A
vingança é um prato que se serve frio, diz o ditado popular. Os sistemas legais
modernos ocidentais geralmente afirmam que sua intenção é a reabilitação ou a
reinserção na sociedade. Porém, mesmo nestes sistemas a noção de justiça como
vingança persiste em setores da sociedade.
Sobre as bases morais,
psicológicas e culturais da vingança a filósofa Martha
Nussbaum escreveu: "O senso primitivo do justo —
notadamente constante de diversas culturas antigas a instituições modernas começa
com a noção de que a vida humana é uma coisa vulnerável, uma coisa que pode ser
invadida, ferida, violada de diversas maneiras pelas ações de outros. Para esta
penetração, a única cura que parece apropriada é a contra invasão, igualmente
deliberada, igualmente grave. E para equilibrar a balança verdadeiramente, a
retribuição deve ser exatamente, estritamente proporcional à violação original.
Ela difere da ação original apenas na sequência temporal e no fato de que é a
sua resposta em vez da ação original — um fato frequentemente obscurecido se há
uma longa sequência de ações e contra ações".
A ética da vingança é acaloradamente debatida na filosofia. Alguns
acreditam que ela é necessária para manter uma sociedade justa. Em algumas
sociedades se acredita que o mal infligido deve ser maior do que o mal que
originou a vingança, como forma de punição. A filosofia de "olho por
olho" citada no Velho Testamento da Bíblia ( Exôdo 21:24 ) tentou
limitar o dano causado, igualando ao original, para evitar uma série de ações violentas que escalassem rapidamente e saíssem do controle. Outros
argumentam contra a vingança alegando que se assemelha à falácia de que "Dois erros fazem um acerto". Alguns cristãos interpretam a passagem de Paulo "A mim
a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor" ( Epístola aos
Romanos 12:19, na versão da Bíblia Sagrada) significando que apenas Deus tem o direito de praticar a vingança.
Do alto da montanha um
cavaleiro solitário observa a cidade. Após estudar bem como entrar e como sair,
pois de lá, daquela altura, daria pra ver bem os pontos de fuga no horizonte. Ele
resolve então, procurar um lugar para se hospedar.
Imagem divulgação Web
Sun Tzu disse: “Se você conhece o inimigo e, conhece a si
mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas
não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se
você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”.
Um homem armado como
esse, tem sede de vingança e tem seus motivos, embora as leis prometam fazer
justiça prendendo, julgando e condenando, mas ele não acredita nisso, até
porque já se passaram meses e não houve nenhuma prisão e muito menos
julgamento. Decidido, ele quer fazer justiça com as próprias mãos. Essa não é
uma prática salutar e tampouco convencional, mas o homem está convicto de que a
lei não funciona ali. Eram três irmãos e a última notícia que teve foi de que
os dois que vieram se aventurar naquele município foram assassinados.
Miguel também é, assim
como seus irmãos, um indivíduo de alta periculosidade e não tem nenhuma pista
de quem os matou, mas tem certeza que o encontrará e tentará punir à sua
maneira...
Sem saber ao menos por
onde começar, encontra a pousada mais barata; ele não quer luxo mesmo, só um
lugar para dormir. Depois de se informar, termina por se arranchar na pousada
simples de Dona Luzia.
Gina acordou muito
cedo e passa a manhã treinando com arco e flecha.
Rita pede ao pai que a
leve na casa da amiga, afinal é um final de semana e não tem muito o que fazer,
a não ser trocar umas ideias. Seu Manoel diz ter outros afazeres e autoriza que
ela vá a cavalo e que pode até passar o dia por lá.
Miguel, por sua vez começa
uma série de indagações sobre seus irmãos na pousada de Dona Luzia.
- Dona Luzia, nessa
cidade a lei não funciona muito bem, não é?
- Olha! Isso aqui é o
fim do mundo. A gente vive assustada. A polícia só tem um delegado e três
policiais. A única viatura que tem, está no prego faz dias. Não tem como fazer
uma diligência. A cidade está entregue às moscas e ao deus-dará.
- Me desculpe
perguntar, mas tem alguém preso?
- Rum! Tem nada! Quando
alguém vai pra cadeia, se tiver dinheiro, num instante sai. O juiz também nem
para por aqui. Passa maior parte do tempo na capital.
- E o prefeito, que é
a autoridade máxima, o que ele faz quanto a isso?
- Não faz! É outro par
de calças que anda com uma reca de jagunços pra se proteger. Só pensa nele e na
família dele. E o povo que se lasque.
- É complicado, Dona
Luzia. Eu mesmo não acredito nesses políticos.
- Nem eu. A gente só
vota porque é obrigado. Eles só se lembram do povo no tempo das eleições.
- Vou ter que dar umas
voltas por aí pra conhecer a cidade.
- Vá amigo e não se
meta em encrencas!
- Obrigado por se preocupar,
Dona Luzia, só mais uma última pergunta, pode ser?
- Pergunte, não dói e
nem pesa responder.
- Eu soube que mataram
dois homens de bem violentamente, há alguns meses, já solucionaram esse caso?
Prenderam quem cometeu tamanha crueldade?
- Meu amigo, esse e
outros casos me parecem que ainda não foram descobertos. Um foi lá pras bandas
do cabaré de Maria Preta. O outro foi num cassino que tem no centro. De mais
nada eu não sei. Por que o senhor está tão interessado nessas coisas?
- Nada não. Como a Senhora
mesmo disse: responder não dói e nem pesa, creio que perguntar também não. É só
curiosidade mesmo de um estranho nas terras alheias.
- Tá bom!
- Vou lá, Dona Luzia...
- Vai com Deus!
Rita chega à casa de
Gina bem empolgada com o que tem a dizer para sua amiga.
- Bom dia, Seu João
Lobo!
- Bom dia filha!
- Quero falar com a
Regina, ela está aí?
- Está! Entre.
- Oi amiga! Tenho uma
coisa para te falar.
- Oi Rita! Então vamos
lá para fora. Meu pai não pode ouvir essas histórias.
- Está bem. Vamos.
- Fala!
- Ouvi meu pai falar
para minha mãe que, enquanto jogava baralho com seus amigos e o cabo de
polícia, ele falou que chegou um forasteiro na cidade, procurando informações
sobre aqueles que você...
- Sei. Que eu matei.
- É. E agora o que
você vai fazer?
- Não sei ainda. E o
que ele quer mesmo, seu pai falou?
- Só disse que parece
que ele é irmão deles.
- Vixe! Pois o caldo
vai engrossar Rita. É melhor você deixar de vir por aqui, enquanto ele não vai
embora. Pode ser perigoso demais estar aqui em casa. Cedo ou tarde ele vai
aparecer. O povo tem a boca grande.
- Vou ficar de olhos e
ouvidos abertos perto do pai. Quando tiver novidades lhe direi.
- Tá ótimo, assim!
Miguel cavalga
devagar, quase trotando em seu cavalo preto, um belo manga-larga! É então que
lhe vem um estalo, visitar o cabaré de Maria Preta.
- Bom dia, Senhora!
Gostaria de falar com a proprietária.
- Pois pode falar, sou
eu mesma.
- Eu vou ser bem
direto para não tomar seu tempo.
- As meninas não ficam
aqui pela manhã, mas se quiser mando chamar.
- Não! Não é sobre
isso que quero falar. Gostaria de lhes perguntar sobre um acontecido criminoso
há alguns meses.
- Vixe! Olha, moço, eu
não sei de nada, não, visse?
- Como não sabe? Os
dois homens foram mortos aqui no seu estabelecimento.
- Meu Senhor, é
verdade que esses homens vieram para cá, mas só no dia seguinte é que foram
encontrados mortos. Foram esfaqueados...
- E quem fez isso?
Você não sabe quem entra ou sai daqui?
- À noite é bem
movimentada aqui.
- Dona Maria, me
desculpe pela franqueza, mas tenho quase certeza de que a Senhora sabe quem foi
para o quarto com eles.
Passa um filminho na
cabeça de Luzia, um flash.
- Vou lhes dizer uma
coisa, mas você sabe, informação exige duas coisas.
- Diga.
- Recompensa e sigilo.
Pode fazer isso, se é que me entende?
Miguel puxa um valor
que acha adequado e lhe entrega.
- Muito bem, falamos a
mesma língua. Não sei muito, mas recordo que naquele dia, uma moça morena,
muito bonita, veio aqui, fez umas perguntas e os levou para o quarto. Nem
demorou muito. Saiu e disse que eles estavam no céu.
- Quantos anos tem
essa mulher?
- Senhor...
- Miguel. Meu nome é
Miguel.
- Acho que não passava
de dezoito anos, por aí, viu?
- Eles eram bem fortes
para serem mortos, os dois, tão rápido e perversamente por uma garota tão
jovem.
- É. Eu também
duvidei. A polícia arquiva quase tudo aqui, mas mandaram esse processo para a
capital.
- Nem vou procurar na
Delegacia. Você sabe me dizer onde ela mora?
- Não sei ao certo, mas
ouvi falar que é num povoado que fica para as bandas da saída da cidade,
entrando numa estrada de chão, depois da ponte, à direita. De mais nada não
sei. Ela nunca tinha vindo aqui.
- Fica com Deus! Vou
dar uma olhada por aí...
Miguel volta para a
pousada, vai almoçar e arquitetar seu plano de vingança.
Enquanto isso, Regina
pede a Júlio que lhe ajude a cavar um buraco bem fundo, tipo uma cova em uma
das veredas mais distantes uns cem metros da sua casa. O irmão sequer pergunta
para o que é e no final da tarde já está feito o serviço. Gina diz que fará o
resto do que planeja.
No dia seguinte, de
manhã, Miguel bate à porta de João Lobo.
- Ô de casa! Ô de
casa!
Ninguém atende. Regina
como já esperava a visita indesejada, grita a uns cinquenta metros:
- Quem é você e o que
quer?
- Quero conversar e
pedir para me arranchar por um dia.
- Conversa furada!
Você não é dessas bandas e não tem nada para fazer aqui.
- Ah! Tenho sim! Vim
saber da história real, do crime que envolve meus irmãos. E tenho certeza que
você é a culpada!
- Eu não. Eles. Você
não sabe a metade da missa.
- É de fato, posso não
saber, mas vou te dizer uma coisa, você não vai contar essa história para
ninguém, sua vagabunda, criminosa.
Nesse momento, Miguel
arrasta seu rifle da sela do animal e atira.
- Você é o mais
covarde dos três. Para falar com uma
mulher, vem armado até os dentes.
- Só vim te matar e
vou embora.
- Vem me pegar! Atiça
Gina.
Gina corre na vereda e
some no mato. Miguel corre em sua direção, pensando ser uma presa fácil, viu-a
desarmada.
- Vem cá negra,
safada! Vou te mostrar quem é covarde!
Cautelosamente, como
quem caça um animal, põe um pé atrás do outro.
Vou te encontrar e te
sangrar como quem sangra um porco. É isso que você merece.
Desapercebidamente
Miguel cai no buraco que Júlio havia feito. Era uma gangorra, tamanho família,
com uma boca de dois metros por um, coberta com terra fina e folhagens. Dentro,
estacas pontiagudas que o atravessaram em quatro ou cinco pontos no tórax e
estômago, além das pernas. Os pontos vitais foram atingidos. Não haveria como
escapar e ali mesmo seria enterrado.
- Quem é negra safada
agora? Não saia da sua sepultura, esse é seu lugar.
Antes de tudo
acontecer, essa manhã, muito cedo, João Lobo e o filho foram à cidade vender
suas peles.
Gina esperou Júlio
chegar para lhe ajudar a enterrar o “assunto”, que em outra linguagem chamariam
o cadáver de presunto.
- Júlio, está feito!
Na vida, nem tudo é como a gente quer ou planeja. A vida tem muitas escolhas,
mas essa não foi a minha.
- Eu entendo
Gina. Pelo menos é mais um bandido fora
de circulação. Esse não fará mal a ninguém daqui pra frente. Mas essa com
certeza não é a coisa certa. Vamos terminar caindo em maus lençóis.
- Depois quero
conversar com você sobre nós. Nesse momento vou refletir sobre o que já foi
feito. Certo ou errado, não somos nós que vamos julgar. Há coisas que fazemos
por questões de sobrevivência, mesmo contra nossa vontade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário