segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

GINA, A caçadora VI - Vingança

A vingança é um prato que se serve frio, diz o ditado popular. Os sistemas legais modernos ocidentais geralmente afirmam que sua intenção é a reabilitação ou a reinserção na sociedade. Porém, mesmo nestes sistemas a noção de justiça como vingança persiste em setores da sociedade.

Sobre as bases morais, psicológicas e culturais da vingança a filósofa  Martha Nussbaum escreveu: "O senso primitivo do justo — notadamente constante de diversas culturas antigas a instituições modernas começa com a noção de que a vida humana é uma coisa vulnerável, uma coisa que pode ser invadida, ferida, violada de diversas maneiras pelas ações de outros. Para esta penetração, a única cura que parece apropriada é a contra invasão, igualmente deliberada, igualmente grave. E para equilibrar a balança verdadeiramente, a retribuição deve ser exatamente, estritamente proporcional à violação original. Ela difere da ação original apenas na sequência temporal e no fato de que é a sua resposta em vez da ação original — um fato frequentemente obscurecido se há uma longa sequência de ações e contra ações".

A ética da vingança é acaloradamente debatida na filosofia. Alguns acreditam que ela é necessária para manter uma sociedade justa. Em algumas sociedades se acredita que o mal infligido deve ser maior do que o mal que originou a vingança, como forma de punição. A filosofia de "olho por olho" citada no Velho Testamento da Bíblia ( Exôdo  21:24 ) tentou limitar o dano causado, igualando ao original, para evitar uma série de ações violentas que escalassem rapidamente e saíssem do controle. Outros argumentam contra a vingança alegando que se assemelha à falácia de que "Dois erros fazem um acerto". Alguns cristãos interpretam a passagem de Paulo "A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor" ( Epístola aos Romanos 12:19, na versão da Bíblia Sagrada) significando que apenas Deus tem o direito de praticar a vingança.

Do alto da montanha um cavaleiro solitário observa a cidade. Após estudar bem como entrar e como sair, pois de lá, daquela altura, daria pra ver bem os pontos de fuga no horizonte. Ele resolve então, procurar um lugar para se hospedar.

                                       Imagem divulgação Web

Sun Tzu disse: “Se você conhece o inimigo e, conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”.

Um homem armado como esse, tem sede de vingança e tem seus motivos, embora as leis prometam fazer justiça prendendo, julgando e condenando, mas ele não acredita nisso, até porque já se passaram meses e não houve nenhuma prisão e muito menos julgamento. Decidido, ele quer fazer justiça com as próprias mãos. Essa não é uma prática salutar e tampouco convencional, mas o homem está convicto de que a lei não funciona ali. Eram três irmãos e a última notícia que teve foi de que os dois que vieram se aventurar naquele município foram assassinados.

Miguel também é, assim como seus irmãos, um indivíduo de alta periculosidade e não tem nenhuma pista de quem os matou, mas tem certeza que o encontrará e tentará punir à sua maneira...
Sem saber ao menos por onde começar, encontra a pousada mais barata; ele não quer luxo mesmo, só um lugar para dormir. Depois de se informar, termina por se arranchar na pousada simples de Dona Luzia.

Gina acordou muito cedo e passa a manhã treinando com arco e flecha.
Rita pede ao pai que a leve na casa da amiga, afinal é um final de semana e não tem muito o que fazer, a não ser trocar umas ideias. Seu Manoel diz ter outros afazeres e autoriza que ela vá a cavalo e que pode até passar o dia por lá.

Miguel, por sua vez começa uma série de indagações sobre seus irmãos na pousada de Dona Luzia.
- Dona Luzia, nessa cidade a lei não funciona muito bem, não é?
- Olha! Isso aqui é o fim do mundo. A gente vive assustada. A polícia só tem um delegado e três policiais. A única viatura que tem, está no prego faz dias. Não tem como fazer uma diligência. A cidade está entregue às moscas e ao deus-dará.
- Me desculpe perguntar, mas tem alguém preso?
- Rum! Tem nada! Quando alguém vai pra cadeia, se tiver dinheiro, num instante sai. O juiz também nem para por aqui. Passa maior parte do tempo na capital.
- E o prefeito, que é a autoridade máxima, o que ele faz quanto a isso?
- Não faz! É outro par de calças que anda com uma reca de jagunços pra se proteger. Só pensa nele e na família dele. E o povo que se lasque.
- É complicado, Dona Luzia. Eu mesmo não acredito nesses políticos.
- Nem eu. A gente só vota porque é obrigado. Eles só se lembram do povo no tempo das eleições.
- Vou ter que dar umas voltas por aí pra conhecer a cidade.
- Vá amigo e não se meta em encrencas!
- Obrigado por se preocupar, Dona Luzia, só mais uma última pergunta, pode ser?
- Pergunte, não dói e nem pesa responder.
- Eu soube que mataram dois homens de bem violentamente, há alguns meses, já solucionaram esse caso? Prenderam quem cometeu tamanha crueldade?
- Meu amigo, esse e outros casos me parecem que ainda não foram descobertos. Um foi lá pras bandas do cabaré de Maria Preta. O outro foi num cassino que tem no centro. De mais nada eu não sei. Por que o senhor está tão interessado nessas coisas?
- Nada não. Como a Senhora mesmo disse: responder não dói e nem pesa, creio que perguntar também não. É só curiosidade mesmo de um estranho nas terras alheias.
- Tá bom!
- Vou lá, Dona Luzia...
- Vai com Deus!

Rita chega à casa de Gina bem empolgada com o que tem a dizer para sua amiga.
- Bom dia, Seu João Lobo!
- Bom dia filha!
- Quero falar com a Regina, ela está aí?
- Está! Entre.
- Oi amiga! Tenho uma coisa para te falar.
- Oi Rita! Então vamos lá para fora. Meu pai não pode ouvir essas histórias.
- Está bem. Vamos.
- Fala!
- Ouvi meu pai falar para minha mãe que, enquanto jogava baralho com seus amigos e o cabo de polícia, ele falou que chegou um forasteiro na cidade, procurando informações sobre aqueles que você...
- Sei. Que eu matei.
- É. E agora o que você vai fazer?
- Não sei ainda. E o que ele quer mesmo, seu pai falou?
- Só disse que parece que ele é irmão deles.
- Vixe! Pois o caldo vai engrossar Rita. É melhor você deixar de vir por aqui, enquanto ele não vai embora. Pode ser perigoso demais estar aqui em casa. Cedo ou tarde ele vai aparecer. O povo tem a boca grande.
- Vou ficar de olhos e ouvidos abertos perto do pai. Quando tiver novidades lhe direi.
- Tá ótimo, assim!
Miguel cavalga devagar, quase trotando em seu cavalo preto, um belo manga-larga! É então que lhe vem um estalo, visitar o cabaré de Maria Preta.
- Bom dia, Senhora! Gostaria de falar com a proprietária.
- Pois pode falar, sou eu mesma.
- Eu vou ser bem direto para não tomar seu tempo.
- As meninas não ficam aqui pela manhã, mas se quiser mando chamar.
- Não! Não é sobre isso que quero falar. Gostaria de lhes perguntar sobre um acontecido criminoso há alguns meses.
- Vixe! Olha, moço, eu não sei de nada, não, visse?
- Como não sabe? Os dois homens foram mortos aqui no seu estabelecimento.
- Meu Senhor, é verdade que esses homens vieram para cá, mas só no dia seguinte é que foram encontrados mortos. Foram esfaqueados...
- E quem fez isso? Você não sabe quem entra ou sai daqui?
- À noite é bem movimentada aqui.
- Dona Maria, me desculpe pela franqueza, mas tenho quase certeza de que a Senhora sabe quem foi para o quarto com eles.
Passa um filminho na cabeça de Luzia, um flash.
- Vou lhes dizer uma coisa, mas você sabe, informação exige duas coisas.
- Diga.
- Recompensa e sigilo. Pode fazer isso, se é que me entende?
Miguel puxa um valor que acha adequado e lhe entrega.
- Muito bem, falamos a mesma língua. Não sei muito, mas recordo que naquele dia, uma moça morena, muito bonita, veio aqui, fez umas perguntas e os levou para o quarto. Nem demorou muito. Saiu e disse que eles estavam no céu.
- Quantos anos tem essa mulher?
- Senhor...
- Miguel. Meu nome é Miguel.
- Acho que não passava de dezoito anos, por aí, viu?
- Eles eram bem fortes para serem mortos, os dois, tão rápido e perversamente por uma garota tão jovem.
- É. Eu também duvidei. A polícia arquiva quase tudo aqui, mas mandaram esse processo para a capital.
- Nem vou procurar na Delegacia. Você sabe me dizer onde ela mora?
- Não sei ao certo, mas ouvi falar que é num povoado que fica para as bandas da saída da cidade, entrando numa estrada de chão, depois da ponte, à direita. De mais nada não sei. Ela nunca tinha vindo aqui.
- Fica com Deus! Vou dar uma olhada por aí...
Miguel volta para a pousada, vai almoçar e arquitetar seu plano de vingança.
Enquanto isso, Regina pede a Júlio que lhe ajude a cavar um buraco bem fundo, tipo uma cova em uma das veredas mais distantes uns cem metros da sua casa. O irmão sequer pergunta para o que é e no final da tarde já está feito o serviço. Gina diz que fará o resto do que planeja.
No dia seguinte, de manhã, Miguel bate à porta de João Lobo.
- Ô de casa! Ô de casa!
Ninguém atende. Regina como já esperava a visita indesejada, grita a uns cinquenta metros:
- Quem é você e o que quer?
- Quero conversar e pedir para me arranchar por um dia.
- Conversa furada! Você não é dessas bandas e não tem nada para fazer aqui.
- Ah! Tenho sim! Vim saber da história real, do crime que envolve meus irmãos. E tenho certeza que você é a culpada!
- Eu não. Eles. Você não sabe a metade da missa.
- É de fato, posso não saber, mas vou te dizer uma coisa, você não vai contar essa história para ninguém, sua vagabunda, criminosa.
Nesse momento, Miguel arrasta seu rifle da sela do animal e atira.
- Você é o mais covarde dos três.  Para falar com uma mulher, vem armado até os dentes.
- Só vim te matar e vou embora.
- Vem me pegar! Atiça Gina.
Gina corre na vereda e some no mato. Miguel corre em sua direção, pensando ser uma presa fácil, viu-a desarmada.
- Vem cá negra, safada! Vou te mostrar quem é covarde!
Cautelosamente, como quem caça um animal, põe um pé atrás do outro.
Vou te encontrar e te sangrar como quem sangra um porco. É isso que você merece.

Desapercebidamente Miguel cai no buraco que Júlio havia feito. Era uma gangorra, tamanho família, com uma boca de dois metros por um, coberta com terra fina e folhagens. Dentro, estacas pontiagudas que o atravessaram em quatro ou cinco pontos no tórax e estômago, além das pernas. Os pontos vitais foram atingidos. Não haveria como escapar e ali mesmo seria enterrado.
- Quem é negra safada agora? Não saia da sua sepultura, esse é seu lugar.
Antes de tudo acontecer, essa manhã, muito cedo, João Lobo e o filho foram à cidade vender suas peles.

Gina esperou Júlio chegar para lhe ajudar a enterrar o “assunto”, que em outra linguagem chamariam o cadáver de presunto.
- Júlio, está feito! Na vida, nem tudo é como a gente quer ou planeja. A vida tem muitas escolhas, mas essa não foi a minha.
- Eu entendo Gina.  Pelo menos é mais um bandido fora de circulação. Esse não fará mal a ninguém daqui pra frente. Mas essa com certeza não é a coisa certa. Vamos terminar caindo em maus lençóis.

- Depois quero conversar com você sobre nós. Nesse momento vou refletir sobre o que já foi feito. Certo ou errado, não somos nós que vamos julgar. Há coisas que fazemos por questões de sobrevivência, mesmo contra nossa vontade.

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