconteceu e encontra a pasta de vídeos. Essa é a parte que lhe interessa. Assiste pacientemente um por um dos existentes no celular, e até que enfim, no último, o mais recente, é sobre o ocorrido no bosque. Nas cenas tremidas, instantes antes de o agressor atacar ele vê a filmagem como se o jovem estivesse registrando o local para postar depois nas redes sociais, cenas essas que mostram o acampamento com três barracas já montadas, uma vez que eram três casais; e prossegue vendo as árvores e tudo mais ao redor, mas a cena mais chocante está por vir, que é exatamente o close de cipós que se locomovem como se fossem acionados por controle remoto. É incrível – pensa ele. E continua a assistir. Os cipós parecem cobras vivas na areia quente, mas o jovem não se dá conta de que essas raízes esverdeadas estão indo em sua direção e laçam seus pés, enroscam-se em seu corpo, asfixiando-o e finalmente o arrastam para longe de seus amigos. O aparelho ainda está em sua mão direita e ele consegue mesmo sem poder falar ou gritar para avisar os amigos, filmar um vulto feminino, encapuzado, macabro. 

       Era como se os cipós nascessem das mãos desse vulto que o enforcara. Nesse momento o celular cai e fica fora de área.

       Gerônimo gela a espinha, fica em estado de choque e com medo dessa descoberta. Como pode ser uma aberração desse tipo matar tanta gente em um lugar deserto e nunca ter-se ouvido falar nada a respeito? 
– indaga-se o rapaz, que continua curioso e apreensivo com esse mistério logo em sua propriedade. Bom, pelo menos ele constata que o monstro é uma fêmea. E em pouco tempo ele deduz que os jovens não tiveram chances. Foram pegos de surpresa um por um.
Júlia avisa que o almoço está na mesa e diz para chamar os homens.
– Gerônimo, faz mais de duas horas que você está trancafiado nesse quarto. Vem almoçar e chama seus funcionários.
– Já estou indo. Faça-me o favor, chame-os.
– Certo.

       À tarde, Diego, o perito, acompanhado do delegado e mais dois investigadores da polícia fazem uma visita a Júlia, que no momento está sozinha na casa. Os homens contratados estão no campo, colocando estacas que servirão para as cercas e Gerônimo havia saído; foi comprar arame farpado no comércio da cidade. Júlia ouve o barulho dos carros e vai para porta.
– Boa tarde minha jovem. Presumo que você seja a Júlia – diz o perito.
– Sim, sou eu. E o Senhor quem é?

Herança Maldita - Parte III


Herança Maldita - Parte III
Por Carlos Holanda


– Bom dia. Entrei na ponta dos pés para não lhe acordar. Não matei nada. Atirei no que vi e matei o que não vi.
– Não entendi. Como assim?
– É só a maneira de falar. Vou ter que ir à cidade. Prometi uma visita ao meu amigo delegado.
– Gerônimo, a gente precisa duma pessoa aqui para ajudar nos afazeres.
– É. Eu sei vou ver se arrumo uma pessoa também para ajudar no campo. Você quer alguma coisa do mercado?
– Carnes. Ah, passa na padaria e trás uns pães, manteiga, presunto e queijo. Você gosta de sanduiche.
– Está bem. Até mais tarde. Não me espere para o almoço. Vou comer por lá mesmo.
– Certo.
Celular
O primeiro lugar que Gerônimo vai quando chega na cidade é a uma loja de celulares para comprar uma bateria compatível com o aparelho encontrado na floresta e um cabo USB, depois passa no banco e vai à delegacia visitar o amigo de longos anos.
 – Bom dia, Mauro. Como vai as investigações?
– Estamos de vento em poupa. O perito do estado já chegou e está no hotel. A tarde ele virá aqui para nos reunirmos fazer as primeiras diligências.
– Muito bem. Espero que dê tudo certo.
– Claro que irá dar certo. Não tem ninguém mais interessado do que eu em resolver essas questões.
– Tem sim meu amigo, eu.
– Sim, eu sei. Mas a pressão recai sobre meus ombros todos os dias. As famílias querem que eu dê conta dos assassinos a qualquer custo.
Enquanto eles conversam o telefone toca.
– Só um momento, Gerônimo. Alô. Olá Senhor Diego. O que você manda? Certo entendi. Vou providenciar agora.
– Quem é Diego?
– É o perito. Ele não perde tempo. Quer uma ordem judicial do promotor ou do juiz autorizando desenterrar os corpos para ele analisar.
– Mas vocês já não haviam feito isso?
– Já. Mas ele quer começar do início. Disse que vai ao local do crime amanhã também.
– É justo. Bem, vou lhe deixar trabalhar. Depois a gente se fala.
– Eu ia até te convidar para almoçar, mas, estou até o pescoço de trabalho.
– Deixa para o final de semana. Aparece lá em casa no domingo.
– Fechado. Posso levar minha mulher?
– Claro. Então até domingo.
– Até mais, amigo.
Gerônimo passa no mercado e na padaria como combinou com sua irmã, e logo arranja dois homens para trabalhar em sua propriedade. Tudo acertado. Partem para o interior.
Gerônimo ao chegar, percebe uma moto estacionada na porta. Vira para os homens e ordena que vão para a cabana que fica a  vinte metros dali e que mais tarde lhes dirá por onde devem começar o trabalho.
– Olá.
– Olá Senhor Gerônimo.
– E quem é você?
– Gerônimo, esse é o Xavier, meu namorado. Ontem liguei para ele vir aqui.
– Ah, então você tem um namorado e não me  falou nada.
– Bem, sabe aquela coisa que eu tinha para te contar? Achei melhor que o Xavier estivesse presente.
– E o que é tão importante agora que você disse ontem que não era.
– Posso falar Senhor?
– Acho melhor não. Prefiro que a Júlia diga o que está acontecendo aqui.
– Pois eu vou direto ao ponto. Eu estou grávida de quatro meses.
– Como é que é?
– Mas eu assumo a criança - diz Xavier, meio trêmulo.
– Ah, então você assume a criança. É isso? Você tem emprego rapaz? Tem estudo? Já fez faculdade?
– Calma Gerônimo. O mundo não vai desabar por isso. A gente já havia feito planos.
– Planos? Que planos vocês fizeram? Plano de saúde? Plano econômico? Plano de casar? O que vocês planejaram? Digam-me.
– Bem, nós vamos nos casar – diz Xavier, o jovem de vinte e sete anos.
– Gerônimo, o Xavier é de boa família. Os pais dele são de boa índole e são comerciantes na cidade.
– Ok. Ok. Mas eles sabem desse casamento que vocês planejam?
– Olha, Senhor Gerônimo, a minha mãe sabe do nosso namoro. Meu pai ainda não tomou conhecimento, mas ele me conhece muito bem e sabe que tenho boas intenções.
– Amigo, de boas intenções o inferno está cheio. Quero te pedir que vá para casa e comunique o fato ao seu pai, e eu também irei conversar com ele em breve. Agora quero falar com minha irmã em particular.
– Está bem. Tchau amor – beija a namorada e sai. Até mais Senhor Gerônimo.
– Eu desconfio que na noite em que nossos pais foram assassinados você não estava comprando nada e nem estava chovendo para passar a noite fora. Você estava era com esse motoqueiro.
– Não. Não, Gerônimo, eu juro. Eu não mentiria para você.

sábado, 23 de junho de 2018

Herança Maldita - Parte II

Herança Maldita - Parte II
Por Carlos Holanda


– Bem, já fizemos de tudo para solucionar esses casos. E estamos empenhados nisso.
– Ah, então quer dizer que depois desses anos todos, vocês deixaram esfriar as coisas e você me diz que estão empenhados?
– Gerônimo, escute-me, colocamos essa área sob vigilância durante quase um ano. Interrogamos todos os meliantes da cidade e redondezas, mas ninguém sabe de nada. Parece que o facínora sumiu. Evaporou.
– Ninguém some sem deixar pistas. Até porque não é um fantasma.
– É. Não é fantasma, mas parece ser sobrenatural.  Não há digitais num raio de dois quilômetros. Vasculhamos essa área como quem caça uma agulha no palheiro.
– E agora, o que vai acontecer? Vocês vão esperar haver mais mortes para seguir pistas?
– Nós iremos encontrar o assassino. Tenha certeza disso.
– Não estou acreditando nisso não, amigo.
– Bem, eu vim aqui logo que soube que você havia chegado. Vim prestar minhas condolências, lhe colocar a par da situação e dar um abraço.
– Eu agradeço por tudo. Afinal, fomos criados juntos. Amanhã lhe farei uma visita quando for à cidade.
– Está bem. Tenho que ir agora. Obrigado pelo café Júlia. Estava uma delícia. Ah, fiquem com meu cartão e qualquer coisa, me liguem, por favor. Até amanhã.
– Até amanhã - diz Gerônimo, enquanto Júlia apenas acena com a mão.
– Essas histórias são muito estranhas. Júlia, ainda tem algumas coisas que não tirei da camionete. Vou lá pegar e já volto.

– Ok. Vou preparar uma galinha ao molho pardo, bem gostosa para nós.
No almoço, Júlia diz para o irmão que tem uma coisa importante para lhe contar, mas esse ainda não é o momento certo. Levanta-se bruscamente da mesa e corre para o banheiro.
– Júlia, o que houve? Você está bem?
– Estou. Só um momento.
– Meu Deus do céu. O que está acontecendo aqui? Só encontrei problemas até agora - pensa Gerônimo. 
– Pronto. Acho que a comida não me fez bem.
– Você vomitou.
– Foi. Mas já passou. Estou bem. Vou para meu quarto descansar um pouco.
– Vai. Eu também vou tirar uma soneca. Ainda estou cansado da viagem.
Gerônimo pega um livro no criado mudo, folheia, coloca de volta onde estava e deita-se na cama. Não se dá conta da hora e acorda ao anoitecer.
– Já é noite. Dormi como uma pedra e ainda estou com sono – diz para a irmã.
– Pelo visto, você estava cansado mesmo.
- É. Dirigi por milhares de quilômetros até chegar aqui. Faço mais isso não. O que tem pra comer?
– Ah, eu não fiz janta. Tem queijo, presunto, ovos e pão. Faz um sanduiche.
– É o que vou fazer.

        Júlia liga a televisão bem na hora do noticiário. O delegado está dando entrevista sobre os assassinatos e afirma com todas as letras que conseguirá prender os assassinos se que é que é mais de um. Diz também que pediu reforço policial e que novas investigações serão iniciadas, pois, um perito do governo já está a caminho. A repórter diz que as famílias estão indignadas e revoltadas com a falta de justiça.
– Casos como esses não costumam acontecer numa cidade pacata como essa. Outros crimes comuns foram solucionados rapidamente e esses não ficarão impunes – finaliza o delegado.
Júlia assiste a uma novela enquanto o irmão come um sanduiche.
– Sim, você vai me contar agora o que tinha para dizer no almoço?
– Não é tão importante assim. Deixa para lá.
– Então está bom. Você é quem sabe. Esqueci de comprar umas cervejas na cidade.
– Pois é. Como não bebo, não tem. Toma suco. Acho que ainda tem aí.
– Vou ler um livro lá no quarto.
– Fecha a casa, Gerônimo. Verifica a porta da cozinha.
– Tranquilo. Pode deixar.

        De manhã cedo
– Júlia eu gostaria que você fosse comigo no local onde os meninos foram mortos. Pode ser?
– Eu não gosto disso. Lá é assustador. Mas, eu te levo sim. Vamos.
– Espera, deixe-me pegar meu rifle. Nunca se sabe o que nos aguarda, não é mesmo?
– Você tem um rifle?
– Tenho sim. Trouxe escondido na camionete. E trouxe bastante munição também.
– O que mais que você trouxe escondido?
– Não queira nem saber. Brincadeira. Vamos?
– Vamos.

        Os dois irmãos saem de casa e entram na floresta densa, seguem para o local dos crimes.
– Você já esteve aqui antes?
– Só no dia que a polícia veio, quando encontraram os cadáveres. Um monte de gente veio ver os corpos, até a televisão veio filmar tudo.
– Eu só não entendo porque esse tempo todo nunca descobriram nada.
– É complicado. Um mistério. Mas a polícia está fazendo o papel dela. Investigando.
– Eu acho que deveria haver mais empenho.
– Eu também acho.

       Depois de muito caminhar por caminhos e trilhas quase virgens eles chegam ao local.
– É aqui irmão. Ali ficava o acampamento e o resto você já sabe. Vou sentar para esfriar o sangue.
– Certo vou dar uma olhada por aí. Espere aqui.
– Pode deixar.

       Gerônimo caminha devagar e com o olhar atento, como se procurasse vestígios de algo que ele não perdeu, olha para as árvores ao redor, para alguns tornos enfiados pela polícia para demarcar o local e não encontra nada.
– Vamos voltar.
– Encontrou alguma coisa?
– Ainda não. Realmente faz muito tempo. O terreno já foi pisado por muita gente.
– Bem, então vamos embora.

       Em casa, Gerônimo avisa que essa noite irá caçar pelas redondezas. Ele conhece bem a região desde menino, aliás, pediu à irmã para ir ao local somente para saber onde ficaria, sua intenção é averiguar o lugar a sós. E ele sabe que ela não deveria saber disso.
– Você sabe da minha lanterna?
– O que você vai fazer com lanterna?
– Me deu vontade de caçar por aí.
– Deve estar no armário da cozinha. Mas você vai caçar sozinho?
– Júlia, eu conheço bem nosso terreiro e não irei muito longe. Deseje-me sorte.
– Está bem. Boa sorte. Tome cuidado.
– Tomarei.

       Gerônimo volta ao local do crime e deduz que, a noite, se houver algum objeto que não possa ter sido visto pelos investigadores ou por ele à luz do dia poderá reluzir à noite, quem sabe e é com essa convicção que ele segue. Quando chega ao acampamento, faz vários  trajetos de ida e volta, imagina as cenas das vítimas sendo pegas de surpresas, o agressor arrastando pessoas e é nesse vai-e-vem que com a lanterna em punho, andando por lugares que pensa que os investigadores não pisaram que ele escorrega numa vala e vê coincidentemente um aparelho de celular enterrado pela metade. O jovem o apanha, limpa, vê que está descarregado, claro e guarda no bolso da calça jeans. É hora de voltar. Isso o ajudará bastante. A sua curiosidade é tanta que sua vontade é de ver a câmera funcionando. Pela sua experiência em redes sociais, sabe que um garoto desse século filma quase tudo. E é isso que ele pretende encontrar.

       Quando Gerônimo chega à sua casa, senta-se numa cadeira que está no alpendre e fica por um bom tempo tentando ligar os pontos, ou descobrir algo que ninguém ainda viu. Os galos anunciam o dia e ele se recolhe.
 – Bom dia! Nem vi quando você chegou. Como foi sua caçada? Não matou nada?

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Herança Maldita - Parte I


Herança Maldita – Parte I 
Por Carlos Holanda


       Seis jovens decidem acampar na região de terras indígenas e são assassinados misteriosamente. A polícia investiga os casos isoladamente e constata que dois foram mortos por envenenamento, dois por asfixia e os outros foram amarrados pelos pés, arrastados para longe e enforcados com cipós.

       Nunca foi solucionado o mistério por não haver digitais, armas, testemunha ocular ou pistas que levassem ao assassino. Pensam até que pode ter sido uma briga entre eles, mas os investigadores sabem que existe um sétimo elemento nesse quebra-cabeça e tudo leva a crer que seja coisa de um serial killer. É isso que está em aberto.

       O local ficou conhecido como o bosque mal assombrado, não por ter visagens ou assombrações, mas pela forma como as pessoas foram mortas brutalmente.

       A crendice do povo do interior espalha na cidade que o lugar é amaldiçoado e chegam a não compreender porque ainda existem pessoas morando por lá, referindo-se aos idosos.

       Alguns anos depois a polícia arquiva o caso e as famílias consternadas das vítimas convivem com as perdas.

       Placas de advertência foram colocadas nas imediações da única casa existente na região.

       O casal de idosos e a filha vivem ali há muitos anos e também foram interrogados por diversas vezes, mas dizem não saber de nada e não há nenhuma evidência de que eles saibam mesmo.

       Um ano mais tarde, de madrugada, o pai e a mãe da jovem são encontrados mortos no quintal da casa, enforcados com cipós num oitizeiro. Não foram pendurados e sim amarrados ao tronco da árvore e as cabeças de ambos foram puxadas dos corpos até apartarem-se.

       O fato curioso dessa história é que não existe nenhuma planta ou árvore da região que crie cipós tão grossos e resistentes ao longo dos anos a ponto de só se compararem aos da Amazônia ou de regiões inóspitas.

       Júlia, a garota foi indiciada como suspeita, mesmo sem nenhuma prova que a levassem para a cadeia. Pouco tempo depois do interrogatório policial ela foi liberada.

       Gerônimo, o irmão de Júlia estava há dez anos morando no sul do país, e decide voltar para casa, para rever a família e amigos. Chega num momento em que toda a cidade o olha atravessado, como se o culpassem pelo desenrolar dos fatos. Não liga e ignora os gestos que apontam para ele. Gerônimo não tem conhecimento do ocorrido com os jovens e tampouco com seus pais. Após tomar um café na loja de conveniência, pega uma garrafa de água mineral, paga, sai, entra na camionete e ruma para a propriedade que fica distante alguns quilômetros da cidade.

       Gerônimo entra por uma estradinha de chão que vai dar na casa de sua família. Vê as placas com dizeres de “Perigo”, “Afaste-se” e “Não ultrapasse”. Por um momento ficam algumas indagações sem respostas em sua cabeça. Avista a casa e buzina umas três vezes. Para na porta, sai do carro e grita com um largo sorriso – mãe, pai, Júlia. Cheguei! Estou de volta.
Júlia abre a porta e corre para abraça-lo.

– Meu irmão. Há quanto tempo! Seja bem vindo.
– Estava morrendo de saudades de vocês.
– Nós também. 
– Onde está o pai e a mãe?
– Venha. Vamos sentar e conversar. Preciso te contar uma coisa.
– Quero saber cadê o pai e a mãe.
– É sobre eles que estou tentando falar.
– Então conta.
– Eles estão mortos.
– Como aconteceu? Há quanto tempo?
– Já faz um ano.
– Porque você não me disse antes?
– Você vive mudando de endereço.
– Não justifica. Você tem meu celular. Porque não me ligou?
– Está bem. Eu falhei em não te contar.
– Como aconteceu? Onde eles estão enterrados?
– Venha comigo, vou te mostrar.
– Sim, mas como eles vieram a óbito?
– Bem, prefiro te contar com calma. É uma história triste. Confusa. Nem eu sei explicar direito.
– Eu não entendo. O que há de difícil em dizer como os próprios pais morreram. Você estava aqui, não estava?
– Sim. Quero dizer não. Eu não estava aqui especificamente.
– Onde você estava então?
– Bem, eu havia ido à cidade no lombo de um burro, comprar alguns mantimentos e então começou a chover. Choveu tanto que entrou pela noite. O dono da mercearia e sua esposa me ofereceram dormida. E eu fiquei lá. De manhã cedo eu vim embora.
– Cedo que horas?
– Assim que amanheceu o dia.
– E como os encontrou? Estavam vivos?
– Não. Não estavam.
– Desenrola Júlia. Como eles morreram? Foi morte natural? Ataque cardíaco, ou o que?
- Gerônimo, fique calmo e me ouça.

       Os dois irmãos sentam no tronco de uma árvore próximo ao túmulo dos pais e Júlia conta sua versão.

– Mas como pode ter acontecido isso? Quem poderia ser capaz de tamanha crueldade? Apartar as cabeças com cipós! Que coisa mais macabra. Eu desconheço inimigos de nossos pais. Diga-me uma coisa, e os culpados foram punidos?
– Não. Não foram.
– E onde estava a polícia que não investigou?
– Até eu fui interrogada. Mas eu não mataria meus pais e você sabe disso.
– Claro que sei. Espera aqui. Deixe-me pegar umas flores do campo pra colocar nos túmulos.
– Está bem.
Pouco tempo depois
– Terminei. Vamos embora.

       No dia seguinte uma viatura da polícia estaciona muito cedo em frente da casa de Pedro e Constança, os pais falecidos dos jovens. O delegado bate na porta e logo é atendido.

– Bom dia, Gerônimo. Como vai?
­– Não tão bem quanto você, Mauro. Você agora está delegado é?
– Pois é. São muitos anos de bons serviços prestados a essa comunidade.
– Seja bem vindo amigo. Vamos entrar. A propósito, está investigando a morte de meus pais ainda?
– Para falar a verdade. Já fizemos de tudo para descobrir esse e os outros casos.
– Que outros casos?
– Você ainda não sabe? A Júlia não te contou?
– Ainda não deu tempo, delegado. Meu irmão chegou ontem. Contei a história do pai e da mãe. Fomos ao túmulo deles. E depois de tanto tempo tínhamos mais o que conversar, afinal, passamos dez anos sem nos vermos.
– Gerônimo, há uma coisa que nos intriga e muito nesses crimes.
– E quantas pessoas morreram?
– Com seus pais são oito. Todos muito parecidos e violentos.
– Oito? Oito pessoas morreram na cidade e nada foi descoberto?
– Não foi na cidade. Foram todos nessas imediações.
– Como assim, nessas imediações?
– Deixe-me lhes dizer. Primeiros seis jovens saíram da cidade e vieram para essas bandas para acampar, sei lá, passar a noite em barracas e fumar maconha longe de tudo. Quatro dias depois, as famílias não tiveram notícias dos filhos, nem por celular, já que eles prometeram que era só por dois dias e então, entramos no caso. Encontramos os corpos já em estado avançado de decomposição. Mesmo assim, chamamos os peritos para averiguar, uma vez que não havia perfuração de balas e nem de objetos cortantes. A cidade toda ficou em alvoroço.
– E eles morreram de que mesmo?
– É aí que está o mistério. Parece coisa sobrenatural. Eu como policial não deveria falar assim, mas...
– E não há nenhum suspeito?
– Parece ser algo relacionado com um serial killer.
– E o que a polícia pretende fazer?
– Venham tomar o café. Está na mesa – diz Júlia.

Continua