domingo, 31 de maio de 2020

Cangaceiros 52


Uma hora e meia antes...
O vereador dirige a rural, seguido pelos cinco homens de Gerônimo em suas montarias rumo à residência até parar na porta. O cachorro late e abana o rabo, reconhece o presidente da Câmara assim que ele desce do carro. Em seguida a empregada abre a porta e grita:
–– Patroa! O patrão está de volta!
–– Eu não acredito! – a esposa vem abraça-lo antes que ele entre – meu amor! Eu pensei que jamais te veria!
–– Estou aqui! Eu também te amo! Onde está nosso filho?
–– Aqui papai! – o menino enlaça com os braços as pernas do pai e falta não largar mais.
A família se abraça e entra na maior alegria do mundo.
–– Conta-me o que aconteceu! Tu estás bem?
–– Estou! Estou! É uma história comprida! Trouxe esses homens comigo! São meus seguranças, enquanto arranjo outros permanentes. Onde está o Gonzaga?
–– Estou aqui patrão!
–– Gonzaga! Pegue a chave da outra casa, leve esses homens e acomode-os lá!
–– Certo patrão!

O vereador ordena a Maria de Jesus, sua empregada, que prepare comida para cinco homens e se preciso for, mate uma leitoa gorda com a ajuda de Gonzaga.

–– Façam isso rápido! – vira para a esposa - Temos muito para conversar, meu amor! – diz o vereador à esposa.
–– Sim! É claro! Eu registrei um boletim na delegacia, mas eles não moveram uma palha até agora.
–– Deixe isso comigo! Muita coisa aconteceu nesses dias! Depois do almoço a gente conversa mais. Preciso banhar agora.
–– Sim meu amor!
–– Papai! O Senhor trouxe um presente da viagem para mim? – indaga o garoto sem entender direito o que se passa.
–– Não filho. Mas, amanhã comprarei um bem bonito para ti.
–– Está bem papai!
–– Agora me dê um instante só!
–– Sim papai!
–– Tem uma toalha e sabonete na gaveta!
–– Obrigado querida! Preciso preparar um discurso para apresentar na Câmara amanhã!
–– Faremos isso juntos! Mais tarde! Depois que tu descansares!
–– O que tu estás insinuando?
–– Ah, nada! – risos.
–– Está bem!

Gerônimo e seus homens avistam a casa de propriedade do Coronel Messias conforme foi descrito pelo Padre, onde estariam os tratadores e os cavalos.

A casa coberta de telhas com paredes de tijolos grossos e alvenaria - daquelas do tempo em que se criava cachorro com linguiça – rebocadas e aparentemente é uma construção antiga, sem reformas recentes, notadamente pelas rajadas de cores opacas e cinzas escorridas das últimas chuvas; tem um grande alpendre com peitoril e grossas colunas, típico da época. As portas e janelas de madeira antiga sem pintura denotam que não há preocupação com a segurança do local e o proprietário rico confia mais em seus homens armados e a mantém para outros fins que não é uma moradia residencial.

Quarenta cavalos estão mais distantes pastando. Há uma pocilga do lado direito e um aprisco mais acima e essa criação não é comercial, é a fonte de alimentação dos cinco homens que se revezam na vigilância dos animais de grande porte. Galinhas, galos e outras aves ciscam pelo quintal. Há uma cerca de madeira ao redor, feita com paus de sabiá entrançados e carnaúba para dar sustentação. As árvores frutíferas como mangueiras, cajueiros e laranjais que dão sombra ao lugar se espalham também e fazem parte do cenário cinematográfico do interior. Um poço cavado há muitos anos abastece a propriedade. Ao lado de uma das paredes está uma canoa quebrada, furada e roída por cupins e outros insetos e sobre ela um remo mais resistente às intempéries do tempo em que um riacho passava por dentro da propriedade e hoje com a escassez de chuvas, secou.

Os jagunços despreocupados sentindo-se seguros nem dão as caras lá fora. Fazem o que podem para manterem-se entretidos, confiantes no mandachuva Messias e em suas armas e por isso passam o tempo jogando baralho, bebendo e comendo a comida feita por uma mulher que é tida quase como refém e muitas vezes é maltratada quando algo os desagrada.

–– Gerônimo como tu sabes que essa é a casa?
–– O Padre disse que tem uma carcaça com cabeça de boi enfiada numa estaca na frente. E a descrição é essa! Olha ali. Lá está!
–– Sim! Estou vendo! – afirma Calango.
–– Como não tem ninguém do lado de fora. Dois ficam aqui e os outros cercam a casa. Eu vou pela frente. Em silêncio como a cobra, viu? Vamos surpreendê-los!
–– Certo Capitão!
(...)

Cangaceiros 51



Gerônimo e o bando saem do centro da cidade e cavalgam por ruas calçadas de paralelepípedos até entrar em outra de areia frouxa, de um bairro mais pobre, e deparam-se com uma cena inusitada onde dois homens brancos, altos e fortes agridem uma mulher negra, nova, bonita e a filha de aproximadamente quinze anos, quase uma mocinha refeita com cintura de violão e ancas largas. Eles as impedem de passar e as maltratam puxando-as pelos cabelos. E as esculhambam com palavrões de ofensa racista.

–– Negra safada! Por aqui tu não passarás! – diz um – puxando a mulher pelos cabelos.
–– A negrinha também não! O que vocês estão pensando? Que podem circular livremente pela cidade? Vocês teriam que estar amarradas num tronco, ou servindo na fazenda de meu pai! – diz o outro que atalha a mocinha com tapas e pontapés.
–– Acudam-me! Pelo amor de Deus! Moço pelo bem de Nossa Senhora não faça isso! Façam o que quiserem comigo, mas deixem minha filha em paz. – grita a mulher, mas não aparece uma vivente alma para ajuda-la.

A gritaria é grande e elas a cada vez que pedem ajuda eles batem mais e xingam, com ódio pura e simplesmente por causa da cor da pele das vítimas. Como se isso os ofendesse.

Dentro de casa as pessoas faltam se escanchar umas nas outras nos pés das portas e janelas de duas bandas para olharem através das frestas. Mas ninguém se atreve a socorrê-las. Cochicham e balbuciam palavras de repúdio, mas não há sequer uma atitude.

–– Gerônimo tu estás ouvindo isso? – pergunta Calango.
–– Espera! Espera! É nessa ruazinha aqui!
–– Socorro! Socorro! Acudam! – berra a mulher enquanto os cães das casas mais próximas latem, mas eles, os agressores, não ligam.
–– Calango! Vamos cerca-los e deixe que eu resolvo isso. Não interfiram. Já faz tempo que não dou uns bofetes na cara de cabra safado.
–– Eu sou negro! Venham bater em mim que sou do teu tamanho! Seus cabras sem vergonha!
–– Pessoas como tu e elas são sempre inferiores a pessoas como eu e ele. Tem que ficar numa jaula ou em correntes. Não servem para nada, a não ser para trabalhar para nós, os brancos de olhos azuis – diz um.
–– Todo cachorro que anda em bando quer ser mais corajoso. Vou te esfolar negro safado – rebate o outro.
–– Quer uma ajuda aí Gerônimo? – indaga um dos cangaceiros ainda montado no cavalo que observa as ofensas.
–– Não precisa! Agora é pessoal e se tiver uma coisa que não aceito é covardia e desonra – Gerônimo tira o chapéu de couro, põe na lua da sela de seu cavalo preto como a graúna e enfrenta os dois homens numa briga corporal – desses aqui, não só vou cortar as orelhas, irei comê-las como tira-gosto de cachaça. Gerônimo retira de debaixo da sela um chiqueirador feito de umbigo de boi curtido, com cabo de madeira e dá a primeira chicotada laçando um pelo pescoço. Arrasta-o para perto de si e esmurra no rosto até o mel descer. Deixa-o em poucos segundos inconsciente, o outro arrasta uma faca e golpeia no vácuo. Gerônimo esquiva-se de várias investidas, mas o cabra também é bom de briga e consegue acertar a tábua do queixo do cangaceiro. O soco foi tão forte que o derruba e faz sangue no canto da boca.
–– Levanta-te! Quero te mostrar quem manda aqui. Tu és grande, mas não é dois.

Entre socos e pontapés, o homem ainda com a faca na mão direita, acerta outro murro no rosto do cangaceiro e nesse instante tenta furá-lo com a peixeira, mas num descuido, Gerônimo dá-lhe uma rasteira e o derruba. Depois como um animal raivoso, bate tanto na cara do homem que ele fica irreconhecível.

–– Vamos ver se teu sangue é de outra cor para ser tão diferente. Não tenho o coração cheio de ódio, mas não tolero injustiças. Isso também não é justiça é castigo – afirma o cangaceiro.

O homem que dormiu por uns minutos, quase nocauteado pelos tabefes de Gerônimo, acorda, balança a cabeça ainda grogue e se levanta cambaleando.

–– Teu sangue não é azul! Escroto!
–– Oxente! Nem o teu! É exatamente isso que vou verificar agora. Eu sou pai. E um pai de verdade não pode deixar uma mulher e uma criança ser maltratada dessa forma. Temos que ter orgulho da cor. Gerônimo saca a peixeira e enfia entre a clavícula e o pé do cangote. O sangue vermelho espirra e lava o chão enquanto o homem esperneia e desvanece sem vida.
A mulher abraça a filha e comprime contra o peito, encostada na parede. O outro homem vendo que não tem escapatória ajoelha-se e implora para não ser morto.
–– Não me mata!
–– Tem uma parte de ti que levarei comigo! Não irei te matar! – Gerônimo aproxima-se do homem que agora já não é tão macho e puxa-o pelo pescoço e arranca a orelha com uma mordida. O grito de dor e medo ecoa na ruela. O cangaceiro sai de perto dele mastigando enquanto o sangue escorre.
–– Moço como é seu nome? – pergunta a mulher que continua quase imóvel abraçada com a filha.
–– Gerônimo! O nome dele é Gerônimo Senhora! – diz Calango.
–– Um homem que se presa, não destrói aquilo que pode conquistar.
–– Obrigado Gerônimo! – agradece a mulher.
––De nada Senhora! Vão embora agora! E boa sorte!
–– E se tu ainda incomodares essa mulher e a filha dela, nós voltaremos aqui para te capar. Vai embora cachorro da mulesta! - Ameaça Calango!
–– Vamos embora! – ordena Gerônimo.
–– Gerônimo! O bicho véi é bom no bofete, viu! – Afirma Calango provocando o amigo.

Gerônimo olha para trás e vê o homem assustado com a mão na orelha, encostado na parede, então puxa as rédeas do animal para a direita, espora o cavalo e galopa até ele.

–– Espera aí! – Quando Gerônimo chega a uma distância de dois metros, saca a arma e atira na perna direita, na coxa do indivíduo. E deixa-o lá choramingando.
–– Agora podemos ir. A orelha dele estava com um gosto horrível! Além do mais, vai sarar rápido. Com uma bala na perna ele jamais me esquecerá. Tragam os cavalos! Eles não precisarão deles.
(...)

Cangaceiros 50


–– Tenho uma casa ao lado da minha que está desocupada. Eles poderão ficar lá por uns tempos ou enquanto tu quiseres.
–– Calango! Orienta aí quem vai com meu compadre e diz para ficarem atentos e sem bebedeira ou arruaça.
–– Sim! Capitão! É para já!

Gerônimo cumprimenta o vereador com um aperto de mão, despede-se e entra na Igreja com o Padre, que agradece a carona e acena com a mão direita na despedida.

–– Padre é o seguinte: de lá para cá estive pensando e decidi que irei contigo para a capital comprar essas armas e trocar o ouro por dinheiro.
–– Sábia decisão, porém, terás que te aperfilar como homem da cidade. Vestir outras roupas, aparar a barba e usar uma loção. Como somos quase da mesma altura, tenho roupas que te servem.
–– Só não deixo o revólver e a faca.
–– Poderás levar, mas tens que ser discreto. Deixar escondido para não chamar a atenção do povo.
–– Certo! Então quero dizer mais, que Lúcia não pode ir porque ainda está de resguardo e amamentando e não posso deixar que ela se arrisque tanto numa tarefa tão perigosa.
–– Tens razão! É melhor que ela fique com a criança. Ah, vamos tomar a água e um café.
–– Vamos!
–– Quando a Júlia passou por aqui, antes de viajar, ela deixou uma carta. Está lembrado que falamos sobre isso?
–– Sim! Não é aquela que quase peita em mim no corredor dessa Igreja?
–– Sim! Sim! A filha do Coronel.
–– O que tem ela?
–– Ela me disse que o pai tem uma propriedade há poucos quilômetros daqui e lá estão uns quarenta cavalos.
–– E daí?
–– Daí que tem também cinco homens que os tratam e vigiam. Eles cuidam dos animais para mais tarde, na eleição, o Coronel ameaçar o povo com os jagunços armados forçando-os a votar no candidato dele.
–– Padre, o que tu queres dizer com isso?
–– Que tu fez um pacto com os índios e se tu levar esses animais para o acampamento e der a metade para o grande chefe ele ficará muito agradecido. Além do mais, já tiraste uma parte de suprimento quando confiscou o gado, por assim dizer. Agora é hora de tirar uma parte das montarias.
–– Isso é roubo Padre, mas, o deixaria mais pensativo, além da recompensa.
–– Sim! É claro! Outra coisa! Vais tu mesmo lá na bodega do Arilson e oferece essa recompensa pessoalmente! Tem coragem para isso?
–– Padre eu só tenho medo dos castigos de Deus. Por outro lado confio em mim e em duas coisas que carrego comigo até dormindo – com essa frase Gerônimo saca o revólver com uma mão e acaricia a peixeira com a outra.
–– Pois a decisão é tua!
–– Tem onde a gente pernoitar por aqui hoje?
–– Quartos para onze homens não tem. Nem lugar para os cavalos. Mas cabem todos na Igreja.
–– A gente nem precisa dormir direito, se ajeita no pé da parede. Hoje tu ficarás bem vigiado. Ficaremos revezando.
–– Então fiquem à vontade! Vou mandar preparar a comida e reservar um pouco de vinho de caju. Se quiseres fazer uma oração, estás no lugar certo.
–– Obrigado Padre! Reze por mim! Só falo com Deus em pensamentos. Ah, podemos pegar água para os cavalos?
–– Muitas vezes precisamos dobrar os joelhos e orar. Faz bem ao coração. A leveza da alma e do espirito está na fé de cada um. E sim, é claro! O poço é lá no final da casa Paroquial. O Sacristão te ajudará com isso.
–– Padre! Quer saber? Mudei de ideia! Só ficaremos aqui se realmente tu quiseres. Ainda não é nem meio dia, então o que tu achas de pegarmos esses cavalos para adiantar as coisas?
–– Eu acho ótimo! Não precisas te preocupar comigo. Deus me enviará seus anjos com um manto de proteção.

Assim que os animais terminam de beber Gerônimo e o pequeno bando atiçam as esporas nos vazios dos cavalos e partem rumo a propriedade de Messias.

–– Então t
enha um bom dia Padre! Homens! Vamos embora!
(...)

Cangaceiros 49


Às dez horas da manhã de hoje o sol já é escaldante. As ruas estão desertas nessa manhã. Quase não há movimento na cidade de Olho D’Água, por conta dos arrasta-pés e das festas juninas que vão até altas horas da madrugada. Algumas poucas pessoas transitam cuidando dos seus afazeres. O carro dirigido pelo vereador para na frente da igreja de uma torre só, onde de longe se avista o sino de metal e uma cruz detalhada de bronze. O templo é composto por uma porta de dois metros de altura em madeira entalhada e quando aberta, avista-se o grande Crucifixo feito da madeira de cedro ao fundo, no altar. Um mendigo com vestimentas esfarrapadas ainda dorme na calçada e outro, provavelmente cego, com roupas sujas e barba por fazer, está ao lado e mantém a mão estendida, esperando pela boa vontade de alguém que lhes dê uma esmola. Do lado esquerdo e do lado direito mais duas portas dão acesso. O adro tem poucos metros de largura e comprimento e mais três degraus de pedra sobrepostas até o carro estacionado. Duas palmeiras imperiais ladeiam as entradas, embelezando a construção antiga com arquitetura colonial. A Casa Paroquial de poucos cômodos com a pintura branca gasta pelo tempo fica ao lado. A pracinha arborizada e com quatro postes de madeira ostentam lampiões a querosene, um em cada canto e um no centro para mais tarde, à boquinha da noite, serem acesos pelo vigia. A vaca malhada lá distante, pasta no canteiro. De um lado da rua, casas caiadas com muretas de proteção e plantas esgalhadas para fora com flores; acima dos telhados de ambos os lados sobressaem copas dos pés de mangas, cajus, coqueiros e oitis - algumas frutas estão comidas pelos pássaros - na outra rua lateral, deixaram uma carroça de madeira, apoiada na calçada, sem o burro, e embaixo dela, um cachorro branco está deitado à sombra, desconfiado com o tropel dos cavalos no calçamento de pedras e o movimento dos cangaceiros e, com os olhos miúdos de preguiça observa com a cabeça entre as patas dianteiras. Entre uma casa e outra há bodegas, bares, barbearias e lojinhas de moda e de tecidos. Mais lá na ponta da rua, uma carga de cana no lombo do jumento cardão é entregue ao dono da garapeira. As barracas de palha da quermesse ainda estão de pé para à noite seus donos venderem comidas típicas e bebidas. Há também na praça, os cordões de bandeirolas coloridas amarrados com barbantes nos mastros de madeira onde os quadrilheiros se apresentarão logo mais.

Quinze homens escoltam o Padre e o vereador até as portas da Igreja e que agora saem do carro. Gerônimo desmonta e é acompanhado por Calango.

–– Oxente! Eu estou vendo dois homens se beijando naquele banco da praça, ou estou ficando doido? Será que estou é ruim da vista? – indaga Calango olhando para os dois, esfregando os olhos com as duas mãos enquanto caminha lado a lado com o Capitão.
–– Quem se importa com a vida dos outros esquece de cuidar da sua. Sabias? – responde Gerônimo.
–– Sai de boca que tu não és batom – diz o outro cangaceiro que ouve a pergunta.
–– Calango, eu gosto de mulher. Mas, tem gente para todo gosto no mundo. Alguns homens se satisfazem com jumentas, cabritas ou ovelhas. Nesse caso eu não acho muito certo, mas no caso desses dois que se beijam, mesmo sendo “machos”, por assim dizer, devem se amar. Cada um com seu cada qual. Não digam nada. Deixem-nos serem felizes e se amarem. Não temos nada a ver com isso. Então deixa a vida dos outros em paz. Nossa missão aqui é proteger o Padre e o vereador.

A conversa chega aos ouvidos do Padre, e por estarem pertos também tem uma observação do Pároco.

–– Filhos, Deus criou o homem e a mulher para constituir família e procriar na face da terra, mas as escrituras quando dizem amai uns aos outros, não distingue se é macho ou fêmea, homem ou mulher, preto ou branco. Então o que tem que prevalecer na humanidade é o respeito. Vejam o exemplo da natureza que se reproduz sem pedir opinião de ninguém. Os homens bem que poderiam ser assim para viver em harmonia. Tudo começa com essa palavra. Não importa a cor da pele, o clero ou o idioma.
–– Padre! Vamos falar de outra coisa! – diz Gerônimo aperreado, sedento e fatigado da viagem por caminhos empoeirados da caatinga.
–– Vamos! Tu não queres entrar?
–– Quero um pouco de água.
–– Então vamos entrar. A casa de Deus cabe todo mundo!
–– Gerônimo! Quero agradecer por tudo! Quero também chegar em casa logo para rever minha família! Estou com uma saudade arretada do meu filho! – diz o vereador.
–– Sim! Não se aperrei não! Vou mandar cinco homens contigo e eles ficarão lá, desde que tu dês lugar aonde eles possam se arranchar.
(...)

sábado, 30 de maio de 2020

Cangaceiros 48


–– É. Pai! Parece que ele está limpo!
–– Essa miséria só quer um emprego. É um morto de fome.

Pouco tempo depois Cancão entra na casa e se dirige ao escritório do Coronel, mas assim do nada, um negro sai detrás da cortina das janelas que se arrastam até o chão e adentra a sala quase igual com ele com uma espingarda em punho.

–– Vai morrer Coronel – diz o escravo que já tem o homem na mira, mas Cancão rápido como um gato assustado, saca o revólver da cintura e atira no meio dos olhos do escravo, salvando assim a vida do Coronel. Dois jagunços correm para a sala e...
–– O que foi isso Coronel?
–– O que foi isso? Como é que uma desgraça dessas, um imbecil desses entrou aqui, pegou uma arma e nenhum de vocês viu? Para que é que eu pago tanta segurança? Puta que pariu! Se não fosse o novato eu estaria morto! Chamem o chefe de vocês aqui! Avexado!
–– Sim chefe! – Diz o jagunço.
–– Estou aqui patrão!
–– Senta aí!
–– Sim Senhor!
–– Cancão! É o seguinte: tu acabas de ser promovido! Eu ia te mandar fazer o serviço com o prefeito, mas, diante dessa ação, tu serás o chefe dessa equipe agora. São doze homens na minha segurança e tu os comandarás daqui em diante.
–– Pai!
–– Cala a boca Miguel! O que eu te falei?
–– Pai!...
–– Não fala nada porra! Já disse!

O Coronel saca o revólver da cintura e dá dois tiros na cara do chefe que sentado, escangota o pescoço para o lado.

–– Agora tu decides como farás o serviço com o prefeito. Pensa rápido e me diz pela manhã. Agora saiam todos e limpem essa bosta.
–– Pai o plano continua o mesmo.
–– Não Miguel! É por isso que se chama plano, de planejamento. Vamos ver como ele reage como líder. Amanhã a gente vê isso. Não importa os meios para chegar a um fim.
–– Está bem! O Senhor quer uma bebida?
–– Sim! Quero!
–– Licor?
–– Não! Quero um copo de cachaça! E depois, deixa-me a sós.
–– Sim Senhor!

Zé pezão e os comparsas chegam à fazenda e quase igual com eles Inácio também com mais seis homens...

–– Cancão, tu por aqui? – diz Zé Pezão desmontando do cavalo.
–– Pois é! E tu trabalhas aqui, é?
–– Trabalho sim! Tenho uma notícia para dar ao Coronel!
–– Tens que falar comigo primeiro!
–– Por que?
–– Porque sou eleito o novo chefe da segurança!
–– Mas o que tenho para falar tem que ser só para ele.
–– Nessa porta só passa quem eu autorizar. Diz-me o que é e quem sabe libero tua fala.
–– Rapaz, Cancão, é pessoal.
–– Ou tu fala ou volta! Quem manda da porta para fora sou eu.

Zé Pezão olha para um e para outro e os doze homens seguem as ordens de Cancão com armas em punho.

–– Rapaz, tu diz para ele que tem uma recompensa de dez mil contos pela cabeça dele.
–– E é? Quem que está oferendo tanto dinheiro assim?
–– É um tal de Gerônimo! O bicho é rico e destemido. Cangaceiro das brenhas.
–– Sei! E qual a missão que o Coronel te deu?
–– Era para trazer o Arilson, aquele dono da bodega aqui.
–– E cadê ele? Tu trouxeste?
–– Não Cancão! O Homem é mais vigiado do que o cão. O Manoel Espicha Couro está com ele e mais uma meia dúzia de homens.
–– Ah, então tu falhaste na missão?
–– Não é bem assim. Eles obrigaram a gente a trazer essa informação.
–– E tu achas que o Coronel vai ficar alegre com isso?
–– Mas ele precisa saber, para tomar as providências.
–– E essas duas lesmas que andam contigo, para que servem?
–– Cancão, a coisa é mais séria do que tu imaginas.
–– Tu e esses cabras são muito é frouxos. Isso sim.
–– Cancão eu te conheço e sei que tu faz parte do bando...

Antes que Zé Pezão termine a frase, Cancão saca o revólver e atira na cabeça dele. Dois tiros quase no mesmo lugar, a queima roupa.

–– Tirem esse traste daqui. Vocês seus porras. Vocês que vieram com ele. Deixem isso limpo que vou dizer a mensagem que ele trouxe. Daqui em diante vocês seguem minhas ordens. Estamos entendidos?
–– Sim Cancão! – diz um dos comparsas de Zé Pezão.
–– E ai se algo der errado quando eu mandar, vocês já sabem. Eu não perdoo.
(...)

Cangaceiros 47


–– Bem, nesse caso ele terá que fazer isso no meio do povo. O prefeito só anda arrodeado de gente.
–– Pois é. Dê-lhe uma boa quantia em dinheiro e os outros não precisam saber. E aí mando dois homens para dar cobertura e trazê-lo de volta. Ele saberá como agir na multidão e se não souber fazer o serviço, ou se nos comprometer, dê um fim nele.
–– Mas mande dois homens que ninguém conheça por lá. Para não ligar o crime ao Senhor.
–– Justamente! Vamos por o plano em ação. Chame-o aqui e escolha os homens.
–– Certo pai.
–– Resolva isso. Preciso ter uma conversa com teu irmão.
–– O Inácio está fora.
–– Não é com ele, é com Jeremias, nosso contador.
–– Ah, ele passa tanto tempo enfurnado nesse escritório que até esqueço que é meu irmão.
–– Ele assume um lugar importante nessa família, filho.
–– Eu sei pai! Eu sei.
–– Pois cuida desse negócio com cautela. Agora vai.

Os dois jagunços entregam Cancão ao homem conhecido por Chicote, o chefe da segunda casa.

–– Tragam-no para a sala de interrogatório – ordena Chicote.
–– Sim, Senhor!
–– Senta-te aí – ordena Chicote, apontando para uma cadeira de madeira com tampo de couro.
–– Podemos ir?
–– Não! Amarrem as mãos dele para trás, no encosto da cadeira.
–– Oxe! Se tu vai me perguntar alguma coisa eu falo é com a boca!
–– Ai e tu és desaforado assim, é de nascença?
–– Pronto chefe tá amarrado! – diz o jagunço enquanto o outro aponta a arma.
–– Todos que trabalham aqui passaram por isso. Eu pergunto e tu respondes. Entendeu?
–– Sim. Entendi.
–– Então vamos nos dar bem. Diga-me, quem te mandou aqui?
––Ninguém!

Chicote cerra o punho e desfecha um golpe no queixo de Cancão, que o sangue escorre pelo canto da boca.

–– Quem te mandou aqui?
–– Ninguém!

Outro golpe com força atinge a boca de Cancão.

–– Vamos mudar a pergunta. Porque tu estás aqui?
–– Preciso de emprego!
–– Mais uma vez Chicote acerta o rosto de Cancão.
–– Porque tu estás aqui?
–– Eu preciso de emprego, porra! Tu és burro ou tens as oiças entupidas?

Dessa vez Chicote sentiu-se ofendido. Outros que passaram por essa tortura logo diziam tudo. Então o homem bate com as duas mãos nos ouvidos de Cancão, o chamado golpe telefone.

–– Desamarra minhas mãos que te digo com carinho quem sou, de onde venho e o que posso fazer contigo.
–– Parem com isso! – ordena o Coronel que entra na sala querendo dar uma de bonzinho, mesmo sabendo que todos passam por essa sabatina.
–– Coronel esse homem não disse nada ainda.
–– Se não disse é porque não tem o que dizer. Tenho uma missão para ele amanhã cedo no evento do Arilson. Vocês dois irão com ele e se tu falhar Cancão, eles te apagarão. Tu sabes voar Cancão?
–– Não senhor, Coronel.
–– Então faça o serviço. Ah, o Miguel vai te dar uma quantia em dinheiro adiantado. O valor que ele te der é o que tu ganharás por mês. Quem ia decidir o valor era o Chicote, mas, eu valorizo homem corajoso. Daqui para a frente, tu vais se reportar a mim. Estamos entendidos?
–– Sim, Senhor!
–– Entrega o dinheiro para ele Miguel. Chicote pega maneiro com ele.
–– Sim pai!
–– Chicote mostra onde ele ficará. E não quero rixa aqui dentro por conta disso. Cancão, quando terminar aí, venha ao meu escritório para eu te passar os detalhes.
Chicote estende a mão, mas Cancão faz de conta que não vê, ignora, lança um olhar fulminante bem dentro dos de Chicote e sai.
(...)

Cangaceiros 46


–– Está certo! O Coronel é quem manda!
–– Agora vai. Acompanha o feitor!
–– Sim! Senhor!

Cancão é conduzido pelos jagunços do Coronel Messias para falar com o homem que se tornou o braço direito do homem mais poderoso e rico da região.

–– Miguel dos Reis, não tente mais fazer isso na frente de meus homens. Essa é a segunda vez que tu interferes onde não deves – diz o Coronel pondo a mão no ombro de Miguel.
–– Pai, eu sei e te respeito. Apenas sugeri aquilo porque a escrava é nova e pode produzir mais trabalhando no canavial. E o Senhor ia tirar a vida dela sem motivo algum.
–– Só quero que tu não te metas mais em minhas conversas. Estamos entendidos?
–– Pai, eu sou o teu melhor conselheiro. Sou o teu sangue e só quero teu bem.
–– Tu ainda não estás preparado para assumir meu lugar. Por mais que veja como ajo. Quando chegar a hora, te direi.
–– E tem mais pai. Não gostei desse tal de Cancão. Ele foi frio quando encarou a escrava.
–– E tu querias o que? Ele queria um emprego e eu dei. Tinha que mostrar pontaria. Não se conhece um homem a primeira vista. Temos que ver do que ele é capaz e se realmente merece confiança. Quando ele mostrar lealdade, veremos. Duas coisas são importantes em qualquer situação: Respeito e lealdade.
–– Eu sei pai. Mas ele é diferente dos outros. Ele perguntou na hora quanto ia ganhar. Os outros sempre deixaram a seu critério.
–– Miguel todos eles comem na minha mão. Ele ainda não sabe o que fazemos ou como agimos aqui dentro. Vamos dar um tempo a ele e algumas tarefas,
–– Sei não pai. O Senhor confia demais. Ele não tem nenhuma referência. Não sabemos sequer de onde ele veio ou quem o mandou para cá.
–– E os outros jagunços? Tem referências por acaso? São um bando de morto de fome que querem proteção e um dinheirinho. E é isso que a gente faz aqui, contrata homens que saibam fazer o que eu mando.
–– Não sou eu quem vai discutir suas regras, mas tenha cuidado. Esses homens matam sem pestanejar.
–– Não te preocupas! Tenho tudo sob controle. Cadê teu irmão Inácio?
–– Sei não pai. Ele só vive no meio do mundo dizendo que está fazendo campanha.
–– Fazendo arruaça e bebendo cachaça, isso sim.
–– Quando ele chegar quero que tu digas para ele que para onde ele for tem que ir com o Elesbão daqui em diante. Que diabo de candidato é esse que não anda e nem fala com o povo? Tem que gastar chinelo caminhando nos povoados e na cidade.
–– É mesmo. Estou achando ele muito acomodado.
–– Vamos conversar lá na minha sala.
–– Vamos pai.
–– Filho não há como ganharmos essa eleição no voto. Isso é fato. Mesmo gastando um rio de dinheiro, os caboclos recebem o nosso e votam no prefeito. Ele tem palavra e cumpriu o que prometeu na campanha anterior. Agora vai inaugurar meio mundo de obras e é disso que o povo gosta, além do mais, está gerando emprego e renda. Estamos num mato sem cachorro.
–– E em que o Senhor está pensando?
–– Não tem mais como ser sutil. Estou pensando seriamente em dar um fim nesse candidato dos infernos.
–– Matar o prefeito? Pai que absurdo!
–– Quem não pode com o pote não pega na rudia. Sabe? Existe uma diferença muito grande em ter dinheiro e ter poder. E dinheiro é o que tenho de sobra e o que não tenho é poder.
–– Pai dinheiro se ganha. Poder se conquista.
–– Miguel tem coisa que tem que vir por bem ou por mal. Às vezes a solução aparece de forma que você nem imagina.
–– Como assim?
–– Esse tal de Cancão apareceu aqui agora. É corajoso e atira bem.
–– E daí?
–– Daí que vou manda-lo fazer o serviço amanhã, no evento do Arilson. Vamos ver se ele sabe usar uma faca tão bem quanto é bom no gatilho.
(...)

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Cangaceiros 45


–– Arranjou amigos Zé?
–– Rapaz... eles são lá da fazenda. O Coronel queria ver o Arilson e mandou a gente aqui.
–– Se ele queria vê-lo, porque não veio pessoalmente, pau mandado? Ganha a estrada! E diz lá para o teu Coronel que estão oferecendo dez mil em dinheiro vivo pela cabeça dele numa bandeja – Manoel fala em voz alta para que todos ouçam – e não aparece mais aqui, senão tu vais ver o que é bom para tosse. Ah, explica para esses dois amigos teus o meu nome.
–– Sim. Está bem! Vamos tomar a cachaça e partiremos.

Nesse momento Benedito, o irmão e mais os dois homens armados de Arilson apontam as espingardas e carabinas para Zé Pezão e os comparsas.

–– Vão embora e não voltem. Vocês não são bem vindos aqui – diz Manoel Espicha Couro, homem temido por ter atos e ações violentas.
–– Vamos! Vamos embora! – diz Zé Pezão e saem em cima do rastro.

O plano fracassado de Zé Pezão e os dois comparsas para capturar Arilson falhou e provavelmente, com a notícia da recompensa em dinheiro que levará ao Coronel, não o deixará muito satisfeito. O fazendeiro Messias dos Reis, nessa jogada de Gerônimo, passará de caçador a caça e muitos nessa terra de ganância passarão a olhá-lo atravessado.

–– Bom dia! – cumprimenta Cancão que chega à fazenda, montado em um cavalo preto bem arreado, carregando uma espingarda bate bucha na garupa, um revólver e uma peixeira na cintura.
–– Quem vem lá? – indaga um dos jagunços, segurança e vigia da casa.
–– Meu nome é Cancão! Venho em paz!
–– E o que tu queres por essas bandas?
–– Quero trabalhar. Quero me arranchar e quero um pouco de comida e água para mim e meu cavalo.
–– Espera aí e não desmonta não.

O Jagunço entra e pede ao encarregado para ir lá fora.

–– Tem um homem ali pedindo emprego. Despacho ele ou mando desapear e entrar?
–– Manda entrar. O Coronel está bem aí na sala dele.
–– Está bem! – diz o funcionário que sai e manda Cancão entrar.
–– Bom dia!
–– Bom dia! Cabra! Tu estás procurando o que fazer?
–– Estou! Sabes como é não é? Um homem precisa comer.
–– E o que tu sabes fazer?
–– Sei atirar, mas se for preciso, trabalho em qualquer coisa.
–– Quem te indicou a fazenda do Coronel?
–– Todo mundo sabe que o Coronel é o homem mais rico da região. Além do mais, ele contrata homens que sabem atirar.
–– Eu perguntei quem indicou?
–– Não foi ninguém não Senhor. Não sabe? Eu já procurei trabalho em quase todo lugar. Só faltava vir aqui.
–– Bem, nesse caso...
–– Espera, espera! – diz o Coronel que ouviu a conversa – tu realmente sabes atirar?
–– Sei.
–– Vamos fazer um teste com ele lá fora! Trás a filha da escrava.
–– Pai! Tem um monte de coisas que podem servir como alvo.
–– Miguel meu filho, não se meta em meus negócios.
–– Pai!
–– Vamos lá para fora.
–– Vamos sim, Coronel!
–– É o seguinte, essa negrinha tem pouco mais de vinte anos. Ela irá ficar a dez metros. Quero que acerte a cabeça dela com um tiro só. Se acertar, estás contratado. Se errar, vai procurar emprego em outro lugar. Entendeu?
–– Oxe! Entendi Coronel!
–– Conta dez passos e põe ela lá. Quero ver.
–– Pelo amor de Deus não faça isso – grita a escrava com os olhos cheios d’água, arregalados de medo.
–– Amarrem a boca dela com um pano. Não quero ouvir chororô.
–– Pai, bote outro alvo. Poupe a escrava. Ela é nova e pode trabalhar. Bote um porco, um bode ou um carneiro em movimento.
–– Miguel dos Reis, tu salvaste essa escrava. Ela será tua propriedade agora. Traga um bode como ele disse. E solte-o aí no terreiro com a mesma distância.

Cancão acostumado a atirar na pestana para não ferir o caroço do olho, puxa o chifre da sela do cavalo, derrama a pólvora no cano da espingarda com cuidado, coloca a bucha, põe os caroços de chumbo grosso, engatilha a arma, se posiciona e mira.

–– Atira homem! – ordena o Coronel.

O tiro é certeiro na cabeça. O bode cai sem vida.

–– Tratem esse bode para o almoço. Está contratado homem. Mas foi só dessa vez que atirou em um bode. Da próxima vez vais atirar em gente. Dê uma arma de verdade para ele. Essa bate bucha é das antigas. Mostre onde ele ficará e apresentem-no ao Chicote.
–– O Coronel ainda não me disse quanto vou ganhar.
–– Essa questão de salário é com o Chicote. Eu aprovo a pessoa, mas quem diz quanto vai ganhar é ele.
(...)

Cangaceiros 44


–– Bom dia Arilson! Como estão as coisas por aqui?
–– Estão bem! Senhor Manoel Espicha Couro!
–– Vejo que a festa está animada!
––É. Está!
–– Arilson! Vou direto ao ponto. Tu sabes que esse Coronel não vale nada, não é?
–– O Coronel Messias?
–– É.
–– Sei!
–– Então! Foi ele quem mandou matar meu filho! E o Zé Pezão ia enterra-lo.
–– Sim!
–– Vou te confessar uma coisa que eu há anos não disse para ninguém.
–– Estou ouvindo.
–– Eu sou do bando do Gerônimo.
–– Gerônimo que tu dizes é aquele que o Coronel oferece uma recompensa pela cabeça dele? Um cangaceiro?
–– Sim. É. Mas, ele não tem culpa dessas porras que aconteceram aqui em Jatobá ou em Olho D’Água.
–– Ele já esteve aqui. Mas, onde tu queres chegar?
–– É uma longa história. Mas, eu vou esmiuçar. O presidente da Câmara foi sequestrado e ele, o Gerônimo, o encontrou e o libertou.
–– E quem foi que o sequestrou?
–– O Lucas, braço direito do Coronel e alguns jagunços.
–– E onde o vereador está agora?
–– Já foi trazido hoje para a cidade. O Padre foi no acampamento batizar o filho recém-nascido de Gerônimo e afirmou que o presidente da Câmara é um homem de bem. Tornou-se até compadre do Capitão.
–– E ele é bom mesmo. Eu sou o primeiro suplente de vereador na chapa dele. Foi o mais votado depois do prefeito e por isso virou o presidente da Câmara.
–– Pois bem. O Padre disse para eu falar em nome dele e quer que tu espalhes a notícia de que o Gerônimo está oferecendo dez mil contos pela cabeça do Coronel. Mas não é para falar em nome do Padre e sim de Gerônimo.
–– Manoel diga-me uma coisa, ele tem realmente esse dinheiro para pagar? Porque se vou informar isso preciso saber da verdade.
–– Arilson o homem vive nas brenhas e descobriu foi uma mina de ouro. Isso o povo não precisa saber. Entendeu?
–– Bem, como já estou de saco cheio dessa oposição fajuta, vou espalhar esse boato mais é ligeiro.
–– Não é boato. É verdade. Confia em mim. Não sou homem de mentiras.
–– Pois deixa comigo que faço isso é avexado! E por falar em Coronel, dá uma forcinha aqui, dá uma de segurança por hoje e amanhã.
–– Sim! Uma mão lava a outra e as duas lavam o rosto. Espalha de forma que chegue aos ouvidos do Coronel.
–– Entendi.
–– Agora bota aí uma cachaça, copo cheio para eu beber que vou acolá resolver outro problema, mas volto daqui a pouco. Ah, faz também uma buchada de bode. Tu sabes que saco seco não se põe de pé. E isso já é por conta do nosso trato.
–– Boto sim. Maria! Faz uma buchada para o Manoel Espicha Couro no grau.
–– Faço na hora. É só esperar um pouquinho.
–– Gaguinho, Chico Preto, venham cá!
–– Sim Patrão! O que é?
–– Estão oferecendo dez mil contos em dinheiro pela cabeça do Coronel Messias.
–– Quem está oferecendo esse prêmio, Arilson? – Indaga Chico Preto.
–– Rapaz! É o cangaceiro Gerônimo.
–– E ele é rico assim?
–– Sei não, mas passa a informação para a frente. Quanto mais gente souber, melhor. De preferência para quem anda armado. Entenderam?
–– Entendemos!
–– Diz para o Benedito ali e para o irmão dele também.

Nesse momento, entra no recinto Zé Pezão e os dois Jagunços, meio desconfiados, principalmente o Zé, que de cara percebe que Manoel Espicha Couro está escorado no meio do balcão, com os dois cotovelos apoiados, bem de frente mesmo, deixando salientar as armas que tem na cintura e o rifle apoiado na perna, só escutando a zuada da mutuca. Eles pedem umas doses de cachaça e são abordados por Manoel.

–– Zé Pezão? O que tu faz por essas bandas? Eu te dei uma missão simples e era para ficar por lá, mas, tu não entendeste a gravidade dos fatos.
–– E tu quem és com essa arrogância toda? – indaga um dos jagunços amigo de Zé?
–– Não queira nem saber quem sou. Tu não irás gostar de me conhecer.
–– Ai e é? – pergunta o jagunço acendendo um cigarro.
(...)

Cangaceiros 43


–– Sim meu Capitão! Venha Grande Chefe! Vamos separar o que ele prometeu!
–– Estamos indo! Vamos embora homens!

O vereador sai dali fortalecido politicamente desse impasse e promete legalizar todos se eles votarem nele. Prometeu moradia em terras do município com vida digna, doando os títulos de terras com o aval do prefeito.

O bando de Gerônimo chega à cabana onde está a rural, ponto de encontro combinado.

–– Gerônimo eu estava pensando e conclui que é melhor a Lúcia não ir à capital conosco – diz o Padre.
–– Por quê?
–– Ela está de resguardo. Precisa descansar e ainda está amamentando. É melhor ela ficar contigo no acampamento.
–– Vendo por esse lado, tu tens razão.
–– Eu tenho um amigo de longas datas que é conhecedor de armas, aliás, a família toda sabe atirar.
–– E quem é?
–– Joaquim da Silva. Vou convidá-lo para ir comigo.
–– O Joaquim não é aquele que tem sete filhos e mora lá perto de Jatobá? – indaga o vereador.
–– Sim. É claro!
–– Quero convidá-lo para trabalhar comigo! Diz para ele Padre! – diz o vereador.
–– Então aproveita e trás eles para nosso lado – afirma Gerônimo.
–– É o que irei tentar fazer. Mesmo sabendo que ele é um homem sério e honesto que não gosta de confusão.
–– Padre todos nós somos sérios e honestos. Faça como achar melhor desde que traga as armas, munição, pólvora e dinamite – diz Gerônimo.
–– Em cinco dias me organizo e partirei para a capital. Então? O que estamos esperando? Tenho uma Paróquia para cuidar.
–– E eu uma família desesperada para saber se ainda estou vivo. Vamos embora – afirma o vereador.
–– Em cinco dias estarei de volta à Igreja para te dar apoio até sair da cidade.
–– Está certo. Vamos?
–– Vamos!

Segundo dia do evento de comes e bebes e diversão na bodega do Arilson, no povoado Jatobá. Hoje é dia de brigas - Lutas físicas e sem armas, cordelista e cantadores com violas. Também tem a corrida do saco e o pau de sebo que ninguém conseguiu subir para retirar o prêmio no dia anterior.

O lavrador humilde passa de barraca em barraca oferecendo goma e beiju. A carga no lombo do jumento é produzida na farinhada distante dali. Nessa mesma ocasião outro homem amarra o burro na porta da bodega com uma carga de rapadura proveniente de moagem mais próxima e acredita que Arilson é o comprador e por isso, como de costume oferece.

Esse é o tipo de movimento que começa cedo no interior. Alguns caboclos ainda estão de ressaca. Viraram a noite no forró pé-de-serra e agora querem tomar caldo de carne apimentado, comer mão de vaca ou simplesmente tomar café com cuscuz lambuzado com manteiga da terra e ovos.

Arilson acabou de anunciar as atrações do dia e promete muita diversão aos presentes. Depois volta para detrás do balcão para atender seus clientes.

Manoel Espicha Couro é o homem designado por Gerônimo para dar a notícia do prêmio pela cabeça do coronel. Está definido dez mil contos e ele acaba de chegar, desapeia do cavalo, amarra-o na cerca ao lado da bodega, retira o rifle da sela, apoia no ombro direito e dirige-se à bodega. Carrega consigo na cintura um revólver cano longo, calibre 22 e uma peixeira fina bem amolada.

Do lado direito do peitoril estão Benedito Silva e o irmão Xavier, contratados por Arilson para fazer a segurança e nem precisa dizer que estão bem armados também. Do lado esquerdo, outros dois homens observam todo e qualquer movimento e também fazem parte da segurança. No meio da varanda, a sinuca, as mesas de baralho e dominó com jogadores assíduos. Entre uma conversa e outra, o vai e vem de clientes que bebem, comem e outros que compram secos e molhados.

Os fiéis escudeiros de Arilson, Chico Preto e Gaguinho também chegaram cedo para pegar no batente, enquanto Maria com um vestido de chita e um pano amarrado na cabeça, cuida da cozinha preparando as comidas, e uma vez ou outra, mete a colher na panela de panelada ou de caldo, põe um pouco na palma da mão e passa a língua para provar se está bom de sal ou se o tempero está a gosto. Arilson observa tudo. É um olho no peixe e outro no gato e, como um camaleão, olha com satisfação todos os pontos do evento, inclusive a gaveta que promete um bom apurado.
(...)

terça-feira, 19 de maio de 2020

Cangaceiros 42


–– Não vai pensar que o Coronel e os filhos não estão pensando em como te pegar, porque eles estão martelando isso há dias. Além de outras formas maldosas de ganhar a eleição. O Elesbão em si, o candidato deles é só um pau mandado.
–– Eu acredito Padre.
–– O que temos que fazer é ficarmos atentos! Para cada passo que ele der, teremos que dar dois ou três à sua frente.
–– Entendi Padre! Temos que trazer outros das redondezas para nosso lado, já que teremos dinheiro em espécie.
–– Vamos que conhecer o terreno da batalha e para isso, o Cancão terá que trazer informações precisas – diz o Padre.
–– É para isso que ele vai estar lá.
–– Pois bem, tu já conheces o inimigo, Sabe do que ele é capaz. Tens uma ideia do que o grupo dele pode fazer. Então, te prepara para travar uma batalha no território dele – confirma o Grande Chefe Cinzento.
–– Nós! Nós Grande Cinzento! – diz Gerônimo.
–– Eu trouxe o mapa da cidade. Não é novo, mas dá para ver direitinho.
–– Certo! Vamos dar uma olhada!
–– Preste atenção! Este é o Rio Parnaíba e tem 1.400 km de extensão. Vai da nascente até o mar, desse lado é o Piauí e do outro o maranhão. Toda essa área é a cidade e aqui estão as terras do Coronel Messias. É um local plano com montanhas e rochas ao redor. A fazenda fica exatamente aqui. Essa é a primeira casa que serve como um forte para dar acesso à segunda casa. A verdadeira casa grande, onde há armas, munição, pólvora, engenhos, estrebarias, currais e um terreiro com os troncos para torturar escravos e inimigos. Do final da residência até a beira do rio está o imenso canavial que é intercalado com tendas e barracos para jagunços e escravos. São muitos hectares de terras. Os guerreiros, quando chegar a hora, devem seguir pelo rio para não chamar a atenção e de preferência que seja à noite. Esse é o elemento surpresa.

O Padre que tem noção de cartografia explica a geografia e localização da fazenda apontando com o dedo cada ponto no mapa.

–– Entendi!
–– É isso que tu deves ver e analisar com o Grande Chefe Cinzento. O mapa ficará contigo.
–– Certo! Será bem estudado quando voltarmos da cidade.
–– Enquanto os guerreiros atacam do rio para dentro da propriedade e ateiam fogo no canavial, outros índios devem libertar os escravos com a ajuda de Cancão que já está lá dentro. Tem tudo para dar certo.
–– Tens razão! E nesse momento atacaremos pela frente!
–– É uma jogada inteligente! As facas e flechas são silenciosas! Bem, o resto é contigo!
–– Sim. Falarei com meus homens quando voltar da cidade!
–– Entendeu tudo?
––Entendi! Agora tu já podes te arrumar para que eu te leve à cidade. Não podemos mais perder tempo. O meu compadre vereador irá de carro contigo. Só ele sabe dirigir aquela gerigonça.
–– Sim! Sim, eu sei. Estarei pronto num instante! Vou só ajeitar o matulão com meus pertences!
–– Cambada levem o vereador até o carro que eu acompanho vocês no caminho.
–– Certo Capitão!
O vereador educadamente despede-se da compadre, dos novos amigos, dos índios e sai dali ciente de que há males que vem para o bem, pois está mais fortalecido do que nunca e, com a certeza de que também abocanhará os votos dos cangaceiros, uma vez que já anotou os nomes de todos para registrar em cartório para em seguida emitir os títulos eleitorais.
–– Grande Chefe! Hoje batizamos meu filho! Ele se chamará Gerônimo! Lúcia traga o bebê para o Cinzento ver! E traga também água que passarinho não bebe para nossos amigos!
–– É para já! Luzia! Traga o bebê enquanto pego a cachaça!
–– É muito bonito! Será um grande guerreiro! Tu és um homem de sorte!
–– Agora que estamos entendidos, tenho que levar o Padre para a cidade. Tu entendes como é. Ele é nosso protegido. Ele e o vereador. E lá para aquelas bandas o negócio está perigoso.
–– Sim! Eu entendo. Partirei de volta imediatamente. Meu povo também precisa de mim.
–– O Grande Cinzento e seus guerreiros podem almoçar com minha mulher. Voltarei ao anoitecer. Ah, só mais uma coisa. Quando tudo isso terminar, receba o Padre Lauro em sua aldeia para que ele celebre uma missa.
–– Gerônimo! Preferimos ir agora e conduzir o gado enquanto não chega o pingo do meio dia! E sim! Está convidado Padre. Venha quando quiser!
–– Como tu quiseres! Temos que ir! Lamento que eu o tenha convidado e não possa ficar para o almoço! O Padre não pode ficar muito tempo fora da Paróquia e a família do vereador está muito aflita.
–– Não te preocupa com isso Gerônimo! Eu sei como é estar em pé de guerra.
–– Lúcia! Dê ao nosso amigo uma carga de rapadura, farinha e outros mantimentos! Gavião vai repor a nossa despensa quando voltar da feira.
(...)

Cangaceiros 41


–– Tive um desentendimento com o filho do Coronel Messias, o maior e mais cruel fazendeiro da região. Ele, o filho, me desrespeitou numa bodega, na frente de muita gente. Cortei a orelha dele para dar o exemplo e os mandei embora humilhados, tomei até as armas deles. O pai dele não gostou e ofereceu uma recompensa por minha cabeça. O fato é que esse homem sequestrou o vereador aqui presente e a ordem era para mata-lo. Agora nos tornamos compadres, ele é o padrinho do meu filho. O Coronel tem muitos jagunços à disposição para fazer o que ele mandar, inclusive matar gente. Ele está impedindo de forma ameaçadora que a eleição na cidade corra normalmente. Então queremos fortalecer nossa aliança com vocês para enfrenta-lo.
–– É uma guerra que ele quer?
–– Não é que ele queira. É que ele já provocou! – interfere o Padre novamente - ele está matando pessoas e escravizando outras. Na fazenda tem muita gente fazendo serviço forçado.
–– Esse homem tem um exército Grande Chefe Cinzento, e nós não conseguiremos vencê-lo sem o seu apoio.
–– E como posso ajudar?
–– Lutando ao nosso lado por essa causa que é a libertação dos escravos, da recuperação da paz e exterminando essa corja para sempre de Olho D’Água. É. Porque se eles vencerem, os próximos a serem escravizados serão os índios da sua aldeia.
–– Ah, isso não iremos permitir meu amigo. Lutaremos até a última gota de sangue.
–– Fico muito grato pelas suas palavras de honra e sensatez. Ah, quero que grave o rosto desse homem. Vem aqui Cancão!
–– Sim Capitão!
–– Cancão estará lá na fazenda, infiltrado e dará o sinal com a corneta quando chegar o dia da batalha!
–– Entendi Gerônimo! E quando será isso?
–– Em breve! Eu o manterei informado e quando chegar o dia, mandarei um de meus homens para te dizer. Quero te pedir que me envie dez guerreiros com arcos, flechas e lanças dois dias antes para atacarmos juntos pela frente da fazenda.
–– Está combinado! Teremos tempo para fazer muitas flechas e arcos de qualidade, com maior alcance.
–– Posso não ser teu melhor mentor Gerônimo, mas acredito que tu podes mexer com o psicológico do Coronel.
–– Não entendi Padre!
–– Veja bem, o Coronel oferece vinte cabeças de gado e dinheiro pela tua cabeça, então, agora que tu tens ouro, e creio que seja muito valiosa essa pedra, oferece uma boa quantia em dinheiro pela cabeça dele. Assim ele ficará assustado por um tempo e desconfiará de todos. Até mesmo dos deles. Provavelmente nem dormirá direito. Tire o sono dele. Deixe-o cansado.
–– E como podemos fazer isso?
–– Eu irei à capital, passo no banco e troco o ouro por dinheiro. Isso são recursos de guerra. Temos que comprar armas e munição também. A Lúcia poderá ir comigo disfarçada de freira para não levantar suspeitas. Diremos que foi uma doação anônima para a Paróquia.
–– É uma boa ideia Padre, cortar a cabeça da cobra.
–– Exatamente! Mas os planos continuam. Nós iremos administrar esse fluxo de caixa. Não se ganha uma guerra sem recursos. Seus homens precisam ser bem alimentados até lá.
–– Agora entendo que para ter paz é necessário que haja guerra.
–– A paz custa caro meu filho. Felizmente tu tens um aliado forte: o Cinzento e seus guerreiros e ainda por cima trouxeram esse ouro que nos ajudará e muito. São os milagres de Deus e a providência da fé.
–– E como vamos espalhar essa história da recompensa?
–– Eu sei como. No momento temos que espalhar a notícia no evento do Arilson. É lá que está meio mundo de gente. Mande um de seus homens conversar com ele e diga-lhe que tem meu aval. Ele saberá como proceder. Alguns acharão que é boato, porém, quanto mais for massificado, mais acreditarão.
–– Muito bem! Vamos por em prática essa ação.
(...)

domingo, 17 de maio de 2020

Cangaceiros 40


No dia seguinte, de manhã cedo, são feitos os preparativos de forma simples para o batizado. A tenda de lona é armada na frente da casa de taipa. Uma gamela com água ao centro e a mesinha de madeira é posta para colocar os objetos do Padre.

A madrinha conduz a criança até a “gamela” batismal e o padre derrama, com uma jarra, a água sagrada em sua cabeça, dizendo as preces do batismo: ‘Eu te batizo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’. Tal gesto representa vida nova e confirma que a criança está batizada. O padre passa um pouco de óleo dos catecúmenos no peito da criança, pedindo que a força de Cristo penetre na vida dela.

Durante a cerimônia, a madrinha segura a criança e o padrinho fica ao seu lado. Depois da benção, o padrinho oferece simbolicamente uma vela acesa à criança, dizendo: Recebe a luz de Cristo. “Essa vela é o Círio Pascal, que simboliza Cristo, a luz do mundo”. E finalmente, é assinado o certificado, assim como a certidão de Batismo.

–– Pronto! Terminamos aqui! Gerônimo, o filho está batizado! – conclui o Padre Lauro.
–– Obrigado Padre! – diz Gerônimo, o pai.
–– Foi a coisa mais linda que já vi na minha vida! – afirma Lúcia a companheira do Capitão.
–– E eu também comadre! – diz Luzia, a comadre.
Após o batismo, o Padre Lauro, Gerônimo, Lúcia, o vereador e outros cangaceiros reúnem-se ao redor da mesa para uma conversa estratégica, mas são interrompidos com a chegada do Grande Chefe Cinzento e seus guerreiros, Calango e os quatro cangaceiros.
–– Olha quem está vindo para cá! O Cinzento atendeu nosso chamado! – diz Gerônimo.
–– E vieram foi cedo! – confirma Lúcia – comadre Luzia, cuide do bebê que quero fazer parte dessa conversa!
–– Sim! Está bem!
Os guerreiros desmontam dos animais e os entregam aos cangaceiros e dirigem-se à casa de Gerônimo que os recebe de braços abertos e os cumprimenta.
–– Grande Chefe Cinzento! Como tem passado?
–– Estamos bem! E tu como estás?
–– Estamos nesse sofrimento da caatinga! Muito calor nesse mundão de meu deus! Seja bem vindo meu amigo!
–– Por lá também não é diferente! A caça também está mais difícil! O rio também não nos oferece peixes.
–– É. Se não chover, vamos comer o pão que o diabo amassou! Mas, tenho um presente para tu! Vem aqui!
–– Estás vendo aquele gado ali?
––Sim! Estou!
–– São quinze cabeças de gado! São suas! Para alimentar seus guerreiros!
–– Mais uma vez Deus sorri para nós!
–– Mandarei cinco homens meus juntos com os teus para levar o rebanho até a aldeia!
–– Fico agradecido! Eu também trouxe um presente valioso para ti! Trás o saco! - Ordena o chefe.

O índio entrega o saco de pano ao chefe da tribo que o entrega a Gerônimo.

–– Toma! Tu saberás o que fazer com essa pepita de ouro!
–– Assim tu estarás pagando mais do que te dei!
–– Não é pagamento é presente! Graças a ti, meu filho será o chefe da tribo com a missão de não deixar que a nossa raça seja exterminada. Essa é uma dívida que não tem nada que pague. E de onde veio essa tem mais se precisar.
–– Essa pepita é muito grande e pesada! Deve valer muito!
–– Gerônimo há coisas que o dinheiro não paga! Tu salvaste a vida do meu filho e isso muda completamente o futuro da minha tribo. É uma honra tê-lo nessa aliança de amizade e paz.
–– Sim! Sim! Mas te chamei aqui por outro motivo!
–– Estamos em pé de guerra há muito tempo. Venham sentar-se aqui! – convida o Padre.
–– Sim! Vamos! – convida Gerônimo também.
–– Conta-me como podemos ajudar!
–– Grande Chefe Cinzento, estamos passando por tempos difíceis!
–– Existe uma questão política na cidade!
–– Deixa que eu explico essa história para ele, Padre Lauro!
–– É claro! Fique à vontade!
(...)

Cangaceiros 39


Na aldeia de índios...
–– Grande Chefe Cinzento! Como vai?
–– Que bons ventos o trazem à nossa aldeia Calango?
–– Estou aqui a mando de Gerônimo! Ele quer te ver e ter uma conversa importante urgente.
–– Vem sentar comigo, aqui perto da fogueira! Podem vir vocês também! – diz o chefe dirigindo-se aos outros cangaceiros! Do que se trata?
–– Não sei não, Grande Chefe! Mas ele pede urgência! O quanto antes, melhor!
–– Fui eu quem trouxe o fogo para nossa tribo e desse dia em diante fiquei conhecido como o Grande Cinzento. Mas quem trouxe luz para minha vida foi Gerônimo quando salvou meu filho da morte. Estamos em débito com ele e atenderei seu pedido. Levarei um presente de grande valia para ele. Partiremos com os primeiros raios do sol.
–– Muito bem! Precisamos descansar um pouco. Foi uma longa cavalgada até aqui.
–– Querem comer alguma coisa antes?
–– É bom Grande Chefe!
–– Tragam carne para os homens! E enquanto vocês comem vou contar uma história. Essa é a lenda da índia Macyrajara da tribo dos Tremembés:

Macyrajara era uma linda jovem de olhos amendoados e cabelos longos. Seu pai era o chefe Botocó da tribo dos Tremembés, que habitavam as terras da margem direita do Igaraçu até o mar.
Macyrajara conheceu Ubitã, jovem guerreiro pertencente a uma tribo inimiga da sua, que habitava a planície litorânea. Os dois se apaixonaram e passaram a se encontrar às escondidas.
O pai de Macyrajara tomou conhecimento e, discordando daquele amor, mandou prendê-la numa oca vigiada por sete guerreiros.
Ubitã, louco de saudades, procurou em oração se aconselhar com o deus Tupã. E à noite, quando dormia, Tupã lhe disse que Macyrajara estava presa e que ele não fosse procurá-la porque podia morrer.
O destemido guerreiro, levado pela paixão, não ouviu os conselhos de Tupã. E, ao anoitecer, saiu à procura de seu grande amor. Ao chegar próximo à oca, foi atingido no peito por uma flecha inimiga, tendo morte imediata.
Macyrajara, ao tomar conhecimento da tragédia, saiu correndo e desapareceu na escuridão da noite. Três dias após vagar pelas matas, parou em um olho-d’água. Naquele momento, começou a chover, ela, então, cheia de dor e tristeza, começou a chorar. Ali suas lágrimas e a chuva se juntaram à aquelas águas que corriam.
Tupã, apiedando-se dela, transformou suas lágrimas no rio que separou as duas tribos.
–– É uma história bonita! Grande Chefe Cinzento! A comida está boa. Deu até para encher o bucho, mas...
–– Já sei! Vocês estão cansados. Vão dormir. Amanhã cedo partiremos.
–– É só um cochilo. Daqui a pouco vamos estar novinho em folha!
–– Vão logo. Eu entendo!
–– Ah, só uma pergunta, Grande Chefe Cinzento. O que essa conversa tem a ver com a gente?
–– Calango! Até um grande líder, às vezes, tem que contar uma história de amor para abrandar o coração dos homens.
–– É. Vou pensar nisso!

Os cangaceiros deitam-se cobertos pelo manto da noite, a claridade da lua e uma infinidade de estrelas.

–– Calango! Será que o Grande Chefe queria transmitir uma mensagem em código? – pergunta um dos homens.
–– E eu sei lá, cabra! Eu misturei foi tudo. Macyrajara com Ubitã e deus Tupã. O Cinzento trás uma história do tempo dos canecos de sola. Sei não. Dorme!
–– Está bem!
(...)

Cangaceiros 38


–– Venha para cá também Lúcia. É importante que os dois ouçam o que vou dizer.
–– Sim Padre! Só um instante!
–– Bem, vocês ainda não são casados na igreja.
–– Mas logo, logo nos casaremos, não é meu Capitão?
–– Sim! Sim! Tenho muito gosto em viver contigo para sempre!
–– Pois bem! O significado do batismo na Igreja Católica representa o primeiro dos sete sacramentos e é considerado um rito de passagem. Ao receber tal benção, a criança inicia a sua fé e sua vida cristã, tornando-se um filho de Deus, um discípulo de Cristo, um membro da Igreja e abrindo seu caminho para a salvação. Não se recebe nenhum outro sacramento sem o batismo. Essa é a tradição e representa também um momento de celebração, para unir familiares e amigos.
–– Queremos o melhor para nosso filho!
–– Gerônimo quem são os padrinhos? – pergunta o Padre Lauro.
–– Bem, eu quero que seja o vereador- doutor e presidente da Câmara de Olho D’Água Marcelo Dantas e a esposa dele.
–– É. Pelo visto vocês tem afinidades, mas a esposa dele não está aqui.
–– Pode ser outra pessoa da minha estima? – indaga Lúcia.
–– Claro que pode Lúcia! Essa pessoa pode inclusive representar a esposa do vereador – afirma o Padre.
–– Não! Eu quero que seja Luzia! É ela quem está me ajudando a cuidar do menino desde que ele nasceu. Se o vereador não se incomodar com essa escolha.
–– Claro que não! Terei prazer em acompanhar o crescimento da criança com sua amiga. A minha esposa nem sabe desse batizado. Aliás, ela não sabe nem que estou vivo. Deve estar muito aflita.
–– Eu ouvi meu nome nessa conversa? – pergunta Luzia que já vem lá de dentro do quarto onde está o bebê.
–– Ouviu sim! Vamos ser comadres! Escolhi tu para ser madrinha do nosso filho!
–– Eita coisa boa! E eu fico é alegre de ser madrinha desse pequeno guerreiro.
–– O rito é feito com água sagrada sobre o iniciado e cada um dos elementos da cerimônia tem um significado que vou explicar.
–– Senta-te aqui mais perto da gente comadre! – diz Lúcia toda animada.
–– Padre, se nós não somos casados na igreja e nem batizados, isso tem algum problema? – pergunta Gerônimo.
–– A exigência costuma ser a de que os pais sejam casados na Igreja e no Civil. Normalmente, o fato dos pais não serem batizados não impede o batismo. As exigências da Igreja, de acordo com o Código de Direito Canônico, pesam muito mais sobre os padrinhos do que sobre os pais.
–– E quanto aos padrinhos? – indaga Luzia.
–– Os padrinhos são figuras muito importantes no batismo. Eles assumem a tarefa de garantir que o iniciado seguirá seus estudos da doutrina cristã. Ou seja, é deles a responsabilidade de que a ligação dos pequenos com a igreja não acabe ali. Padrinho e madrinha devem ser cristãos firmes, capazes e prontos a ajudar o novo batizado em sua caminhada na vida cristã. Outra coisa, habitualmente, a escolha recai sobre um padrinho e uma madrinha – casados entre si ou não. Vamos precisar de duas testemunhas para assinar os termos e dar legitimidade.
–– O Cancão já sabe ler e escrever. O Gavião também – afirma Gerônimo.
–– Pois vamos tomar um vinho e experimentar o churrasco que já está é bom demais – convida Lúcia.
–– Pois é. Vamos lá compadre vereador, molhar a goela.
–– Vamos fazer um brinde a esse momento histórico!
–– Exatamente! Vamos brindar a isso! – confirma o Padre Lauro.
–– E viva o Gerônimo meu filho! – saúda o pai.
–– Viva! Viva o pequeno e o grande Gerônimo! – atiça um dos cangaceiros e todos que estão ali gritam viva.
(...)

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Cangaceiros 37


–– Como assim Capitão?
–– Tira essa barba, deixa só uns fios de bigode, usa um chapéu de palha...
–– Capitão, mas eu gosto do meu chapéu de couro!
–– Faça o que estou dizendo. O cabelo nem precisa cortar. Pode ficar com a cartucheira, o punhal e a espingarda bate bucha.
–– E o que eu faço depois?
–– O que o Gerônimo quer fazer é te infiltrar na fazenda. Assim teremos olhos e ouvidos lá.
–– Hum! E como vou entrar lá sozinho?
–– Tu serás contratado! Vai lá pedir emprego. Se tem uma coisa que esse maldito gosta é de jagunços. Ele deve te testar de alguma forma, faz o que ele manda sem pestanejar. Tu serás quem dará o sinal com o chifre que soa como uma corneta para os índios atacarem. Vou combinar isso com o grande chefe Cinzento quando ele vier amanhã.
–– É certeza que o Coronel antes de contratar faz uma sabatina com cangaceiro e o submete a alguns testes, esteja preparado! – diz o Padre.
–– Não tenho um pingo de medo! Nem dele e nem dos homens dele.
–– Não se trata de ter medo. Quanto menos tu falar, melhor. E preste atenção no que ele diz. Ganhe a confiança dele! – orienta o Padre.
–– E quando devo partir Gerônimo?
–– Primeiro cuida do rosto. Como eu disse, tira a barba e amanhã, quando a gente falar com o Cinzento, quero que ele te veja, ele e os guerreiros, para saberem que tu estás do nosso lado. Depois a gente vê como ficam as coisas.
–– Entendi! Preciso mudar meu nome?
–– Não! Não precisa! Tu tens é que se fazer de coitadinho para o Coronel. Dizer que não tem no cu o que o priquito roa, para ganhar uma vaga de jagunço. Depois mostra coragem, humildade, determinação e força.

Após o almoço, é costume do bando tirar um cochilo. Gerônimo vai com Lúcia para a alcova que tem apenas umas tiras de pano costuradas a mão na porta. O Padre e o vereador já estão com as redes armadas e Cancão se ajeita no canto da parede em cima de uma esteira de palha e como travesseiro usa uma cela de couro. E enquanto eles descansam os outros homens cuidam para terminar o serviço com as cinco cabeças de gado; outros assam carne no espeto, enquanto alguns limpam o fato para assar as tripas e comer com farinha ou como tira-gosto de pinga. O sol é escaldante e o gado vivo procura as sombras que ainda restam debaixo de um grande pé de pequi.

Gerônimo reúne o bando para dar as instruções do dia seguinte.

–– Estamos vivendo dias de batalhas pela vida, pela sobrevivência. Minha cabeça está a prêmio e vale vinte cabeças de gado e uma quantia em dinheiro. Não sei quanto e nem quero descobrir. O Padre, como é sabido por todos, nos dá uma ajuda mensal, e hoje, veio especialmente para batizar meu filho amanhã e trouxe consigo o dinheiro desse mês. Quero dez homens para ir à feira amanhã comprar mantimentos. Comprem cinco cargas de rapadura para comermos, para adoçar café e fazer garapa, e comprem com jumento, cangalha, surrão e tudo, para não deixar pistas. Compre feijão, fubá, milho, café, arroz, sal, banha, querosene, um mói de lamparinas para alumiar os outros barracos que estão no escuro e se sobrar, umas garrafas de vinho e cachaça. E não esqueçam do principal: a munição. Gavião comandará a tropa. Não esperem por mim quando for deixar o Padre Lauro. Levarei mais 15 homens comigo. Os outros aguardarão o Grande Chefe Cinzento e seus guerreiros e darão as boas vindas enquanto volto. Tratem-no bem e dê-lhe vinho e carne enquanto espera por mim. Estarei aqui antes do anoitecer. Lúcia, a mulher mais bonita e corajosa do sertão conduzirá os trabalhos na minha ausência. Entenderam?
–– Sim capitão! Mas isso vai dar um comboio danado de grande.
–– É. Vai. Mas Gavião, porque é que tu achas que estou mandando dez homens contigo? Para servirem de enfeite ou para passear? Agora, como já está anoitecendo, façam uma grande fogueira e assem carne. Lúcia traga vinho para nós! Preciso dizer algo para o vereador e pedir esclarecimentos ao Padre sobre como será feito o batismo.
–– E o dinheiro dá para tudo isso?
–– Gavião, eu sei fazer conta de mais e de menos, mas o Padre Lauro já calculou tudo aproximadamente. O dinheiro dá e ainda sobra um troquinho.
–– Ah, bom! Se é assim! Será!
(...)

Cangaceiros 36


–– Pai...
–– Cale-te agora ou será tu que irá lutar com esses cinco homens. Tu entendeste Miguel dos Reis?
–– Sim Senhor meu pai!
–– Prossigam!

O escravo negro, de aproximadamente um metro e setenta de altura é trazido com uma corrente de dez metros no pé esquerdo que é afixada ao tronco para não fugir e posta-se no meio do terreiro.

–– Negro, a regra é a seguinte: tu lutarás até a morte com esses cinco homens, caso tu mates um deles acaba a luta e todos voltam para seus lugares. Não haverá armas. Então lutem! – ordena Chicote, o homem no comando nesse momento.

Os vaqueiros espalham-se e formam um circulo como hienas para atacar a presa. Acham que o fato de o escravo estar amarrado pelo pé é uma vantagem, mas as mãos estão livres e o prisioneiro cerra os punhos, estala as juntas e se prepara. Um dos homens arrisca um golpe de pernas e chuta a cintura do negro enquanto outro os esbofeteia nos peitos e por trás é golpeado nas costas e cai. Os espectadores, jagunços do Coronel caem na gargalhada, mas a luta continua até que o escravo desfecha um murro na cara de um dos vaqueiros, o sangue espirra, o punho forte, fechado bate como uma marreta numa pedreira e pouco a pouco os homens vão ficando no chão, porém nenhum ainda está morto e levantam-se sabendo que um deles será enterrado e como essa é uma realidade, o sangue já ferve nas veias e para estimular a adrenalina o Coronel faz um aceno e um dos jagunços dispara para o alto, outro do outro lado também atira e os homens como lobos avançam num corpo a corpo descomunal e batem, batem tanto no escravo de todos os lados que ele chega a se ajoelhar, mas o negro com marcas, cicatrizes de chicote nas costas sabe o que é dor e sabe tanto que parece não senti-la e então ele se aproxima do tronco, pega parte da corrente e a transforma em arma e pouco a pouco vai desferindo golpes violentos em cada um dos vaqueiros. Sobra apenas um homem de pé. O escravo para, fica frente a frente com ele e numa ação rápida, o laça com parte da corrente, arrasta-o para perto do tronco e depois monta nele e o enforca.

–– Que pena! Foi muito rápido! Como eu prometi e vi que vocês são homens de valor, a partir de agora serão meus protegidos. Levem o escravo e deem comida e água. Enterrem esse infeliz bem longe daqui, ou melhor, queimem o corpo para não deixar rastros – diz o Coronel que parecia querer mais diversão sobre o vaqueiro morto.
–– Vamos conversar Miguel dos Reis. Quero te contar como vamos fazer daqui para a frente. Homem que é homem não bota água para pinto beber.
–– É o que estou querendo te dizer meu pai. Temos que armar um plano mais elaborado. O Senhor lembra que os vaqueiros falaram que tinha um Padre com eles?
–– Lembro!
–– Pois é! Só pode ser o Padre Lauro.
–– Pois vamos incluir esse padreco no plano! O vereador presidente da Câmara já sumiu. E se a gente desse um jeito no cabeça de chapa. O que tu achas?
–– Aí, sem o candidato majoritário, a gente pode até ganhar a eleição.
–– Mas tem que ser um negócio bem feito. De forma que pareça um acidente. De forma que o povo acredite que realmente ele não morreu de morte matada.
–– É. Vamos planejar nos mínimos detalhes.
–– Vamos!

Gerônimo, o Padre, Cancão, Calango e o restante do bando chegam ao acampamento conduzindo a boiada e logo o capitão determina um local para o gado.

–– Lauro que alegria em vê-lo aqui novamente – diz Lúcia, a irmã do Padre.
–– Eu também já estava com saudades! Como está o bebê?
–– Ah, está ótimo! Venha cá meu Capitão! Deixe-me te dar um cheiro no cangote!
–– Estás vendo Padre? Isso é o amor!
–– É claro! Vocês formam um belo casal!
–– E esses bois?
–– Ah, é uma longa história que te contarei mais tarde. Quero ver meu filho! Como ele está?
–– Vamos! Ele deve estar dormindo agora!
–– Calango! Chame quatro homens e vá à aldeia do grande chefe Cinzento! Diga-lhe que quero vê-lo urgente!
–– Sim Senhor! Vamos só comer um tiquinho e sairemos.
–– O que temos para comer Lúcia? Estou com uma fome arretada!
–– Meu Capitão! Vou providenciar uma boa comida! Nós não o esperávamos hoje. Tu mesmo disseste que só voltaria amanhã!
–– Pois é, mas tu sabes que sou imprevisível!
–– Sei! Tome um pouco de vinho com o Padre enquanto preparo aqui o de comer!
–– E quanto ao homem que tu mantém preso? – indaga o Padre Lauro.

Nesse momento, o Manoel Espicha Couro e o vereador aproximam-se e entram na sala.
(...)