terça-feira, 17 de novembro de 2020

Cilada

 


Caminhoneiro viaja o dia todo e precisa descansar. De longe avista um restaurante à beira da estrada. Lá estão muitos caminhões e carretas. Alguns enferrujados pelo tempo, corroídos pela história. Não há outra pousada ou coisa parecida a quilômetros e então ele decide parar ali. Manobra o veículo com maestria e estaciona bem próximo da fachada, da janela. Desce do carro e entra. O ambiente não é dos mais agradáveis, mas para quem só quer tomar um banho, comer alguma coisa, repousar e seguir viagem, está ótimo.

– Boa noite!
– Boi noite! - Responde a mulher gorda.
– Você tem um quarto vago?
– Sim tenho. Mais alguma coisa?
– Um bife mal passado e ovos.
– Aqui está a chave. O Senhor é carnívoro, então?
– Sim. Gosto de carnes. Vou tomar um banho rápido enquanto você prepara a refeição.
– Ok. Fique à vontade.
Um casal sentado ao lado da única mesa desocupada beberica e observa tudo.
– Voltei. Com esse banho fiquei novinho em folha. Minha refeição está pronta?
– Sim. Sente-se naquela mesa, por favor, que levarei em seguida.
– Obrigado.
Bem o homem não senta, um Senhor de cabelos brancos e longos, barba por fazer indaga:
– Olá! O Senhor tem uma longa estrada pela frente. Poderia nos dar uma carona?
– Não converso muito com estômago vazio.
A atendente põe o prato na mesa e pergunta se ele quer beber alguma coisa.
– Quero uma cerveja, pra tirar a poeira da garganta.
– Amigo, te perguntei se pode nos dar uma carona. Minha mulher está grávida e eu preciso ir à cidade mais próxima para comprar uma peça para meu caminhão.
– Essa carne tem um gosto diferente. É adocicada ou é impressão minha?
– Tem duas coisas boas aqui: a batata frita e a cerveja, mas deixa para lá. Você insiste em não me ouvir.
– A cerveja está ótima! Bem geladinha. Terminei aqui – o motorista olha pela janela e vê um homem forte em cima do para-choque limpando o para-brisa de sua trucada.
– Liga não. Você não irá pagar nada. Eles prestam esse serviço aqui de cortesia – avisa o homem velho.
– Ah, sim. Levo vocês. A gente sairá bem cedinho.
– Olha! Amor. Que bom! Ele é um homem generoso! – diz a mulher.
– Ah, claro. Será uma viagem para outro mundo.
– Como disse?
– Quero dizer que nesse fim de mundo não tem nada.
– Ah, entendi.
De manhã cedo...
– Amigo, deixe-me dirigir a metade do caminho, afinal são mil e duzentos quilômetros de estrada. Essa é minha forma de agradecer.
– Dizem que quando a esmola é grande o santo desconfia, mas, sem problemas. Sentarei no meio e sua mulher ficará na janela.
– Ok.
A carreta toma o rumo da cidade mais próxima de onde o Judas perdeu as botas. Andam uns cem quilômetros e de repente, um gancho daqueles de açougue que mais parece um anzol gigante, desce sobre sua cabeça e o fisga pelo maxilar e o ergue até o teto da boleia da carreta. O homem esperneia enquanto o motorista de cabelos brancos assovia.
– Pronto! Teremos mais carne humana para as refeições e mais uma carreta para desmanchar.
– Claro! E ele nem percebeu que nosso gigante limpador de vidros fez um trabalho perfeito.
Carlos Holanda.

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