terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A televisão na praça

 


Àquela época, notícia era boato, rede social era a calçada onde o povo sentava na porta para conversar. A maioria comprava um radinho a pilha para ouvir futebol e algum programa mais relevante. A energia chegou e logo os mais abastados compraram as TVs portáteis em preto e branco.

Anos se passaram e o prefeito anunciou uma “obra”, iria construir um pedestal na praça para colocar uma televisão de vinte polegadas. O povo ficou ansioso para assistir “Gerônimo, o herói do sertão”. Dito e feito. O prefeito era homem de palavra. O carro com aquelas amplificadoras enormes anunciava aos quatro ventos o evento. A televisão já amanheceu o dia dentro de uma grade de ferro, coberta com um pano branco e amarrada com uma fita vermelha para ser cortada e inaugurada pelo gestor. Foi uma festa com banda de música e tudo. Os discursos eram cansativos e de quebra cada um que falava rasgava seda puxando o saco do prefeito. E o povo? Aplaudia cada gesto, cada palavra. Estavam todos admirados com aquele monstrengo no meio da pracinha.

Pois pronto! Cortaram a bendita fita ao meio dia. Foi aplauso geral. Admiração. O que não previram foi que, uma TV em preto e branco, no meio do tempo a céu aberto, com sol a pino não mostraria os contrastes da imagem. Foi um deus nos acuda para explicar o funcionamento. E todos foram para casa desapontados, embora tenham sido avisados para virem assistir à boquinha da noite.

E à noite, a multidão de famílias e matutos das redondezas aglomerou-se na frente da TV, trouxeram até uns banquinhos com tampos de couro de bode para sentar. O funcionário público ligou a bicha, passou quase meia hora mexendo nos botões e a tela só mostrava aquele exame e uma chiadeira sem fim. Demorou, mas conseguiu sintonizar a novela da época. Clareou, escureceu e deixou no tom. Foi uma algazarra, gargalhadas e com olhos esbugalhados novamente uma chuva de aplausos. O prefeito enchia o peito orgulhoso, dava tapinhas nas costas dos eleitores, pegava nas mãos de uns e abraçava outros.

Um mês depois, o vigia da praça adoeceu e na calada da noite, de madrugadinha, surrupiaram o aparelho. De manhã cedo perceberam que a grade estava arrebentada e o lugar estava mais limpo do que os pratos da música.

Até hoje, nunca descobriam quem roubou. Acho até que o cabra que levou deve estar usando a caixa como depósito de farinha ou feijão.

Carlos Holanda

Nenhum comentário:

Postar um comentário