–– Marrapá! Quando começo isso? É moleza!
–– Não é tão mole assim não. O Jaime é osso duro
de roer.
–– Me aponte um macho que eu tenha medo.
–– Não quis dizer isso. Ele tem que ser pego de
surpresa. Temos que começar a eliminar os peões desse tabuleiro numa ação
conjunta.
–– E o vice-prefeito?
–– Esse eu faço questão de desmascarar e tu vai
ter que estar lá na hora.
–– Pode preparar a papelada. Agora, hoje, vamos
comemorar essa nova amizade e as mudanças que poderão vir.
–– Vamos sim.
––Tenho umas cachaças e vinhos, guardados. Ah,
tem carne seca de veado e carne de bode no varal. Vou mandar acender uma
fogueira e nós vamos beber e comer.
–– Não sou muito de beber, mas vou comer, já
estou mesmo com fome.
–– Tem que beber nem que seja só umas duas doses
de serrana ou um caneco de vinho, afinal tu serás o padrinho do meu filho.
–– Eu?
–– Pois é. Eu ia escolher um homem do bando, mas
agora seremos compadres. Eu te protejo e tu o protegerá.
–– Serei padrinho do filho do homem que salvou
minha vida com o maior prazer.
–– Tens esposa?
–– Tenho claro!
–– Pois ela, sem nem mesmo que eu a conheça será
a madrinha. Quando o Padre chegar, mandarei busca-la. De acordo?
–– De acordo.
–– Ah, pois! Cancão manda trazer a bebida e as
carnes pra assar no fogo. E não deixe ninguém sair da vigília. Bota dois homens
na entrada da estrada, visse?
–– Sim Senhor Capitão.
–– Sabe, Capitão, minha cabeça não para de
pensar, então, a gente vai arranjar umas vagas para as mulheres fazerem algumas
coisas.
–– Rapaz presidente deixa para falar nisso depois.
–– Não, não. Eu quero empregar pessoas nas
escolas para fazer limpeza, servir a merenda escolar, fazer outros serviços. O
prefeito tem uma série de obras para inaugurar antes da eleição. E nós agora
somos compadres. Tenho que sair daqui com tudo planejado e tu só tens que
garantir os votos. Com o tempo, todos estarão numa sociedade mais justa.
–– Entendo. Já foi muita promessa por hoje.
Vamos beber e comer.
–– Preciso de um lápis e papel para anotar tudo
que eu disse aqui.
Sentados em tamboretes de
madeira e tampos cobertos com couro de bode, os dois homens conversam enquanto
o vereador vai fazendo suas anotações. Cancão
trás a cachaça e o vinho e outro acende a fogueira para assar carne.
–– Gerônimo, tu sabes o significado do teu nome?
–– Taí que nunca pensei nisso.
–– Todo nome tem significado.
–– Tu és letrado mesmo. Tu és doutor?
–– Sou formado em direito. Sofri muito. Era um
homem pobre. Dei duro na vida.
–– Tens filhos?
–– Tenho um garoto com doze anos.
–– Casou novo não é?
–– Casei.
–– Sim, e qual é o significado do meu nome?
–– Bem, Jerônimo significa nome sagrado.
–– Viu, Cancão? O homem sabe das coisas.
–– Tô vendo aí chefe.
–– Tem origem no nome grego Hierónymus, composto
pela união dos elementos “hiéros”, que significa “sagrado” e onyma onoma que
quer dizer “nome”. Foi utilizado em homenagem a São Jerônimo desde a idade
média, sobretudo na Itália e na França, e é usado na Inglaterra desde o século
XII. Em Portugal, foi encontrado em documentos datados da primeira metade do
século XVI. Também tem San Jerônimo no México e São Jerônimo no Brasil. É um
nome forte.
–– Como é que tu sabes tanto sobre meu nome,
vereador?
–– Coincidência ou não, pesquisei sobre nomes de
pessoas antes de meu filho nascer, e esse é também o nome dele.
–– Estou impressionado! Só pode ser coisa do
destino.
–– Pois é. Coisas boas acontecem em nossas
vidas. E se tu me deres permissão, posso falar muito mais do que tu possas
imaginar.
–– Então fale homem. Temos todo tempo do mundo.
Calango.
–– Sim meu capitão.
–– Trás aí a cuia com uns pedaços de carne. Já
está no ponto?
–– Já tem uns pedaços bem assados.
–– Pois traga aqui, e trás pimenta também.
–– Sim Senhor.
–– Prossiga presidente.
–– Tu já ouviste falar de Lampião, o rei do
cangaço?
–– O Padre Lauro já contou umas histórias por
aqui, mas foi coisa pouca. Podes falar se quiser.
–– Pois bem. O Cangaço foi
um fenômeno do banditismo brasileiro ocorrido no nordeste do país em que os membros do grupo vagavam pelas
cidades em busca de justiça e vingança pela falta de emprego, alimento e
cidadania, causando o desordenamento da rotina dos camponeses.
–– O que não é o
nosso caso. A gente aqui se vira como pode, mas não leva desaforo para casa e
nem atenta o povo.
–– A verdade é
que com o tempo as pessoas em sociedade sofrem transformações e tornam-se
civilizadas.
–– Se eu falar
sobre os que já morreram, tu irás ficar impressionado. Eles eram brutos.
(...)
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