segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Brincadeira pesada

 


Em Pedro II, antes de construírem prédios públicos no bairro Cruzeiro, a gente brincava à beça. Eram brincadeiras não muito convencionais, perigosas e a noite. Os postes de madeira tinha luminosidade fraca.

As caçambas da prefeitura começaram a botar carradas de areia e barro para aterrar o local e depois nivelar. Ficavam aquelas montanhas enfileiradas que iam de uma ponta a outra da rua, uns cem metros. Deixavam lá por dias e até meses. Menino inventa coisas. Não sei de quem foi a ideia da brincadeira, mas fazíamos dois grupos de seis ou sete garotos para entrincheirados, atirar bolão de barro uns nos outros, e só tinha duas regras: 1. Era quando apagassem as luzes da cidade às 22 horas terminaria tudo; e 2, se alguém de qualquer dos grupos se machucasse.

Era sabido e notório que os irmãos Gonçalo e Duste eram bons de briga, então só começava a batalha quando um ficava de um lado e o outro do outro. Beleza. Eu tinha uns 14 anos e todos eles eram bem mais velhos. O certo é que o bolão de barro zunia “naszureia” da gente. De vez em quando se ouvia um “ai porra!” E do outro lado, a comemoração com a frase: - Acertamos um!

Levei muito tiro de barro nas costelas e também acertei alguns.

Um dia atirei um bolão de barro com uma pedra dento – mas não foi intencional, porque não valia isso. Adivinha em quem pegou bem no eixo da costela? No Gonçalo. Ouvi foi o “pei bufo” e o grito de – Ai fela da puta. Vou te matar, seja lá quem for. Juro que tremi na base. Todos se negaram, e eu levantei e disse que foi sem querer, - ora sem querer meus amigos, se não fosse o Duste e o Francílio irmão do Gilson, que sempre andavam armado com uma faquinha amolada na cintura, eu tinha era apanhado feio, porém, os dois sabiam que eu nunca apanhei de ninguém em Pedro II e nunca fugi de uma briga.

A brincadeira acabou ali e no outro dia começávamos de novo. Nunca fizemos inimigos por conta disso.

Carlos Holanda

domingo, 29 de novembro de 2020

Vamos interagir

 


Textão ou textinho?

 


É conveniente que a gente saiba respeitar a opinião dos outros, ou melhor dizendo, pensar a forma de conviver socialmente, civilizadamente.

A plataforma do Facebook nos permite escrever até mais de 30 linhas e ainda oferece a ferramenta de NOTA, para um texto mais amplo, inclusive com a opção de fotos e vídeos, como em um blog. Portanto, se fosse para escrever só textinhos, seria provavelmente como o Twitter, com apenas 140 caracteres.

Eu particularmente, leio o que me interessa, sendo grande ou pequeno o texto, e, se não quero ver um determinado post, rolo a barra naturalmente. Também não me estresso com isso.

Acho essa rede uma das mais democráticas, e nós também temos que ser.

Serve-nos também para arquivar algumas fotos, vídeos e textos, pois sabemos que nossos computadores uma vez ou outra dão “pau”.

Os servidores do Mark Zuckerberg dificilmente entrarão em pânico. A gente até agradece essa forma de compreensão humana e a disponibilidade de tantos Bytes.

Carlos Holanda 

sábado, 28 de novembro de 2020

Aparências

 


Um homem alto, de idade média, branco, de olhos azuis e bem vestido, usa colar de ouro, relógio de ouro, celular top de linha, estaciona a camionete cabine dupla na frente do barzinho chique, daqueles rústicos e bem arquitetados próximo a uma faculdade. Senta-se e pede um drink. Logo, chama a atenção das garotas. Elas entreolham-se, não veem aliança na mão esquerda e pensam: ora, deve ser um bon vivant, um bom partido. É então que a loira comenta com a colega que vai arriscar aventurar. Dito e feito.

Sem delongas e pouco tempo depois, ambos estão entre beijos e abraços dentro do carro. Então, ele a convida para terminar a noite em sua mansão, faz algumas promessas e ela acredita. Claro. Como não aceitar tanta mordomia? E vão. Os dois fazem a festa na suíte principal da casa. Bebidas caras, caviar, chocolates e fantasias sexuais, pra variar...

De manhã, muito cedo, um dia antes do combinado para voltar, o patrão chega de viagem com a esposa e filhos. Percebendo a patifaria que seu motorista e caseiro fez em sua residência, principalmente em seu quarto, demite-o por justa causa e o coloca no olho da rua, só com a roupa do corpo.

Quanto a loira... ah, essa é uma outra história.


Carlos Holanda

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Ainda dá tempo

 


Não fui a um leito de hospital visitar enfermos.
Não fui à cadeia visitar um inocente preso.
Não fui a um asilo confortar idosos.
Não fui à igreja afagar um mendigo na porta.
Não fui a uma instituição que cuida de crianças com câncer.
Não ajudei uma pessoa a atravessar a rua.
Não cedi minha cadeira no ônibus para uma gestante sentar.
Não abri mão na fila do banco, mesmo sabendo que existem prioridades.
Eu nem tive a sensibilidade de ver uma flor que nasceu espremida na calçada.
Eu maltratei animais indefesos ao invés de dar carinho.
Eu não pensei no próximo, enfermo.
Eu respondo mal aos meus pais.
Eu sou mais importante que todos e sou fútil, inútil e não faço parte desse meio. Sou egoísta.
Não cumprimento ninguém. Isso também não faz mal.
Eu nem preciso ajoelhar e fazer uma oração. Já falo com Deus em pensamentos.

Ninguém se declara assim, mas existem. Os arrogantes até mentem afirmando que já fizeram mais da metade do que está escrito aí.

São as atitudes que mudam o mundo.


Carlos Holanda

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Jesus não pediu nada em troca


Jesus foi o maior marqueteiro da história da humanidade. Usou de seu poder, de sua retórica para tocar os corações com metáforas e parábolas, com isso, fez o bem olhando a quem mais precisava. Celebrou festa como ninguém, transformando água em vinho e multiplicando os pães. Até arrisco sem profanar, que Ele criou a bebida e o tira-gosto.

Satisfez a vontade do povo, curou e exorcizou pessoas com demônios; deu um sentido à vida e mostrou o caminho da verdade e da luz e jamais cobrou um centavo, ou melhor, um talento. Fez tudo de graça, por amor ao próximo e como um grande líder, deu o exemplo. Se Jesus cobrasse pelo que fez teria o maior império do mundo. Mesmo assim, sem cobrar nada foi crucificado.

Cabe ao homem espelhar-se nEle.

Na tábua de Moisés, onde estão escritos os dez mandamentos e cito aqui apenas dois: 2º “Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam e uso de misericórdia com milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos”. E o 3º “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão.”

Bom, citei o segundo e o terceiro mandamento das leis de Deus por que o homem de toda forma tira proveito de tudo, inclusive do próximo. Alguns mais espertos, tem a mente brilhante para viver bem às custas da boa fé do povo, tanto é que formam congregações, igrejas bem estruturadas e, dessa forma vendem souvenir “ungidos”, assim, metem a mão no bolso dos fiéis. E, os objetos dessa "unção" que mexem com a fé, vão desde “óleos milagrosos”, “perfumes com cheiro de Jesus”, “spray que remove o diabo dos couros”, “vassouras que varrem o mal”, “tijolinhos para construção do templo da salvação”, “canetas que tremem em respostas erradas” e por aí vai uma infinidade de ítens da enganação evangélica.

Ora, Deus não deu asas às cobras, e essas que querem voar tem asas de cera, logo, perto do sol, derreterão.


Carlos Holanda

Tela: Pintura a óleo de V. Caruso. 
Ver menos

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Os animais tem sentimento sim.

 


Os animais não pensam. Isso é um fato. Mas eles se apegam a nós de tal forma, que chegam a fazer parte da família. E porque não dizer que às vezes até nos entendem. Conhecem o nosso tom de voz e sabem por instinto quando estamos tristes, alegres ou com raiva. Compartilham de nossos sentimentos e tem suas várias maneiras de retribuir nossos gestos com eles.

Minha cachorra deu cria pela segunda vez. Foram sete filhotes, entre eles, só um é marronzinho. Da primeira vez, foram oito, todos pretos. Bidu, o pai, é “trabalhador”, não perde tempo..
.
O que me deixa triste é a separação da mãe dos filhos. Deve ser doloroso para ela saber que um a um dos filhotes estão “sumindo”. É que a gente vai doando quando já estão com quarenta dias, até acabar.

Temos quatro cachorros adultos em casa.

Eu já havia dado quatro dos sete, mas ontem, a “Charlote” (mãe desses filhotes) estava triste, impaciente; nem quis comer. Buscava encontrar os cachorrinhos nos quatro cantos do quintal e na casinha deles. Ela grunhia, latia baixo, como uma mãe que chora e reclama a ausência dos filhos. E o que mais me comoveu foi aquele olhar dela, como quem diz: - eu sei que foi você... Isso me afetou porque sei que eles não pensam, porém, tenho certeza que existe ali um grande sentimento de perda que jamais será recuperado.

A vontade que temos é de criar todos, mas isso é impossível. A solução é castrar o Bidu.

Carlos Holanda

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Resumo da ópera

 


O ano de 2020 foi marcante e assustador. Provavelmente o pior de todos. Foi um ano que maltratou a humanidade de várias formas. A situação climática chegou ao extremo. Houve tsunamis mundo afora, terremotos, maremotos, guerras e pandemia.
No Brasil chuvas de granizos o que não é normal, enchentes, deslizes de terras, manchas de óleo nas praias, incêndio em hospital, queimadas que engoliram espécies valiosas da fauna e da flora, além do descaso de autoridades do governo federal com o povo.
O mundo ficou louco esse ano. Por conta do racismo estrutural pessoas negras morreram de forma violenta tanto no Brasil quanto em outros países. Isso sem contabilizar as mortes por balas perdidas, ou tiroteios em escolas.
Está acontecendo nesse momento atos preconceituosos violentos de homofobia, xenofobia, racismo e outras ações contra movimentos LGBTQ+ sem precedentes.
De todos os eventos e tragédias acontecidos ou em andamento, o pior é um país continental como o Brasil ser um navio sem comandante e que está à deriva. Um país onde o chefe da nação não dá a devida atenção para os 168 mil mortos pela doença. País onde esse mesmo homem e sua equipe nega a vacina e tenta empurrar cloroquina goela abaixo em pacientes. País onde o gestor principal não consegue sanar um problema de energia elétrica de um estado pequeno da federação. Pais onde o presidente chama o povo de outro estado de gay em tom de ironia, ofendendo assim não só as famílias, mas, uma marca, uma empresa que gera milhares de empregos. País onde esse presidente chama a nação de ‘maricas’, porque em sua visão míope, quer que o povo não use máscaras e não mantenha o distanciamento social para se proteger a si e aos outros. País em que o presidente ameaça outra nação com pólvora. É difícil enumerar tanta loucura. E amanhã quem sabe, teremos mais fatos.
Esse ano foi cruel. Perdi minha irmã caçula, porém, acredito que Deus a tenha num bom lugar. E para nosso conforto, aniversariamos todos da família. Estamos vivos e ainda posso brincar com meu neto. Mas o mais importante, é que em 13 de novembro de 2020 veio ao mundo outra criaturinha linda, para nos trazer alegrias. Nasceu Lina Holanda.

FUGITIVA 07

 


Jean é um homem bem sucedido profissionalmente como advogado. Veste-se bem e tem bom gosto, porém, é solitário. A sorte ainda não lhe sorriu no amor.
Hoje, como de costume em outras noites, Jean vai ao bar, um point de luxo.
–– Garçom, uma cerveja, por favor!
Pouco tempo depois, enquanto degusta a bebida, Jean percebe que uma mulher escultural, loira, de pernas bem torneadas, o observa e até abre um sorriso. Jean, escondido em sua timidez, apenas olha e pede outra cerveja, provavelmente para criar coragem. A mulher, como num passe de mágica, rapidamente posiciona-se ao seu lado.
–– Oi, bonitão!
–– Olá! Tudo bem?
–– Tudo! Quer conversar?
–– Sim! Você aceita uma bebida? Um drink?
–– Não bebo!
–– E o que faz em um bar?
–– Adquiro experiência! Analiso o comportamento humano!
–– Você é psicóloga? Psiquiatra?
–– Um pouco de cada um e algo mais!
–– Como assim, algo mais?
–– É que preciso de um coração para me apaixonar!
–– Quem sabe você tenha encontrado um coração solitário também à procura de outro!
–– Podemos conversar em outro lugar, mais tranquilo, só nós dois?
–– Claro! O que você sugere?
–– Onde você mora?
–– Em um apartamento, aqui perto!
–– Perfeito! Podemos ir para lá?
–– Sim! Claro!
–– Então vamos!
Jean acredita que terá uma noite inesquecível de prazer com aquele monumento feminino. E quem sabe até um caso de amor. Porque não?
No apartamento, Jean faz as honras gentilmente, oferece o que tem de melhor. E se entrega por inteiro aos caprichos e à sedução da bela mulher; mas ela quer apenas seu coração.
Jean e a loira deslumbrante vão para a cama. Ela faz um estriptease e depois, monta-se sobre seu corpo, beija-o e em uma fração de segundos, de dentro da palma da mão surge uma lâmina que corta a carótida do homem. Em seguida, ela corta seu tórax e arranca seu coração.
–– Perfeito! Com esse coração serei a superação da robótica e da Inteligência Artificial.
Carlos Holanda

domingo, 22 de novembro de 2020

Santa cagada, Batman!

 


Todos nós passamos por situações difíceis na vida. Seja por falta de dinheiro, doença, confusões, mal entendidos, ciúmes ou até mesmo por conta de uma cagada inconveniente.

Às vezes, até se paga mico, mesmo que pouquíssima gente saiba ou veja.

Pois bem, fomos passar um final de semana no litoral, na casa de um amigo, deixamos a coisas na casa e fomos à praia. Não demoramos tanto assim e na volta, vimos que nossos anfitriões acabavam de chegar do supermercado. Estavam com um monte sacolas colocando dentro de casa. Eu nem ajudei, passei direto para o banheiro, acho que um churro não havia me feito bem. Fiz a necessidade fisiológica número dois. Isso é normal, claro. Entrei tão apressado que nem percebi que não havia papel higiênico, mas eu tinha que limpar. Corri o olhar e nada. Sentado com a mão no queixo, igual a escultura do francês Auguste Rodin, pensei: tem jeito não. Tirei os tênis e lasquei as meias novinhas no rabo. Ô alívio! Melhor que papel. Depois enrolei uma na outra e coloquei no fundo do cesto de lixo.

Lá de fora alguém falou:
– Di Holanda tem papel higiênico aí?
– Tem não. Nem precisei. Obrigado – disse e saí.

O bigodinho

 


Quando eu era criança, criava pássaros em gaiolas, o que era um erro, mas eu não tinha essa consciência. Comprava gaiolas bonitas feitas com talos de buriti e outras de madeira trançadas com arame. Os galos- campinas, eu os pegava em alçapões de talos, assim como os canários e sabiás entre outros.

A historinha de hoje, muitos anos depois e eu já adulto, é sobre o bigodinho, também conhecido como papa-capim, estrelinha, gola-careta e caretinha. Mede 11 centímetros de comprimento. Tem um gorjear rápido e metálico. O macho é inconfundível, pelas áreas brancas na cabeça. É o contraste do negro do restante da plumagem. As partes inferiores são levemente cinza claro e, sob o sol forte, podem parecer brancas. Seu habitat são campos abertos e campos cultivados.

Devido ao seu canto, é um pássaro apreciado talvez tanto quanto o curió; junto com as alterações ambientais, acabaram por reduzir seu número em boa parte do país. O certo é que fui à feira dos pássaros, ali próximo do mercado central de Teresina para comprar um. Comprei-o com gaiola e tudo. Em casa, o bichinho cantava até de noite. Eu achava lindo, mas depois de algum tempo, provavelmente um mês, num final de semana, tomei umas geladas e me bateu aquele remorso. Eu não queria estar preso e ele também não. Pressenti que o bigodinho não cantava, ele chorava, implorava por liberdade. Então, fui lá, no pé da parede, retirei a gaiola, abri a portinhola e o soltei.

No dia seguinte, ele veio cantar às cinco da manhã no meu quintal. Acho que para agradecer e se despedir.

Hoje crio pássaros com tintas e pincéis. 

sábado, 21 de novembro de 2020

Amigos para sempre

 

Um ancião vivia na companhia de seu cãozinho. Os dois estavam sempre juntos. Ele – o ancião – havia pegado o cachorrinho ainda pequeno, perdido na rua.
Eles se davam muito bem. Mas um dia o ancião saiu em sua jornada para catar lixo. Era sua sobrevivência. E quando chegou em casa, descobriu que o cão estava morto. Talvez de ataque cardíaco, velhice, ou quem sabe de morte natural. O velho ficou muito triste e chorou. Entrou em depressão por um longo tempo, passou fome. Com insônia, frio, solitário, sem forças, também faleceu na calçada!
Chegou ao céu e encontrou o cãozinho arfante e logo veio com o rabo abanando de felicidade por vê-lo.
–– Você também já veio, meu velho?
–– Sim! Estou aqui! Senti muito a sua falta!
–– Ficaremos juntos eternamente! Você está feliz agora?
–– Não fiquei triste por ter morrido! Fiquei triste por não ter vindo te ver mais cedo! A humanidade está mais cruel!
–– Então vamos passear nas nuvens. Aqui não tem lixo!
Carlos Holanda

A visita

 

A mulher que há tempos não via sua comadre, veio lhe visitar. Ao chegar, aperta a campainha, mas ninguém atende. A mulher bate na porta insistentemente e, de repente, a cada batida, era correspondida por dentro, como se alguém estivesse batendo também pelo lado de dentro querendo sair, porém, não falava nada.
–– Estranho! Apertei a campainha e ninguém atendeu. Bati na porta e alguém bateu de volta, mas não fala nada e nem abre.
Nesse momento, a vizinha que observava tudo diz:
–– Senhora, não tem ninguém aí não!
–– Como não tem ninguém? A pessoa do lado de dentro também bateu na porta! Deve estar de brincadeira! E eu telefonei para ela agora a pouco dizendo que estava vindo para cá!
–– Senhora, não tem ninguém aí!
–– Como você sabe disso?
–– A mulher que morava aí morreu há uma semana!
–– Cruz credo! Vai agourar o cão. Falei com ela há meia hora pelo telefone!
–– E com quem você pensa que está falando agora?
–– Contigo! Ora mais!
–– Eu sou vizinha dela no cemitério!
Carlos Holanda

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Cilada

 


Caminhoneiro viaja o dia todo e precisa descansar. De longe avista um restaurante à beira da estrada. Lá estão muitos caminhões e carretas. Alguns enferrujados pelo tempo, corroídos pela história. Não há outra pousada ou coisa parecida a quilômetros e então ele decide parar ali. Manobra o veículo com maestria e estaciona bem próximo da fachada, da janela. Desce do carro e entra. O ambiente não é dos mais agradáveis, mas para quem só quer tomar um banho, comer alguma coisa, repousar e seguir viagem, está ótimo.

– Boa noite!
– Boi noite! - Responde a mulher gorda.
– Você tem um quarto vago?
– Sim tenho. Mais alguma coisa?
– Um bife mal passado e ovos.
– Aqui está a chave. O Senhor é carnívoro, então?
– Sim. Gosto de carnes. Vou tomar um banho rápido enquanto você prepara a refeição.
– Ok. Fique à vontade.
Um casal sentado ao lado da única mesa desocupada beberica e observa tudo.
– Voltei. Com esse banho fiquei novinho em folha. Minha refeição está pronta?
– Sim. Sente-se naquela mesa, por favor, que levarei em seguida.
– Obrigado.
Bem o homem não senta, um Senhor de cabelos brancos e longos, barba por fazer indaga:
– Olá! O Senhor tem uma longa estrada pela frente. Poderia nos dar uma carona?
– Não converso muito com estômago vazio.
A atendente põe o prato na mesa e pergunta se ele quer beber alguma coisa.
– Quero uma cerveja, pra tirar a poeira da garganta.
– Amigo, te perguntei se pode nos dar uma carona. Minha mulher está grávida e eu preciso ir à cidade mais próxima para comprar uma peça para meu caminhão.
– Essa carne tem um gosto diferente. É adocicada ou é impressão minha?
– Tem duas coisas boas aqui: a batata frita e a cerveja, mas deixa para lá. Você insiste em não me ouvir.
– A cerveja está ótima! Bem geladinha. Terminei aqui – o motorista olha pela janela e vê um homem forte em cima do para-choque limpando o para-brisa de sua trucada.
– Liga não. Você não irá pagar nada. Eles prestam esse serviço aqui de cortesia – avisa o homem velho.
– Ah, sim. Levo vocês. A gente sairá bem cedinho.
– Olha! Amor. Que bom! Ele é um homem generoso! – diz a mulher.
– Ah, claro. Será uma viagem para outro mundo.
– Como disse?
– Quero dizer que nesse fim de mundo não tem nada.
– Ah, entendi.
De manhã cedo...
– Amigo, deixe-me dirigir a metade do caminho, afinal são mil e duzentos quilômetros de estrada. Essa é minha forma de agradecer.
– Dizem que quando a esmola é grande o santo desconfia, mas, sem problemas. Sentarei no meio e sua mulher ficará na janela.
– Ok.
A carreta toma o rumo da cidade mais próxima de onde o Judas perdeu as botas. Andam uns cem quilômetros e de repente, um gancho daqueles de açougue que mais parece um anzol gigante, desce sobre sua cabeça e o fisga pelo maxilar e o ergue até o teto da boleia da carreta. O homem esperneia enquanto o motorista de cabelos brancos assovia.
– Pronto! Teremos mais carne humana para as refeições e mais uma carreta para desmanchar.
– Claro! E ele nem percebeu que nosso gigante limpador de vidros fez um trabalho perfeito.
Carlos Holanda.