Júlio avisa
ao pai e à irmã que irá a cidade tirar uma parte das economias no banco para
comprar umas roupas e sapatos pra eles.
Arreia o
cavalo alazão, que naturalmente é muito bem cuidado e parte.
Gina cuida
de seus afazeres enquanto seu pai espicha uns couros de bode pra secar ao sol e
vender mais tarde.
Rita pede
aos seus pais pra ir fazer uma visita na casa de Gina. Seu Manoel diz que a
deixará lá. Sela o burro preto e vai.
- Minha
filha eu te levo! Vou ter dois dedos de prosa com o compadre! Faz é tempo que
não converso com ele. Se arrume aí, ligeiro.
- Ôxe, pai!
Tô arrumada, visse? Nós não vamos pra festa não.
- Então
vamos! Maria, eu não me demoro.
- Tá bom,
meu velho. Vai com Deus!
Seu Manoel
monta e coloca a garota na garupa forrada com uma manta bem macia e partem para
a casa de Regina.
Júlio
cavalga pela estradinha de terra empoeirada e já avista a torre da igreja.
Ajusta o chapéu de couro na cabeça, bate com a chibata no animal de forma leve,
atiça as esporas e avança cada vez mais. Entra na rua principal da cidadela e
logo passa no meio daquela feira que tem de um tudo pra vender, desde os
tecidos de algodão ou chita, até canecos e panelas de alumínio. Seu sonho é
comprar um rádio pra ouvir as notícias e as músicas sertanejas das duplas de
sucesso. E pensa que se o dinheiro der, ele até leva um desses pra casa.
Na frente do
único banco da cidade, amarra o cavalo. Não percebe que sempre tem olhos
curiosos só observando quem entra ou sai do estabelecimento bancário.
Saca uma
quantia vultosa, o bancário lhe oferece um envelope e o previne de que
ultimamente a cidade tá infestada de gente ruim. Ele não liga muito para o
aviso, apenas sorri, como quem diz: Eu sei me defender. Acena com a cabeça
confirmando, agradece e vai embora.
Pareceu que
foi uma praga rogada pelo caixa. Antes de montar seu cavalo, dois homens
desconhecidos, mas com fama no mundo do crime o espreitavam de canto de olho, então
o escoram com facas e o conduzem para uma ruela deserta. Batem muito nele. Deixam-no
desacordado e levam todo seu dinheiro. Foi tudo tão rápido e profissional que
nenhum transeunte viu ou percebeu nada.
- Vamos mata-lo?
- Não. Deixa
aí...
Enquanto
isso, a prosa rolava solta na casa de Regina. As duas meninas botavam o papo em
dia enquanto seus pais reclamavam da situação na região. E já perto de meio
dia, Regina grita lá de dentro:
- Ei pai, o
Senhor não acha que o Júlio tá demorando. Já tinha dado tempo de ter voltado.
- É filha,
tinha sim, mas lá tem uma fila enorme. Além do mais, ele vai comprar umas
coisas. Deve ser isso a demora.
- É compadre!
Não deve ser nada. Diz Seu Manoel.
- Pois eu
acho que se fosse eu, já tinha feito isso e algo mais.
- Calma
minha irmã! Você é muito preocupada com o Júlio.
- Rum! Não é
teu irmão.
Correm à
porta e veem que vem um cavaleiro entre a poeira do caminho.
- Pai,
aquele é o Júlio! E ele não está bem.
- Acode aqui
meu pai. Fui roubado na cidade. Ajudem-me. Estou todo quebrado.
- Meu Deus!
O que aconteceu, Júlio? O que fizeram com você?
O pai, Seu
Manoel e Rita o ajudam a levar pra dentro de casa.
- Vou fazer
umas compressas! Coloquem-no na cama. Já eu trago os panos quentes.
Meia hora
depois, Júlio conta o acontecido e enquanto todos ouvem, Gina ouve atentamente
e escapole. Monta o cavalo ainda molhado de suor e parte em busca de mais
esclarecimentos na cidade, mesmo sem o consentimento do pai.
- Ela é
assim mesmo. Não obedece ninguém, nem eu, Seu Manoel.
- Deus a
traga, sã e salva, compadre!
Gina leva
suas facas, amoladas na pedra bruta. Chicoteia o animal pra chegar mais rápido.
Além de ser decidida, não costuma perder tempo com nada. E em se tratando de
sua família é capaz de tudo, pois sabe que ali não tem lei, e se tem é pouco
cumprida. Tem a certeza também que nesse
exato momento os facínoras estão em algum boteco gastando por conta, já que a
impunidade reina.
Gina conhece
cada rua daquela cidadezinha, mas prefere começar a pedir informações pelo
banco. Por sorte, encontra o mesmo caixa ainda no serviço e este lhes dá os
traços de alguns suspeitos que rondam o banco diariamente e avisa que são
forasteiros perigosos, bandidos e, que sempre estão pelas redondezas. Gina
agradece e sai.
Dá umas
voltas nos principais bares e cabarés. Depois de quase três horas de buscas, só
falta um lugar: o cassino. Um lugar não muito aconselhável para garotas da sua
idade, mas ela não veio de tão longe àtoa. E decide fazer essa última visita.
Entra, corre o olhar no ambiente e vê que de todas as mesas ocupadas, só uma
tinha dois homens com a descrição feita pelo bancário e o irmão. Como a
animação estava boa demais, eles nem perceberam que eram observados
minuciosamente por Gina, que os media de cima abaixo.
Uma negra
nova, torneada, num local como aquele era uma raridade. Gina aproxima-se da
mesa e observa detalhadamente. Pede pra fazer parte da brincadeira e é muito
bem aceita. Pronto. Estava armada sua arapuca. Apesar de não beber, Gina
consegue convencer a dupla de facínoras e os conduz ao quarto, pedindo que um
deles vá pagar pela chave, enquanto disfarça com o segundo.
Se não quer ser pinido, então não cometa um crime e não caia nas mãos de Gina.
Se não quer ser pinido, então não cometa um crime e não caia nas mãos de Gina.
Gina usa um
argumento de mentira e os convence de que fará tudo que eles quiserem, se eles
a deixar amarrá-los na cama. Há relutância, mas como não ceder aos caprichos de
uma bela menina com aquela idade? Que maldade poderia haver por trás daquele
rostinho angelical? Nada de ruim poderia acontecer naquele momento, até porque
a proposta era que eles pagassem pelo prazer e como o dinheiro não fala, apenas
houve e testemunha o que acontece nada poderia dar errado, mas isso não conta.
Pronto! Os
dois estão seminus e bem amarrados à cama. Gina tira seu casaco e ensaia uma
pequena sessão de stripper misturada com ironia, coisa que nunca havia feito antes
e tampouco levava jeito. Com a frieza do gelo, veio à sua memória, o estado
lastimável do irmão quando chegou em casa, todo arrebentado. Colocou o casaco
em cima de um criado mudo de quinta categoria, assim como era aquele lugar
fétido e começou sua entrevista:
- Vocês não
sabem quem sou não é mesmo?
- Não! Me
fala aí!
- É. Fala
pra gente belezura! E tira logo a porra dessa roupa. Disse o outro.
- Pois bem!
Sou a irmã do cara que vocês quase mataram para roubar. E vim aqui para dar uma
lição em vocês!
- Vagabunda!
Você não sairá viva daqui. Quem você pensa que é?
- Por que é
que tenho a impressão que já ouvi coisa parecida antes?
- Sua vaca!
Pode levar o dinheiro. Tá tudo aí, nem pagamos a conta ainda.
- Nem vão
pagar!
Gina ameaça
cortar a garganta de um e diz que eles terão que sumir da cidade sob pena de
serem mortos.
- Socorro!
Socorro! Você é maluca! Não faz isso!
- Não. Não
sou maluca. Já sei tudo sobre vocês e sou muito lúcida. Aliás, quantos pais de
família vocês já roubaram nessa cidade e deram dinheiro à polícia para
acobertar seus crimes? E olha, nem adianta mentir ou gritar, com a música
dessa altura na vitrola e essa porta fechada ninguém vai te ouvir. Já termino
com isso.
- Vá pro
inferno, sua maldita!
- Vai você!
Não vou cometer esse crime de tirar suas vidas hoje, mas se não forem embora,
vou caça-los até a morte.
Nocauteia os
dois e sai.
- É como eu
digo sempre: - Quando entrar numa briga, temos que saber usar as armas certas.
Gina pega
todo o dinheiro de volta, que por sinal ainda está no envelope do banco,
dentro do alforge de seu irmão. Sai pelos fundos sem que ninguém a veja e ruma
para casa.
A vida
ensina que o poder de tomar uma decisão arriscada não é pra todo mundo. O amanhã sempre virá, mas
se deixarmos tudo para lá, pode ser tarde.
O mundo gira,
e é por isso que ninguém estará no mesmo lugar amanhã.
Carlos Holanda
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