sábado, 3 de dezembro de 2016

GINA II, a caçadora - O Roubo

Júlio avisa ao pai e à irmã que irá a cidade tirar uma parte das economias no banco para comprar umas roupas e sapatos pra eles.

Arreia o cavalo alazão, que naturalmente é muito bem cuidado e parte.
Gina cuida de seus afazeres enquanto seu pai espicha uns couros de bode pra secar ao sol e vender mais tarde.

Rita pede aos seus pais pra ir fazer uma visita na casa de Gina. Seu Manoel diz que a deixará lá. Sela o burro preto e vai.

- Minha filha eu te levo! Vou ter dois dedos de prosa com o compadre! Faz é tempo que não converso com ele. Se arrume aí, ligeiro.
- Ôxe, pai! Tô arrumada, visse? Nós não vamos pra festa não.
- Então vamos! Maria, eu não me demoro.
- Tá bom, meu velho. Vai com Deus!

Seu Manoel monta e coloca a garota na garupa forrada com uma manta bem macia e partem para a casa de Regina.


Júlio cavalga pela estradinha de terra empoeirada e já avista a torre da igreja. Ajusta o chapéu de couro na cabeça, bate com a chibata no animal de forma leve, atiça as esporas e avança cada vez mais. Entra na rua principal da cidadela e logo passa no meio daquela feira que tem de um tudo pra vender, desde os tecidos de algodão ou chita, até canecos e panelas de alumínio. Seu sonho é comprar um rádio pra ouvir as notícias e as músicas sertanejas das duplas de sucesso. E pensa que se o dinheiro der, ele até leva um desses pra casa.

Na frente do único banco da cidade, amarra o cavalo. Não percebe que sempre tem olhos curiosos só observando quem entra ou sai do estabelecimento bancário.
Saca uma quantia vultosa, o bancário lhe oferece um envelope e o previne de que ultimamente a cidade tá infestada de gente ruim. Ele não liga muito para o aviso, apenas sorri, como quem diz: Eu sei me defender. Acena com a cabeça confirmando, agradece e vai embora.

Pareceu que foi uma praga rogada pelo caixa. Antes de montar seu cavalo, dois homens desconhecidos, mas com fama no mundo do crime o espreitavam de canto de olho, então o escoram com facas e o conduzem para uma ruela deserta. Batem muito nele. Deixam-no desacordado e levam todo seu dinheiro. Foi tudo tão rápido e profissional que nenhum transeunte viu ou percebeu nada.

- Vamos mata-lo?
- Não. Deixa aí...

Enquanto isso, a prosa rolava solta na casa de Regina. As duas meninas botavam o papo em dia enquanto seus pais reclamavam da situação na região. E já perto de meio dia, Regina grita lá de dentro:
- Ei pai, o Senhor não acha que o Júlio tá demorando. Já tinha dado tempo de ter voltado.
- É filha, tinha sim, mas lá tem uma fila enorme. Além do mais, ele vai comprar umas coisas. Deve ser isso a demora.
- É compadre! Não deve ser nada. Diz Seu Manoel.
- Pois eu acho que se fosse eu, já tinha feito isso e algo mais.
- Calma minha irmã! Você é muito preocupada com o Júlio.
- Rum! Não é teu irmão.
Correm à porta e veem que vem um cavaleiro entre a poeira do caminho.
- Pai, aquele é o Júlio! E ele não está bem.
- Acode aqui meu pai. Fui roubado na cidade. Ajudem-me. Estou todo quebrado.
- Meu Deus! O que aconteceu, Júlio? O que fizeram com você?
O pai, Seu Manoel e Rita o ajudam a levar pra dentro de casa.
- Vou fazer umas compressas! Coloquem-no na cama. Já eu trago os panos quentes.
Meia hora depois, Júlio conta o acontecido e enquanto todos ouvem, Gina ouve atentamente e escapole. Monta o cavalo ainda molhado de suor e parte em busca de mais esclarecimentos na cidade, mesmo sem o consentimento do pai.
- Ela é assim mesmo. Não obedece ninguém, nem eu, Seu Manoel.
- Deus a traga, sã e salva, compadre!


Gina leva suas facas, amoladas na pedra bruta. Chicoteia o animal pra chegar mais rápido. Além de ser decidida, não costuma perder tempo com nada. E em se tratando de sua família é capaz de tudo, pois sabe que ali não tem lei, e se tem é pouco cumprida.  Tem a certeza também que nesse exato momento os facínoras estão em algum boteco gastando por conta, já que a impunidade reina.

Gina conhece cada rua daquela cidadezinha, mas prefere começar a pedir informações pelo banco. Por sorte, encontra o mesmo caixa ainda no serviço e este lhes dá os traços de alguns suspeitos que rondam o banco diariamente e avisa que são forasteiros perigosos, bandidos e, que sempre estão pelas redondezas. Gina agradece e sai.
Dá umas voltas nos principais bares e cabarés. Depois de quase três horas de buscas, só falta um lugar: o cassino. Um lugar não muito aconselhável para garotas da sua idade, mas ela não veio de tão longe àtoa. E decide fazer essa última visita. Entra, corre o olhar no ambiente e vê que de todas as mesas ocupadas, só uma tinha dois homens com a descrição feita pelo bancário e o irmão. Como a animação estava boa demais, eles nem perceberam que eram observados minuciosamente por Gina, que os media de cima abaixo.

Uma negra nova, torneada, num local como aquele era uma raridade. Gina aproxima-se da mesa e observa detalhadamente. Pede pra fazer parte da brincadeira e é muito bem aceita. Pronto. Estava armada sua arapuca. Apesar de não beber, Gina consegue convencer a dupla de facínoras e os conduz ao quarto, pedindo que um deles vá pagar pela chave, enquanto disfarça com o segundo.

Se não quer ser pinido, então não cometa um crime e não caia nas mãos de Gina.


Gina usa um argumento de mentira e os convence de que fará tudo que eles quiserem, se eles a deixar amarrá-los na cama. Há relutância, mas como não ceder aos caprichos de uma bela menina com aquela idade? Que maldade poderia haver por trás daquele rostinho angelical? Nada de ruim poderia acontecer naquele momento, até porque a proposta era que eles pagassem pelo prazer e como o dinheiro não fala, apenas houve e testemunha o que acontece nada poderia dar errado, mas isso não conta.

Pronto! Os dois estão seminus e bem amarrados à cama. Gina tira seu casaco e ensaia uma pequena sessão de stripper misturada com ironia, coisa que nunca havia feito antes e tampouco levava jeito. Com a frieza do gelo, veio à sua memória, o estado lastimável do irmão quando chegou em casa, todo arrebentado. Colocou o casaco em cima de um criado mudo de quinta categoria, assim como era aquele lugar fétido e começou sua entrevista:
- Vocês não sabem quem sou não é mesmo?
- Não! Me fala aí!
- É. Fala pra gente belezura! E tira logo a porra dessa roupa. Disse o outro.
- Pois bem! Sou a irmã do cara que vocês quase mataram para roubar. E vim aqui para dar uma lição em vocês!
- Vagabunda! Você não sairá viva daqui. Quem você pensa que é?
- Por que é que tenho a impressão que já ouvi coisa parecida antes?
- Sua vaca! Pode levar o dinheiro. Tá tudo aí, nem pagamos a conta ainda.
- Nem vão pagar!

Gina ameaça cortar a garganta de um e diz que eles terão que sumir da cidade sob pena de serem mortos.

- Socorro! Socorro! Você é maluca! Não faz isso!
- Não. Não sou maluca. Já sei tudo sobre vocês e sou muito lúcida. Aliás, quantos pais de família vocês já roubaram nessa cidade e deram dinheiro à polícia para acobertar seus crimes? E olha, nem adianta mentir ou gritar, com a música dessa altura na vitrola e essa porta fechada ninguém vai te ouvir. Já termino com isso.
- Vá pro inferno, sua maldita!
- Vai você! Não vou cometer esse crime de tirar suas vidas hoje, mas se não forem embora, vou caça-los até a morte.

Nocauteia os dois e sai.

- É como eu digo sempre: - Quando entrar numa briga, temos que saber usar as armas certas.

Gina pega todo o dinheiro de volta, que por sinal ainda está no envelope do banco, dentro do alforge de seu irmão. Sai pelos fundos sem que ninguém a veja e ruma para casa.

A vida ensina que o poder de tomar uma decisão arriscada não é pra todo mundo. O amanhã sempre virá, mas se deixarmos tudo para lá, pode ser tarde.


O mundo gira, e é por isso que ninguém estará no mesmo lugar amanhã.

Carlos Holanda

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