terça-feira, 12 de abril de 2016

Viajantes I O príncipe

Por Carlos de Holanda
Pedro é um viajante contumaz, uma mistura de aventureiro com fotógrafo naturista. Trabalha para uma grande revista. Certa vez, ajeitou seus instrumentos, barraca, mochila e outros apetrechos de acampamento, colocou em seu jeep e pegou a estrada. Parou no posto de combustível, abasteceu o veículo e foi embora. Andou muitos quilômetros, até encontrar uma estrada vicinal a esmo. Parou, pensou e descobriu que não conhecia aquela floresta. Resolveu encarar, pois dali poderia sair boas fotos. Um local de paisagens belíssimas, de natureza bem diversificada com fauna e flora exuberante.
Acelerou e arrancou. Um jeep com tração 4x4 é bem potente e anda por cima de paus e pedras, embora os biscoitos dos pneus estejam gastos. O veículo deixa um rastro de poeira. As lanternas traseiras vão diminuindo com a distância.
A estrada é cheia de pedregulhos e traiçoeira, mas Pedro se acostumara com isso. As surpresas são muitas em lugares desconhecidos. Ouve-se um estrondo, o carro começa a dançar e a puxar só para um lado. Ele pára, desce, verifica e percebe que o pneu rasgou em algum bico de pedra. Se irrita, chuta areia, mas se controla e resolve trocar. Quando vai tirar o estepe logo vê que também está murcho, até se espanta, pois essa não é uma prática comum, seu veiculo sempre está revisado. Bom, sem alternativas, numa manhã ensolarada como essa o que mais poderia acontecer? Deve passar alguém motorizado pra lhe ajudar. Pensou. Toma uma decisão: fotografar ladeando a estrada, enquanto espera por alguém, que talvez nem venha. Tira então o equipamento, tripé, uma mochila menor, cantil com água, pendura sua máquina no pescoço e sai por trilhas bem próximas do veículo. Faz uma sequência de fotos e se arrisca um pouco, penetrando mais no matagal. Tenta encontrar ângulos que possa enquadrar pássaros e flores. É tão comovente e apaixonante seu trabalho, que ele esquece totalmente do ocorrido, afinal, ainda é manhã.
Embrenha-se no mato, procurando motivos mais interessantes pra registrar, até chegar bem perto de uma formação rochosa, um aglomerado de pedras esculturais belíssimas, pra completar o cenário exótico, ao fundo, uma cachoeira desliza do alto, uma queda d”água belíssima. Isso é tudo que um fotógrafo quer. Um cenário cinematográfico de encher os olhos.
A natureza despida lhe convida para desvirginar seus mistérios; a sonoridade dos pássaros, folhas verdes, flores de rara beleza e um céu de azul anil, com raios de sol para iluminar. Perfeito! O que mais um fotógrafo poderia querer em um paraíso desses?
Empolgado com tantas imagens produzidas, senta numa pedra, come uma barra de cereal, verifica as fotos e aproveita para dar um mergulho. É um momento ímpar e convidativo. Desvencilha-se das vestimentas e pula nas águas da cachoeira. Quando vem à tona, tem o pressentimento de que alguém o observa. Enxuga-se, veste a calça de brim, coloca a camisa e o colete cheio de bolsos, que é quase uma farda de quem exerce essa profissão. Se ajeita para fazer mais fotos e voltar. Ouve então um barulho de galho seco quebrado levemente, como passadas... deve ser algum animal silvestre. Pensa. Mas, aquele vento frio percorre sua espinha dorsal por um instante. Vira-se bruscamente e vê uma mulher de cabelos longos e curvas estonteantes, molhada, com um vestido branco colado ao corpo. Uma deusa perfeita! Perdida ali. Ela acena sorrindo, chamando-o sedutoramente. Pedro, estático, sem voz, estranhara a beleza do lugar há pouco tempo, mas, encontrar uma criatura tão bela, era demais para seu coração.
Uma figura tão delicada e singela, mal nenhum poderia fazer. Segue-a por algum tempo, até perder-se, porém, sem perdê-la de vista. Entra numa fronteira estranha. Ela deixa que ele se aproxime o máximo, porém, mantendo uma certa distância, impressionando-o a cada segundo com seu sorriso conquistador. Às vezes chegava tão perto, que confundia o perfume das flores com o dela.
A mulher, lhes dá uma colher de chá e surpreendentemente, deixa que ele a abrace e a beije, e sem quaisquer palavras, ela se entrega, fazem um jogo de sedução e amor ao ar livre. É extasiante. Não há proibição, pelo menos agora. E ali, é consumado um ato sexual que jamais haveria feito em toda sua vida. Os corpos fisam em estado de relaxamento após o ato. Por um momento ele fecha os olhos e cochila. Quando se recupera, percebe que não há ninguém ao seu lado. Sente um calafrio, mas, acha que pode ser uma brincadeira e que agora vem a parte do diálogo. Corre para a queda d”água na esperança de encontrá-la, para tirar suas dúvidas. Tudo em vão. Recolhe seu equipamento e ruma na trilha de volta. Mesmo assim, permanece aquela sensação de estar sendo seguido. Desconfiado e amedrontado apressa o passo. Tudo está confuso em sua mente, apesar da experiência de andar só.
Entende que caminhou bastante, pois as sombras das árvores declinam. Não sentiu nem fome, de tão intensa que foi essa aventura. Depois desse longo percurso, chega ao seu jeep, que por incrível que pareça, está intacto, com os quatro pneus cheios. Verifica o estepe e vê que está cheio, como deixara, quando saiu de casa. Aumenta a confusão em sua cabeça. Como pode?
Passam então dois homens montados a cavalo no sentido contrário ao carro e um deles pergunta:
- O senhor banhou na cachoeira, moço?
- Sim, banhei. Por quê?
- Por nada, não Sr.
- Ei, ei, espera. Vocês podem me ajudar?
Os homens se entreolham e um diz ao outro:
- É mais um que a rainha pegou.
- É. Hoje vai ter ritual dos mortos.
Pedro liga o carro, faz uma manobra rápida e se dirige para casa, cheio de indagações.
7 MESES DEPOIS...
Às margens da cachoeira, nasce um bebê, que rapidamente é entregue à rainha-mãe, vestida de branco com cachecol vermelho, rodeada por figuras sinistras e misteriosas em torno de uma fogueira. Um trono vazio o aguarda...

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