terça-feira, 2 de julho de 2019

CANGACEIROS 22




–– Marrapá! Quando começo isso? É moleza!
–– Não é tão mole assim não. O Jaime é osso duro de roer.
–– Me aponte um macho que eu tenha medo.
–– Não quis dizer isso. Ele tem que ser pego de surpresa. Temos que começar a eliminar os peões desse tabuleiro numa ação conjunta.
–– E o vice-prefeito?
–– Esse eu faço questão de desmascarar e tu vai ter que estar lá na hora.
–– Pode preparar a papelada. Agora, hoje, vamos comemorar essa nova amizade e as mudanças que poderão vir.
–– Vamos sim.
––Tenho umas cachaças e vinhos, guardados. Ah, tem carne seca de veado e carne de bode no varal. Vou mandar acender uma fogueira e nós vamos beber e comer.
–– Não sou muito de beber, mas vou comer, já estou mesmo com fome.
–– Tem que beber nem que seja só umas duas doses de serrana ou um caneco de vinho, afinal tu serás o padrinho do meu filho.
–– Eu?
–– Pois é. Eu ia escolher um homem do bando, mas agora seremos compadres. Eu te protejo e tu o protegerá.
–– Serei padrinho do filho do homem que salvou minha vida com o maior prazer.
–– Tens esposa?
–– Tenho claro!
–– Pois ela, sem nem mesmo que eu a conheça será a madrinha. Quando o Padre chegar, mandarei busca-la. De acordo?
–– De acordo.
–– Ah, pois! Cancão manda trazer a bebida e as carnes pra assar no fogo. E não deixe ninguém sair da vigília. Bota dois homens na entrada da estrada, visse?
–– Sim Senhor Capitão.
–– Sabe, Capitão, minha cabeça não para de pensar, então, a gente vai arranjar umas vagas para as mulheres fazerem algumas coisas.
–– Rapaz presidente deixa para falar nisso depois.
–– Não, não. Eu quero empregar pessoas nas escolas para fazer limpeza, servir a merenda escolar, fazer outros serviços. O prefeito tem uma série de obras para inaugurar antes da eleição. E nós agora somos compadres. Tenho que sair daqui com tudo planejado e tu só tens que garantir os votos. Com o tempo, todos estarão numa sociedade mais justa.
–– Entendo. Já foi muita promessa por hoje. Vamos beber e comer.
–– Preciso de um lápis e papel para anotar tudo que eu disse aqui.

Sentados em tamboretes de madeira e tampos cobertos com couro de bode, os dois homens conversam enquanto o vereador vai fazendo suas anotações. Cancão  trás a cachaça e o vinho e outro acende a fogueira para assar carne.

–– Gerônimo, tu sabes o significado do teu nome?
–– Taí que nunca pensei nisso.
–– Todo nome tem significado.
–– Tu és letrado mesmo. Tu és doutor?
–– Sou formado em direito. Sofri muito. Era um homem pobre. Dei duro na vida.
–– Tens filhos?
–– Tenho um garoto com doze anos.
–– Casou novo não é?
–– Casei.
–– Sim, e qual é o significado do meu nome?
–– Bem, Jerônimo significa nome sagrado.
–– Viu, Cancão? O homem sabe das coisas.
–– Tô vendo aí chefe.
–– Tem origem no nome grego Hierónymus, composto pela união dos elementos “hiéros”, que significa “sagrado” e onyma onoma que quer dizer “nome”. Foi utilizado em homenagem a São Jerônimo desde a idade média, sobretudo na Itália e na França, e é usado na Inglaterra desde o século XII. Em Portugal, foi encontrado em documentos datados da primeira metade do século XVI. Também tem San Jerônimo no México e São Jerônimo no Brasil. É um nome forte.
–– Como é que tu sabes tanto sobre meu nome, vereador?
–– Coincidência ou não, pesquisei sobre nomes de pessoas antes de meu filho nascer, e esse é também o nome dele.
–– Estou impressionado! Só pode ser coisa do destino.
–– Pois é. Coisas boas acontecem em nossas vidas. E se tu me deres permissão, posso falar muito mais do que tu possas imaginar.
–– Então fale homem. Temos todo tempo do mundo. Calango.
–– Sim meu capitão.
–– Trás aí a cuia com uns pedaços de carne. Já está no ponto?
–– Já tem uns pedaços bem assados.
–– Pois traga aqui, e trás pimenta também.
–– Sim Senhor.
–– Prossiga presidente.
–– Tu já ouviste falar de Lampião, o rei do cangaço?
–– O Padre Lauro já contou umas histórias por aqui, mas foi coisa pouca. Podes falar se quiser.
–– Pois bem. Cangaço foi um fenômeno do banditismo brasileiro ocorrido no nordeste do país em que os membros do grupo vagavam pelas cidades em busca de justiça e vingança pela falta de emprego, alimento e cidadania, causando o desordenamento da rotina dos camponeses.
–– O que não é o nosso caso. A gente aqui se vira como pode, mas não leva desaforo para casa e nem atenta o povo.
–– A verdade é que com o tempo as pessoas em sociedade sofrem transformações e tornam-se civilizadas.
–– Se eu falar sobre os que já morreram, tu irás ficar impressionado. Eles eram brutos.  
(...)

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