terça-feira, 29 de novembro de 2016

GINA, a caçadora – INÍCIO

O cenário nordestino no interior em determinadas épocas do ano é desolador. O que se vê são cactos e arbustos mais resistentes ao tempo. O gado não tem o que pastar. A seca chega a atingir milhares de famílias e o que tem de bonito na imensidão de montanhas é posto no horizonte pela obra de Deus: o por do sol.

                                                          Arte de Carlos Holanda
Todos os dias o galo que ainda resta na casa de Regina anuncia um novo amanhecer cheio de esperanças. E isso é o que o homem do campo tanto almeja, que São Pedro mande chuva para aquelas terras áridas de barro vermelho, pois é de lá que é tirado o seu sustento e os dos bichos.

Gina, como é mais conhecida no povoado, mora com seu pai desde que sua mãe faleceu. Negra, 18 anos, tem personalidade forte, geniosa e decidida, sonha com dias melhores. Seu irmão mais velho mora na capital. O outro, o do meio, ajuda o pai na lavoura e nos afazeres da pequena propriedade e assim, vivem enfrentando o pão que o diabo amassou nesse confim de mundo, nas brenhas.

Júlio, seu irmão do meio, acostumado a viver no mato, não teve estudos, nunca esteve numa sala de aula, mas em compensação ensinou sua irmã a caçar, atirar com arco e flechas, feitos artesanalmente com mufumbo, madeira inquebrável boa para produzir um bom arco. Aprendeu quando mais jovem, a atirar facas com seu pai, que o ensinou quando passou um determinado tempo trabalhando em um circo na cidade grande e assim, os dois vivem nesse mundão de meu Deus, aprendendo com a natureza a lei do mais forte. Vez ou outra, ele treina com sua irmã lutas corporais e diz que ela tem que aprender a se defender sozinha...

Numa dessas segundas-feiras, de manhã bem cedo, Rita de 16 anos, segue a passos largos rumo à escolinha do povoado. É um longo percurso. Sozinha e confiante ela segue, pois sua família pobre sabe que o único caminho para sua integridade e sucesso é o saber.

Rita e Regina são amigas desde muito novas e moram a poucos quilômetros uma da outra e sempre se encontram no meio do caminho pra chegarem juntas à casa do saber, mas nesse dia, ela, por algum motivo, não veio. Rita não esperou.

Em determinado ponto do caminho, um homem começa a seguir seus passos, esperando o momento certo para atacá-la. Ele estreita a distância e a pega pelos cabelos. Maltrata, bate e a estupra no matagal cinzento. Não havia como se defender, diante de tamanha violência. Após o ato bestial, ele promete voltar e se ela contar pra alguém, ele a matará. Deixa-a, desfalecida, e vai embora, após satisfazer seus instintos selvagens.



Quando já passava do meio dia, Rita, triste, frustrada, chorosa e sem entender quase nada do que realmente havia acontecido, e ainda com hematomas por todo rosto, retorna à sua casa. Não teria coragem de contar para seus pais, poderia até apanhar, tanto era a ignorância àquela época. Disse apenas que caiu e bateu com a cabeça. A família não engoliu a mentira contada, mas, aceitou por algum tempo. A criança chorou baixinho, a noite toda. Soluçou muito, sentindo as dores de não poder contar a ninguém.

Terça-feira bem cedo, vai ao encontro da amiga Regina, no local combinado de todos os dias, no meio do caminho. Dessa vez Regina já estava lá esperando. Após um longo silêncio Gina percebe que não está tudo bem e pergunta:
- Rita eu te conheço. Sei que você não está nada bem. O que aconteceu?
- Gina, eu estou bem.
- Não! Não, tá! Conta logo. Seu pai lhe bateu de novo?
- Não!
- Então me conta. Senão vai dar meio dia e gente não sai daqui.
- Olha, vou te contar, mas você vai jurar pela alma da sua mãe que não vai contar pra ninguém. Nem para seu irmão nem para seu pai. Jura?
- Juro! Conte minha amiga. Pode confiar em mim. Sou sua única melhor amiga.
Rita com lágrimas nos olhos, narra todo o acontecido e é ouvida atentamente pela amiga que lhe promete que isso não ficará assim.
- Jurei não contar pra ninguém e você vai jurar que não contará o que vou fazer. Vou tomar umas providências. Vamos embora. Você vai passar o resto do dia lá em casa. Vou pedir meu irmão pra avisar seus pais que você vai dormir lá em casa e só voltará amanhã, depois da aula. Tá bom?
- Tá!

E assim fazem.

- Rita, me diz uma coisa, ele deixou claro quando voltaria a atacar?
- Mulher, não. Pode ser amanhã, como pode ser daqui a uma semana. Ele me ameaçou de morte, caso alguém mais saiba dessa história.
- Temos que bolar um plano. Ali é nosso caminho da escola.
- Gina, nem sei como te agradecer. Também não sei fazer nada.
- Amanhã como todos os outros dias, daqui pra frente sairemos juntas.

Segue-se uma semana normalmente, de idas e vindas. De casa pra escola e vice versa.

Um mês depois...

Uma bela segunda-feira ensolarada como sempre, Gina resolve esperar a amiga um pouco mais cedo. As mulheres tem um Q de sexto sentido.

- Oi amiga! Vamos?
- Não! Sabe Rita, hoje acordei com um mau presságio. Quero que você vá em frente. Eu te sigo à distância.
- Oh! Mas, você é besta! Deixa disso, vamos!
- Faça o que eu estou dizendo. Esse cara te atacou há exatamente um mês. Como ele viu que não deu em nada, pode ser hoje. Vai. Vai.
- Tá bom. Eu vou! Mas você me deixou com medo agora.
- Vai. Deixa de conversa.
- Tá!

Gina, como quem caça, sabe muito bem onde pisa pra não espantar a caça. Segue a amiga por dentro do mato, sempre muito atenta.

Rita, trêmula, com as palavras da amiga anda a passos largos, com olhos arregalados e com medo até da sombra. O trauma não havia passado. É aterrorizante enfrentar a mesma situação duas vezes. São cicatrizes que não saram, pois não ficam na pele.
Gina sabe que está na briga certa e sabe usar as armas.

É um longo caminho até a escola sem uma vivente alma pra dar notícia de nada.
De repente, Rita é surpreendida pelo mesmo homem que sarcasticamente lhe pergunta:
- Já está saradinha pra outra boneca? E enquanto fala, tapa sua boca com uma das mãos e a arrasta pra dentro do mato. Dessa vez ele veio com uma corda. A amarra. Rasga suas roupas e fica fazendo cenas eróticas com uma faca em torno de seu rosto, de seu pescoço.

- Você é uma vagabunda! Sei que você não contou a ninguém por que gostou, e vai gostar mais hoje. Vou fazer isso para seu bem. Vou te contar uma coisinha, vadia. Eu cavei sua sepultura logo ali na frente. Não sou louco de te deixar viver dessa vez. Tá me entendendo?

Nesse momento, acreditando estar só com a menina, rasga suas roupas e deixa-a completamente nua. Prepara-se para se deitar sobre ela e quando vai iniciar o coito, de tão sádico que é não percebe que a menos de cinco metros Gina está lhe apontando uma flecha, com o arco bem rígido.

- Ei! Olha pra mim! Levanta! Quero acertar teu coração, se é que ele existe aí dentro!
- Mas de onde diabos tu saiu, menina? Vai cuidar da sua vida ou vou ter que te matar também.
- Chega de conversa!
A flecha corta o ar e atinge o peito esquerdo do homem. Não existe arma mais sutil e versátil quanto o arco e a flecha. Não precisa de silenciador como as armas de fogo. Uma só flechada é mortal, quando atirada por quem sabe.
O corpo grande cai sem vida sobre a garota. Gina a desamarra e o arrasta com ajuda de sua amiga para a cova feita por ele mesmo. Enterram-no e prometem o mais absoluto sigilo sobre esse caso.
- Vamos embora Rita.
- Vamos! Mas quero que você me diga como sabia que ele viria hoje.
- Vou te contar depois. Vamos sair daqui, agora.
- Mas Gina...
- Sem mais. Juro que não queria fazer isso, mas não tinha outro jeito. Vamos?

- Vamos!

Carlos Holanda

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