segunda-feira, 15 de junho de 2020

O bigodinho


Quando eu era criança, criava pássaros em gaiolas, o que era um erro, mas eu não tinha essa consciência. Comprava gaiolas bonitas feitas com talos de buriti e outras de madeira trançadas com arame. Os galos- campinas, eu os pegava em alçapões de talos, assim como os canários e sabiás entre outros.

A historinha de hoje, muitos anos depois e eu já adulto, é sobre o bigodinho, também conhecido como papa-capim, estrelinha, gola-careta e caretinha. Mede 11 centímetros de comprimento. Tem um gorjear rápido e metálico. O macho é inconfundível, pelas áreas brancas na cabeça. É o contraste do negro do restante da plumagem. As partes inferiores são levemente cinza claro e, sob o sol forte, podem parecer brancas. Seu habitat são campos abertos e campos cultivados.

Devido ao seu canto, é um pássaro apreciado talvez tanto quanto o curió; junto com as alterações ambientais, acabaram por reduzir seu número em boa parte do país. O certo é que fui à feira dos pássaros, ali próximo do mercado central de Teresina para comprar um. Comprei-o com gaiola e tudo. Em casa, o bichinho cantava até de noite. Eu achava lindo, mas depois de algum tempo, provavelmente um mês, num final de semana, tomei umas geladas e me bateu aquele remorso. Eu não queria estar preso e ele também não. Pressenti que o bigodinho não cantava, ele chorava, implorava por liberdade. Então, fui lá, no pé da parede, retirei a gaiola, abri a portinhola e o soltei.

No dia seguinte, ele veio cantar às cinco da manhã no meu quintal. Acho que para agradecer e se despedir.

Hoje crio pássaros com tintas e pincéis.

Dinheiro achado


Dinheiro achado em calçada alta é quase um milagre, mas achar o que foi perdido provavelmente dentro de casa é uma bênção.

Minha irmã jurava e atestava que tinha perdido uma cédula de R$ 50,00 dentro de casa e estava cobrando a gente.
– “Bora gente, procura aí, pra ver se encontra, eu só fui no mercadinho e tenho certeza que recebi o troco certinho!”
- Olha direito, se não está nos bolsos, no carro, numa sacola. Falei.

Já passava das 16 horas. Então, um amigo dela a chama do lado de fora da casa. Foi atendê-lo, e quando terminou de conversar, ficou algum tempo, encostada no carro que estava estacionado na porta, olhava para um lado e outro, acho que pensando onde poderia estar seu rico dinheirinho. Baixou a vista, e entrou sorrindo, gritando – Achei, achei!
A outra perguntou – Estava aonde mermã?
- No chão. Dobradinho. Na beira da calçada.
Olhei pra ela e disse – Esse teu amigo é um azarado. Não teve a sorte de encontrar essa “oncinha” na calçada.
- Graças a Deus! Eu já tinha até me apegado com São Longuinho.
Ironizei - Pois cuida em dar teus pulinhos.

O Circo


Em Pedro II uma vez ou outra chegava um circo. Eu morava no Bairro Cruzeiro e lá havia um espaço enorme, com um cruzeiro de madeira e um tanque redondo de cimento. Foi onde armaram o “Gran Circo América”, que de grande mesmo só tinha as lonas. Atrativos, só as dançarinas, os palhaços, o mágico, os trapezistas, os malabaristas e os motoqueiros do globo de ouro.

Bem, o fato é que eu tinha uns 12 anos, e nesse dia “varei” (entrei escondido) e me acomodei na arquibancada, bem na frente do picadeiro, pra ver de perto o espetáculo. Lá para as tantas, o homem da cartola, o famoso apresentador, chama cinco pessoas pra cantar qualquer música e anuncia que o mais aplaudido ganharia um prêmio. Ora, eu só sabia cantar uma música do Luiz Gonzaga (Cigarro de palha); já tinha quatro no palco, e eu levantei a mão e fui. Só euzin aqui era criança entre os cinco, loirinho dos olhos verdes, bonitinho. E pois não é que fui o mais aplaudido com a música do Gonzaga. E adivinha o que era o prêmio? Uma lata de talco cachmire bouquet e dois sabonetes. Acho que acharam o loirinho bonitinho, no meio dos adultos.

Se soubessem que eu tinha entrado escondido, jamais eu tomaria banho com esse sabonete.

Escapei fedendo, mas ganhei. E pensar que essas coisas só acontecem em filmes.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

A Caçada


         Quando eu era um menino assim duns treze anos e morava em minha terra natal Pedro II, fui passar um final de semana na aroeira, interior onde moravam meus tios. Lá chegando, como ainda era cedo, tomei café com leite mugido e tapioca. Com a pança cheia, pedi ao meu tio a espingarda para caçar ali por perto. Os caroços de chumbo eram guardados em um chifre de boi, daqueles bem lixados. Era uma obra de arte que a gente carregava a tiracolo. A espingarda era uma bate bucha, bem conservada e ele tinha ciúmes dela, mesmo assim, me entregou e disse:
- Tenha cuidado com as cobras!
- Certo tio! Volto ao meio dia. Ele acenou com a cabeça e eu fui. Me embrenhei no mato. A folhagem seca não me deixava ser tão silencioso. Depois de muito andar, avistei um jacu. Parei, me apoiei no tronco duma árvore e me aprumei pra mirar. Parecia um caçador de verdade. O silêncio reinou entre nós naquele momento e, não mais que de repente, como dizia o poeta, ouvi um farfalhar no chão. Olhei pro Jacu e ele estava lá, imóvel. E o barulhinho aumentava e se aproximava de mim. Adivinha o que era? Uma aranha gigante, uma tarântula, sei lá. Amarelei. Fiquei com o cu que não cabia um cabelo, e aí não deu outra, foi sebo nas canelas. Cheguei em casa da cor duma flor de algodão, suado, com o coração já pra sair pela boca. Meu tio foi logo indagando:
- O que houve rapaz, não tá nem com uma hora que você saiu? Pra quem disse que só viria ao meio dia. Que diabo tu viu, foi alma? Cadê a espingarda?
- Tio, uma aranha do tamanho dum prato avançou em mim. (Olha o tamanho da mentira). A espingarda ficou por lá. Mas o chifre tá aqui.
- Ô cabra frouxo. Armado e com medo de inseto. Nunca será um caçador de verdade.


       Pois não é que ele foi buscar a espingarda e ainda trouxe uma penca de nambus e preás para o almoço.


Carlos Holanda 

Quebrei meus ovos


     Tem coisa que a gente pensa que só acontece com os outros e outras que a gente só vê naquelas comédias pastelão.

     Nós temos o péssimo hábito - ou o bom humor - de rir da miséria alheia. Quer um exemplo? Se alguém tropeça e cai, ou como costumamos dizer por essas bandas, fulano levou uma topada e largou o rabo no chão. Vendo a cena, a gargalhada é geral. E agora, com a alienação do celular, ao invés de sermos solidários, filmamos, fazemos fotos, selfies e postamos nas redes sociais, como se tivéssemos o direito de expor a imagem alheia; nós, literalmente.

     Pois bem, aconteceu comigo. Há algum tempo, comprei um par de barbeadores, um isqueiro e uma cartela de ovos num mercadinho perto de casa. Nem pedi sacola. Eles amarram com aquele barbante sintético e deram um laço pra finalizar. Quando saí, escorreguei na calçada, o laço desatou e voo ovo pra todo lugar, pensei até que os pintos já nasceram voando. Tinha mais ovo no chão de que na testa daquele político. Muita gente riu de mim, até eu. Fiquei meio sem jeito, mas voltei e comprei outra cartela de ovos, e dessa vez, tive o cuidado até entrar no carro. Percebi também os olhares me seguindo novamente.

     Naquela época ainda não se ouvia falar em rede social por aqui. Se fosse hoje, teria 'viralizado'. É, todo mundo paga mico.


Carlos Holanda 

A Festa


     Numa daquelas festas comemorativas de final de ano, em uma mansão de Teresina, bem agradável. Casa com área de festa bem ampla.

     Fui convidado e sentei-me bem próximo da mesa de uma família animada. Tinha um Senhor que não podia ver o garçom passar que já pegava um copo de whisky. Bebia como quem bebe água. Cerveja e vodka também, misturava tudo. Pensei: isso não vai dar certo. Quando vinha uma bandeja, a gente já olhava pra ele.

     A banda composta por três músicos tocava MPB. Só as selecionadas.

     Umas três horas depois, o cidadão falou com a voz meio enrolada, que ia ao banheiro. “Meninos eu vi!” O homem com certa dificuldade de se por em pé, mas, enfim, conseguiu. Deu um passo à frente, outro para esquerda, deu uma “rezinha” de leve, engatou a primeira e mirou na banda. O banheiro era no sentido inverso. Enroscou o pé no fio do microfone que esse foi ficar longe. O cantor tomou foi um susto. Em seguida, se desequilibrou e abraçou o cara do violão, que foi tentar ajudar e quando o soltou, ele foi de encontro a bateria, derrubando tudo. Um dos filhos correu pra amenizar a situação, mas quando ia, ele já vinha, tropeçou na caixa de som, daquelas triangular, titubeou e engatinhou pra piscina. Não deu outra. Bebeu água. Quase morre afogado.

     Foi aquele alvoroço. A festa parou. Tiraram o homem da piscina, parecia um pinto molhado. A família constrangida foi embora.

     Ficamos lá. Imagina a gozação. Cada um querendo relembrar as cenas...


Carlos Holanda